Abrindo a caixa, em busca da interdisciplinaridade

26 de April de 2017

2º Workshop para Jovens Pesquisadores em Contabilidade Pública
Material de apoio para participação

Abrindo a caixa, em busca da interdisciplinaridade: Ciências Políticas, Administração Pública e Contabilidade

Participantes: Prof. Umberto Mignozzetti (FGV/New York University), José Veríssimo Romão Netto (Centro de Estudos da Metrópole/USP, Institute for Local Government Studies – University of Birmingham, Núcleo de Pesquisa de Políticas Pública da USP), e Prof. Ricardo Corrêa Gomes (UNB, ESAF, Georgia State University)

Debatedor: Prof. Sérgio Sakurai (USP, University of Cambridge)

“Os impactos da lógica de coalizão na accountability”.

Accountability, responsividade, transparência, governos abertos, têm sido termos cada vez mais falados, contudo poucas vezes conectados com o contexto em que atores políticos, prestadores de serviço e fornecedores, servidores públicos, juízes, promotores, atuam. Em geral, o que vemos são textos em Ciências Políticas que não aprofundam em contabilidade, textos em contabilidade que desconsideram resultados já consolidados pela Administração Pública e na Economia aplicada e assim por diante. Sem falar as diversas áreas do Direito, Psicologia, História, Geografia, Urbanismo, Sociologia, Saúde Pública, Educação, que tangenciam as questões do setor público.

O objetivo dessa sessão é ampliar a interdisciplinaridade da pesquisa em Contabilidade Pública, trazendo para pauta o “contexto político e da administração burocrática”. Os convidados de Ciências Políticas e Administração Pública discutem o contexto, tanto da dinâmica política quanto da estrutura burocrática no Brasil. Os debatedores e todos participantes procuram associar com accountability e contabilidade.

Não se trata de ‘justificar a relevância da contabilidade’, mas talvez reconhecer a baixa relevância da informação contábil na forma como atualmente interage no contexto apresentado.

A literatura internacional já tem encontrado resultados consistentes que contestam a relevância da informação contábil por competência para atores políticos (ex. Liguori et al, 2012, 2014). Políticos e gestores públicos preferiam como primeira opção a informação não-financeira para suas decisões, em seguida optam por informação orçamentária em regime de caixa. Chamada de artigos da Public Money & Managament em 2015 reforça a necessidade de compreensão de tal fenômeno.

Outra evidência do baixo uso da informação contábil na decisão nos governos é a própria ausência de informação contábil tempestiva. Os sistemas de informação de contabilidade implantados no Brasil, com algumas exceções, são do tipo “batch accounting systems”, em que o sistema espera acumular um conjunto de transações e as contabiliza todas em um lote no final do mês. Isso significa que durante todo mês a informação na contabilidade que fosse acessada por qualquer um estaria desatualizada. Isto prejudica seriamente o pressuposto que a informação contábil em tempo real é usada para decisão. A informação não é usada, ou a informação usada não é atualizada, de qualquer forma não parece ser percebida como relevante e útil.

A geração da informação contábil por competência, que tem consumido grande parte da agenda da área, em si não altera o desempenho de governos, pois não é usada nas decisões de políticas públicas, administrativas ou financeiras.

