Métodos comparativos no estudo das práticas culturais latino-americanas

Ministrante: José de Souza Muniz Jr (Graduado em Comunicação Social (ECA-USP), mestre em Ciências da Comunicação (ECA-USP) e doutorando em Sociologia (FFLCH-USP), com estágio de pesquisa na Universidad Nacional de Quilmes (UNQ), Argentina. Bolsista de doutorado da FAPESP).

Ementa

Este minicurso visa discutir estratégias, possibilidades, desafios e limitações enfrentados por pesquisadores que se propõem a contrastar experiências artísticas, midiáticas e intelectuais entre diferentes países latino-americanos. Recupera, para isso, contribuições provenientes de distintas áreas disciplinares, como a sociologia, a antropologia, a história social, a comunicação e os estudos culturais. A partir desse cruzamento entre tradições teóricas e correntes analíticas, temos como objetivo apresentar modos exemplares de encarar a comparação evitando seus riscos mais comuns, dentre os quais destacamos o reducionismo, o prescritivismo, o etnocentrismo e a descontextualização.
O foco da nossa atenção são as comparações qualitativas (ou que conjugam procedimentos qualitativos e quantitativos) e de poucos casos (os chamados estudos de N pequeno). Ainda que não pretenda esgotar o tema em três dias, o minicurso buscará, tanto quanto possível, abarcar uma série de questões que surgem no contraste entre diferentes contextos e experiências latino-americanas. Pretende, ainda, apresentar uma série de referenciais teóricos, metodológicos e analíticos que possam ser de utilidade para o desenvolvimento dos trabalhos individuais de pesquisa dos inscritos. Com isso, busca-se dar conta da diversidade dos alunos: suas formações, seus objetos, o estágio em que se encontram na vida acadêmica, as dificuldades que possam estar enfrentando neste momento.
O minicurso está dividido em três momentos. No primeiro, serão discutidos aspectos mais gerais, que dizem respeito ao estatuto da comparação no senso comum e nas ciências humanas. Num segundo momento, abordaremos problemáticas específicas concernentes à construção dos objetos e dos problemas de pesquisa; à coleta, análise e interpretação de dados; e à realização de inferências sobre os universos estudados. Na terceira sessão, por fim, discutiremos o modo como tais princípios têm sido operacionalizados por pesquisadores que, nos últimos 15 anos, têm se dedicado ao estudo comparado de práticas culturais, artísticas e intelectuais entre diferentes contextos nacionais, e particularmente Brasil e Argentina – países que, por sua complexidade e proximidade, bem como por suas relações históricas, têm sido objeto frequente de estudos dessa natureza.

Justificativa

O uso da comparação entre diferentes contextos nacionais é uma das estratégias de pesquisa mais vigorosas dentro dos estudos latino-americanos – tanto no âmbito de programas interdisciplinares como o PROLAM-USP como em propostas acadêmicas de recorte mais tradicional ou disciplinar. Tais estudos abrangem uma variedade enorme de linhas teóricas e de estratégias metodológicas, mas que conduzem a problemas práticos semelhantes. Afinal, é comum (e salutar) que, ao pesquisador em nível de graduação e pós-graduação, coloquem-se problemas do tipo “o que comparar”, “por que comparar” e “como comparar”. Nesse sentido, o curso buscará vincular os problemas concretos dos alunos em suas pesquisas com os problemas e as soluções encontrados em estudos já realizados em diferentes tradições disciplinares, que serão objeto de discussão em sala.

Cronograma

1º dia (1 hora e meia): Apresentação do ministrante e dos alunos. Comparação como recurso cognitivo, estratégia implícita ou constelação de métodos. Comparação como recurso para construir objetos, problemas e hipóteses. Estudos comparados, estudos conectados e estudos globais/transnacionais (Prado, 2012). O que a comparação permite ou não ver: o lugar social do pesquisador e o domínio das realidades. Armadilhas da comparação: reducionismo, prescritivismo, etnocentrismo e descontextualização (Pollock, 2010). Exercício 1 (imaginação analítica): a contraluz, o contrafactual e suas armadilhas.

