Refúgio na América Latina: uma análise dos fluxos e da proteção aos refugiados na região.

Ministrante: Helisane Mahlke (Doutoranda em Direito Internacional/USP)

EMENTA:
O presente curso pretende analisar a questão do refúgio na América Latina, apontando os principais fluxos de refugiados, uma análise comparada da proteção dos refugiados nos principais países receptores, bem como as principais causas do deslocamento forçado na região.
O curso também irá destinar-se a analisar os aspectos jurídicos do refúgio na região, não apenas avaliando a legislação comparada dos principais países receptores, como, também, como o refúgio é tratado pelo sistema regional de proteção aos Direitos Humanos, verificando o papel da Comissão Interamericana e a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o tema.
O curso também analisará o papel do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados na região, tecendo uma análise crítica de sua atuação. Aspectos fundamentais e correlatos também serão abordados, como a intersecção do refúgio
com o tráfico de pessoas e a exploração da mão-de-obra; questões de gênero; migrações ambientais, a migração de menores desacompanhados e a securitização do fluxo migratório.
Por fim, o curso dedicar-se-á ao refúgio no Brasil, a evolução do sistema nacional de proteção, a legislação nacional sobre o tema e a realidade do fluxo de refugiados no Brasil. Também será analisada a estrutura de acolhimento dos refugiados em nosso país, o papel do Governo, Sociedade Civil e do ACNUR e a importância da proteção aos refugiados para política externa brasileira.