Para compreender o não uso da informação contábil, talvez devêssemos entender melhor a dinâmica em que gestores públicos operam. No Brasil operamos sob governos de coalizão multipartidária, cujos efeitos sobre a gestão pública são extensos. A barganha presente na montagem e manutenção da coalizão, leva o chefe do executivo a negociar cargos, posições e orçamento com os legisladores para formação da base aliada. Essa barganha gera dois efeitos. Primeiro, reduz a propensão de fiscalização do legislativo sobre o executivo, pois legitima negociações personalistas entre os poderes (Pereira & Melo, 2016) e reduz as chances da oposição atuar na fiscalização. Por exemplo, reduziria a probabilidade do legislativo votar contrariamente ao executivo quando este tem suas contas aprovadas com ressalva ou reprovadas pelo Tribunal de Contas. Segundo, demanda e permite que o governo infle a administração pública com profissionais alheios à burocracia, orientados a um partido ou padrinhos, e não à execução das políticas públicas em si. Assim, pode-se questionar se a alocação de comissionados em posições de gerência média da burocracia distorceria as linhas hierárquicas na burocracia local. O clientelismo que aflora dessas relações reduz incentivos ao desempenho entre servidores concursados pela baixa meritocracia. Como consequência dessa lógica, governos não dedicam atenção à inovação, melhorias gerenciais, aumento da transparência, desenho de políticas de longo prazo.

Como governos esforçam-se prioritariamente para manter as coalizões construídas, aplica considerável esforço e capital político e material para manter as coalizões, em algumas situações passando a consumir parte significativa da rotina da alta administração local. Nestas situações, pondera-se que seja menos provável que um governo tome medidas impopulares, caso tenha um apoio tênue do legislativo.

Internacionalmente, diversos países, incluindo o Brasil, apoiam o movimento de Open Government  – OG (Governo Aberto), em que governos abrem cada vez mais seus dados como uma parte da ação de transparência. Tais iniciativas, como a Open Government Partnership, (https://www.opengovpartnership.org/), incluem (i) transparência, (ii) participação social, (iii) inovação tecnológica, (iv) responsabilização de governos (accountability). Porém, questiona-se aqui se “a abertura de dados é suficiente para accountability?” Certamente não. Novamente a falta de conexão entre as diversas temáticas (contabilidade, transparência, governo de coalizão, etc) impede o entendimento do fenômeno de forma global.

O Brasil já parte para 3º ciclo de ações nesta iniciativa de transparência. Contudo o último relatório (baixe aqui) aponta ainda uma baixa participação social e a perda de foco na implementação do plano de longo prazo (pelo foco excessivo nos últimos megaeventos no Brasil e combate à corrupção). Apesar dos esforços da CGU (coordenadora do plano de Governo Aberto desde 2011), as ações relacionadas a transparência avançaram mais que as de participação social, inovação e accountability. Alguns temas do plano do Brasil para o OG focam justamente da tentativa de difusão de transparência, participação e accountabiity para os governos locais (nota 1). Em relação ao item 2.12, o relator sugeriu maior acompanhamento de tais inicativas nos govenros locais (“adopting more specifc goals to improve the measurability of results and the grading of data openness to compare and qualify existing achievements”). A CGU lançou a Escala Brasil Transparente em 2015 (em que monitorou cerca de 400 municípios no Brasil), e recentemente a FGV/DAPP junto com a Open Knowledge Brasil mapearam os dados abertos do Brasil e apontam que os governos não abrem os dados completamente para download, e que estes não veem isto como sendo de responsabilidade deles. Apesar da proliferação dos portais de transparência, não se viu a real ampliação da capacidade da sociedade civil intervir no processo de accountability.

A tendência de dados abertos continua a “derramar” dados na sociedade. Mas que não consegue processar os dados, os políticos (secretários, vereadores, deputados, gestores públicos, etc.) tendem a não usar informação contábil por competência, e cidadãos não compreendem os relatórios financeiros contábeis ou mesmo a complexa linguagem do orçamento público. Ainda, os dados abertos em geral tratam de execução de despesas, e não de medidas de desempenho de políticas públicas per se. Assim, como o ciclo de accountability será acionado? Como governos serão responsabilizados pelo desempenho das políticas públicas?

Em resumo, no contexto gerado pelo Governo de Coalizão, a formação de uma coalizão pode reduzir a atuação do legislativo e consequentemente dos órgãos de controle na fiscalização associada a crimes de responsabilidade, baixo desempenho de políticas públicas, baixo planejamento, entre outros. Assim, relatórios enviados aos Tribunais não cumpre seu papel no ciclo de accountability. E se tais relatórios contábeis também não são lidos pela população, e não são usados para tomada de decisão nos governos, o que se questiona é, para que serve tal informação?