2º dia (1 hora e meia): Os estudos de caso e os casos-controle: régua interna, régua externa e o risco dos casos modelares. As escalas de análise e os níveis de observação. Comparação quantitativa e qualitativa: como/por que fazer; como/por que conciliar. Comparar dados secundários e comparar dados primários: a falibilidade das “fontes pré-comparadas”. Buscar semelhanças entre diferentes e diferenças entre semelhantes. Comparar processos (sociais, econômicos, políticos), produtos (culturais, artísticos) e trajetórias (pessoais, profissionais, intelectuais). Os resultados da comparação e a busca das “generalizações modestas” (Perissinotto, 2013). Exercício 2 (escalas de análise e níveis de observação): discussão do trabalho de Christophe Charle (2012) sobre as capitais culturais europeias e do trabalho de Heloisa Pontes (2003) sobre grupos culturais em São Paulo e Nova York.

3º dia (1 hora e meia): Discussão e retomada dos tópicos abordados nos dois encontros anteriores. Apresentação de alguns estudos comparativos recentes sobre as relações entre cultura, política e vida intelectual no Brasil e na Argentina (Grimson, 2007; Garramuño, 2009; Miceli, 2012; Jackson e Blanco, 2014; Andermann, 2014). Exercício 3 (o uso das fontes e o processo de inferência): discussão dos métodos e resultados de estudo sobre a participação da Argentina e do Brasil como países convidados de honra na Feira do Livro de Frankfurt (Muniz Jr. e Szpilbarg, 2016 [no prelo]).

Bibliografia

[As referências marcadas com (*) são aquelas que serão recomendadas aos alunos como leituras prévias ao curso, como forma de criar um repertório comum de questões a serem debatidas.]

ANDERMANN, Jens. A óptica do Estado: visualidade e poder na Argentina e no Brasil. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2014.

CHARLE, Christophe. A gênese da sociedade do espetáculo: teatro em Paris, Berlim, Londres e Viena. São Paulo: Companhia das Letras, 2012;

GARRAMUÑO, Florencia. Modernidades primitivas: tango, samba e nação. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.

GRIMSON, Alejandro (Comp.). Pasiones nacionales: política y cultura en Brasil y Argentina. Buenos Aires: Edhasa, 2007.

JACKSON, Luiz Carlos; BLANCO, Alejandro. Sociologia no espelho: Ensaístas, cientistas sociais e críticos literários no Brasil e na Argentina (1930-1970). São Paulo: Editora 34, 2014.

LINK, Daniel. Tres negritos. Los estudios comparados en América Latina. Chuy. Revista de Estudios Literarios Latinoamericanos, ano 1, n. 1, jul. 2014. pp. 29-59.

MICELI, Sergio. Vanguardas em retrocesso: Ensaios de história social e intelectual do modernismo latino-americano. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

MUNIZ JR., José de Souza; SZPILBARG, Daniela. Edição e tradução, entre a cultura e a política:
Argentina e Brasil na Feira do Livro de Frankfurt. Sociedade & Estado [no prelo].

(*) PERISSINOTTO, Renato. Comparação, história e interpretação: por uma ciência política histórico-interpretativa. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 28, n. 83, out. 2013. pp. 151-165.

POLLOCK, Sheldon. Comparison without hegemony. In: JOAS, Hans; KLEIN, Barbro (Eds.). The benefit of broad horizons: intellectual and institutional preconditions for a global social science. Leiden/Boston: Brill, 2010.

PONTES, Heloisa. Cidades e intelectuais: os “nova-iorquinos” da Partisan Review e os “paulistas” de Clima entre 1930 e 1950. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 18, n. 53, 2003. pp. 33-52.

(*) PRADO, Maria Ligia Coelho. América Latina: historia comparada, historias conectadas, historia transnacional. Anuario Digital – Escuela de Historia UNR, n. 24, 2012.

SORÁ, Gustavo. Traducir el Brasil: Una antropología de la circulación internacional de ideas. Buenos Aires: Libros del Zorzal, 2003.

TILLY, Charles. Big structures, large processes, huge comparisons. Nova York: Russel Sage Foundation, 1984.