JUSTIFICATIVA:
A América Latina sempre teve notória tradição quanto à concessão de asilo político, fundamental diante de períodos de instabilidade política, regimes ditatoriais e guerrilhas, que produziram o deslocamento de milhares de pessoas. Por outro lado, a região também recebeu, em décadas passadas, grupos significativos de refugiados. Esses dois institutos, que se assemelham quanto às características políticas e humanitárias, desenvolveram-se em paralelo, como um traço peculiar latino-americano.
Nos últimos anos, o fluxo de refugiados vem aumentando significativamente, sobretudo no Brasil, desafiando as autoridades a uma resposta adequada à crescente demanda de solicitantes de refúgio. Merece menção, a migração forçada de milhares de Haitianos que, devido à situação política e o posterior terremoto que assolou o país, migraram para outros países, sendo que um contingente significativo em direção ao Brasil, para buscar uma alternativa à situação de vulnerabilidade econômica na qual aquele país se encontra. A dificuldade em lidar com um fluxo intenso de pessoas demonstrou a insuficiência das estruturas de acolhimento e das políticas públicas destinadas à migração, revelando a necessidade de rever a política migratória na região.
Além disso, outra questão preocupante que a região deve enfrentar é a intersecção do refúgio com outras modalidades de migração forçada, como o tráfico de pessoas, para a escravidão sexual ou exploração da mão-de-obra em condições análogas à escravidão, a migração irregular motivada por questões econômicas, que expõe à vulnerabilidade milhares de pessoas que se deslocam em busca de melhores condições de vida.
Quanto ao nosso país, especificamente, observa-se que a questão do refúgio é geralmente baseada em soluções paliativas, de fácil administração, na medida em que o país não se apresentava como um polo atrativo do fluxo de estrangeiros. Há uma mudança importante nessa tendência nos últimos anos: o Brasil tem se tornado, cada vez mais, o destino de refugiados provenientes das mais variadas partes do mundo1. Contudo, a estrutura de acolhimento e de processamento das solicitações de refúgio não acompanhou a necessidade emergente.
As dificuldades estruturais para o acolhimento também estão presentes desde a recepção dessa população pelas entidades responsáveis na sua chegada em solo nacional, quanto no acesso a necessidades básicas2. Em razão disso, impõe-se também, a necessidade de aprimorar significativamente o tratamento dispensado aos solicitantes de refúgio no país, especialmente quanto à proteção dos direitos humanos desses indivíduos; bem como, quanto à implementação de soluções duradouras3 que lhes garantam uma vida digna. Além disso, aqueles que obtiveram o reconhecimento do status de refugiado enfrentam obstáculos na inclusão social e na garantia de direitos que não deveriam, em razão das previsões consagradas tanto nas Convenções Internacionais ratificadas pelo Brasil como na Constituição Federal, ser dispensadas somente aos nacionais.
O processo administrativo, itinere para a determinação do status de refugiado, apresenta falhas que são uma flagrante violação dos direitos dessas pessoas, além de ser incompatível com todas as categorias e requisitos processuais existentes. Um exemplo disso é a omissão de informações e a falta de acesso do solicitante ao conhecimento das causas que levaram à negação do seu pedido, o que configura cerceamento do direito à ampla defesa e ao contraditório. Além disso, a única possibilidade de recurso da decisão emitida pelo CONARE é para o próprio Ministro da Justiça.
Diante das considerações feitas, anteriormente, observa-se que o modelo de proteção ao refugiado adotado pelo Brasil é incompatível com as normas internacionais às quais o país se comprometeu: a) pela forma como é conduzido o processo de determinação do status de refugiado e pelo tratamento dispensado ao solicitante; b) pela ausência de uma estrutura social adequada ao acolhimento; c) pelo não reconhecimento indevido de direitos inerentes à condição de refugiado. Observa-se, portanto, a necessidade de buscar coerência na implementação do Direito Internacional dos Refugiados, identificando os instrumentos capazes de promover uma harmonização entre as normas internacionais e nacionais.
Desde a Declaração de Cartagena, de 1984, do Programa e Ação do México dez anos depois e da recente Conferência Cartagena +30 sediada pelo Brasil, a América Latina consagra uma definição mais ampla de refugiado4, o que diferencia a região de outras, no que se refere à proteção dos refugiados. Tal definição tem servido de modelo para aqueles que buscam a ampla proteção e preocupam-se com a garantia da ampla proteção daqueles que detêm a titularidade desse direito. Esse legado do subcontinente latino-americano quanto ao direito ao refúgio, o qual é reconhecido por outros sistemas de proteção ao redor do mundo, precisa ser consolidado.
Esse fator torna imprescindível analisar o papel das Cortes Nacionais na aplicação das normas sobre refúgio e sua harmonia com as decisões das Cortes Internacionais sobre o tema, bem como reconhecer práticas bem sucedidas e projetos em andamento em países da região a título comparativo.
Em 2014, a Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu decisão sobre o primeiro caso a tratar do Direito Internacional dos Refugiados a ela submetido (Caso Família Pacheco Tineo v. Bolívia), fixando standards de tratamento aos solicitantes de refúgio a todos os países que fazem parte da jurisdição da Corte, inclusive o Brasil. Diante dessa decisão e de outras jurisprudências e pareceres consultivos correlatos produzidos pela Corte, é importante que o Brasil respeite um standard de interpretação das normas da Proteção aos Refugiados, que privilegie seu verdadeiro fundamento: o reconhecimento do direito subjetivo ao refúgio e, por conseguinte, a ampla e efetiva proteção desses indivíduos.
Assim, o objetivo fundamental do presente curso é analisar a proteção dos refugiados e as peculiaridades da migração forçada na região, em seus aspectos políticos e jurídicos, extraindo desta análise elementos para o aprimoramento do sistema nacional de proteção aos refugiados.

CRONOGRAMA:
1º Dia: Quarta-feira (19/10): 08:00 às 09:30
Tema: A Formação do Direito Internacional dos Refugiados, seus principais atores globais e regionais e a crise atual do refúgio no mundo.
2º Dia: Quinta-feira (20/10): 08:00 às 09:30
Tema: O Direito Internacional dos Refugiados na América Latina: fluxos e normas.
3º Dia: Sexta-feira (21/10) 08:30 às 09:30
Tema: O Sistema Nacional de Proteção aos Refugiados: o papel da estrutura tripartite e a implementação das soluções duradouras.

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