A provocação feita procura levar a discussão para o ‘mundo como ele é’, e nos levar a pensar em como estudar esse fenômeno, e como ajudar a alterar tal realidade. Assim perguntamos, onde a contabilidade entra nesta discussão? Qual o ponto de tangência da informação contábil em todo este processo? Simplesmente assumir que o papel da informação contábil é ‘apoiar a tomada de decisão e o controle’ parece ser simplista demais, se for este apenas, ela não parece cumprir.

Nota 1:

Alguns exemplos: Item 1.13  – “encourage states and municipalities to endorse the OGP four values: Make the programs under the responsibility of the MDS, execute them via resources transferred in the fund-to-fund modality, and include mechanisms that incentivize entities to endorse the OGP values”. O item 2.12  – “dissemination of the public open data culture to the local governments: familiarize managers so that they are aware of the importance of open data. Share good practices and exchange experiences with other agencies and branches of government in Brazil.” Item 2.22  – “municipal transparency indicators: construct a proposal of transparency indicators in the institutional performance of brazilian municipalities”.

Governo de Coalizão

Sérgio Abranches – https://www.youtube.com/watch?v=OMqppAreWZg

Medidas de Open Government e participação:

http://opendatabarometer.org/data-explorer

https://www.opengovpartnership.org/

http://paineis.cgu.gov.br/index.htm

http://www.participa.br/

http://www.cgu.gov.br/assuntos/transparencia-publica/escala-brasil-transparente

http://dapp.fgv.br/dapp-e-open-knowledge-lancam-indice-de-dados-abertos-para-o-brasil/

https://br.okfn.org/

Videos de eventos passados:

Encontro CGU 6/02/2017 –

http://www.cgu.gov.br/sobre/institucional/eventos/2017/encontro-municipio-transparente

Alguns artigos mencionados no texto:

http://annualreviews.org/doi/abs/10.1146/annurev-polisci-031710-103823

https://dl.dropboxusercontent.com/u/15839502/Fernanda%27s%20website/brazil-corruption-AER-paper-jun18-2012.pdf

ftp://ftp.igier.unibocconi.it/wp/2008/336.pdf

http://www.mit.edu/~dhidalgo/papers/contas.pdf

Referências

Ashworth, S. (2012). Electoral Accountability: Recent Theoretical and Empirical Work. Annual Review of Political Science, 15(1), 183–201. https://doi.org/10.1146/annurev-polisci-031710-103823

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Besley, T., Black, S., Chay, K., Hoxby, C., Janvry, A. De, Jayachandran, S., … Thomas, D. (2008). Exposing corrupt politicians: the effects of brazil’s publicly released audits on electoral outcomes* c. Quarterly Journal of Economics, (May).

Brollo, F. (2010). Who is punishing corrupt politicians: voters or the central government? Evidence from the brazilian anti-corruption program. IGIER – Working Paper, (March 2008), 1–29. Retrieved from ftp://ftp.igier.unibocconi.it/wp/2008/336.pdf

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Ferraz, C., Finan, F., & Moreira, D. B. (2012). Corrupting learning. Evidence from missing federal education funds in Brazil. Journal of Public Economics, 96(9–10), 712–726. https://doi.org/10.1016/j.jpubeco.2012.05.012

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Liguori, M.; Sicilia, M.; Steccolini, I. (2012). Some Like it Non-Financial … . Public Management Review, 14:7, 903-922.

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Skjæveland, A., Serritzlew, S., & Blom-Hansen, J. (2007). Theories of coalition formation: An empirical test using data from Danish local government. European Journal of Political Research, 46(5), 721–745. https://doi.org/10.1111/j.1475-6765.2007.00709.x