Projeto usa psicologia para informar população sobre febre amarela

Atividades ocorrem no Parque Ecológico do Tietê e buscam explicar a relação dos macacos com a doença

Por , Jornal da USP, 4/9/2018

Trecho de folder produzido pelo projeto Ações Educativas para Prevenção de Febre Amarela – Imagem: Reprodução Ilustração: Lucas Andrade

O recente surto de febre amarela deixou os brasileiros em estado de alerta. Com o medo generalizado somado à falta de informação, os macacos, além de também serem vulneráveis ao vírus da doença, tornaram-se vítimas de outra ameaça: os humanos. Em 2017, diversos Estados registraram animais mortos com sinais de violência, enquanto nas redes sociais circulavam relatos de execuções em diferentes locais. Acreditando que os bichos pudessem ser transmissores da doença, as pessoas chegavam a matá-los.

Foi com este cenário em mente que a professora Briseida Resende, do Instituto de Psicologia (IP) da USP, e Tatiane Valença, sua aluna de mestrado, desenvolveram um projeto de educação ambiental para o Parque Ecológico do Tietê (PET), na zona leste de São Paulo. Com uma série de ações voltadas ao público que frequenta o local, a iniciativa desenvolve atividades que esclarecem o papel do macaco no ciclo da febre amarela. A ideia é derrubar os mitos em torno dessa relação e difundir o que a ciência já sabe sobre o tema..

Tudo começou com o projeto de mestrado de Tatiane. Formada em biologia, ela pesquisava as interações entre pessoas e animais silvestres no Parque Ecológico do Tietê, quando, em novembro de 2017, o local foi fechado.

Fernando Teixeira, do Centro de Educação Ambiental do PET, explica o ocorrido. “O parque possui um centro de recuperação que recebe animais silvestres deslocados do seu ambiente natural por algum motivo, trágico ou casual. Eles são entregues aqui com o objetivo de serem devolvidos para a natureza.” Um desses animais, um sagui, foi diagnosticado com febre amarela. Apesar de o macaco ter vindo de fora e de nenhum outro animal no parque ter apresentado o vírus, o local acabou sendo interditado por precaução, reabrindo apenas em janeiro deste ano.

Após a reabertura, levou ainda algum tempo até que a frequência do parque se normalizasse. “Durante uns três ou quatro meses, o público vinha numa quantidade bem menor”, diz Teixeira. Com as notícias sobre febre amarela ainda muito frequentes, o medo continuava, assim como os casos de agressão contra os primatas.

E, a partir daí, as atividades de conscientização começaram a ser planejadas, conta Tatiane. “Vendo o antes e o depois do fechamento do parque, o murmurinho de preocupação, as pessoas olhando o macaco durante a interação e conversando sobre febre amarela preocupadas, nós achamos que seria importante fazer um projeto de extensão lá com essa temática.”

As ações aconteceram no último mês de julho. Tatiane e a professora Briseida explicavam o ciclo da febre amarela ao mesmo tempo em que apresentavam os macacos brasileiros.

Muito do que as pessoas sabem sobre macacos aqui no Brasil é o que vem de fora, então acham que é tudo gorila, chimpanzé, não sabem muito bem a diferença. Por isso falamos um pouco dos nossos macacos e como eles são, que tamanho eles têm, como eles se comportam, entre outras informações”, diz a professora.

A ideia era trazer atividades lúdicas, que chamassem a atenção de crianças e adultos. Por isso, foram feitas oficinas de desenho, de máscaras e de pegada ‒ esta última feita com moldes dos rastros deixados pelas patas dos bichos. Além disso, as ações contaram também com um passeio guiado pelo parque, para observação dos macacos, e uma peça apresentada pelo grupo de teatro do programa Universidade Aberta à Terceira Idade (Unati).

Desenhos feitos pelas crianças em uma das atividades do projeto – Foto: Tatiane Valença

Trabalho colaborativo

A participação de diferentes colaboradores foi uma das características principais do projeto coordenado pela professora Briseida. Desde o início, o programa teve apoio do professor Gustavo Massola, do Laboratório de Psicologia Socioambiental e Intervenção (LAPSI) do IP. Além de contribuir com o olhar da psicologia ambiental, o professor Massola também tem experiência com projetos de extensão, e pôde oferecer auxílio nesse sentido.

A peça apresentada nas atividades foi baseada num roteiro feito pelo professor Júlio César, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) quando o estado enfrentou surtos de febre amarela em 2008 e 2009. Ela foi encenada também na Universidade Federal de Alfenas, em Minas Gerais, com coordenação do professor Rogério Grassetto, que foi quem apresentou a ideia a Tatiane e Briseida.

Rogério Pimenta, da Unati, conta que o trabalho colaborativo não parou por aí. Para ser encenada novamente, a peça foi adaptada com os idosos que compõem o grupo de teatro, que também improvisam muito na hora das apresentações. “Se nos prendemos ao texto, eles ficam muito preocupados em decorar as falas e acaba não ficando natural. Então, pegamos o texto original, estruturamos em tópicos e trabalhamos com improvisação a partir disso”, explica.

Apresentação do grupo de teatro da Unati – Foto: Tatiane Valença

Na peça, dois idosos, após verem notícias sobre febre amarela, ficam com medo e decidem matar os macacos. A história se desenrola de modo a explicar ao mesmo tempo a relação dos primatas com a doença e as formas corretas de prevenção ‒ tanto para os humanos quanto para os macacos. Segundo Pimenta, os idosos são bastante animados com as atividades. “O resultado é ótimo para eles e os visitantes, em especial as crianças, que também ficam muito entusiasmadas”.

Multiplicando a conscientização

Um projeto que observa a relação entre humanos, macacos e febre amarela do ponto de vista psicológico pode parecer estranho de início. Mas, como Tatiane explica ao falar de seu mestrado, a psicologia pode ser uma ferramenta importante para solucionar problemas nesse campo.

A ideia da pesquisa é entender por que as pessoas interagem com os animais e como essas interações são reguladas, o que pode contribuir para o controle dessas interações em parques e outros locais. “Com a questão da febre amarela, fica mais clara a necessidade de permitir interações saudáveis, que são importantes porque os bichos trazem uma série de aspectos positivos aos humanos. Essas interações são positivas também para os bichos, pois ao entrar em contato com eles as pessoas compreendem melhor sua importância. Mas precisamos garantir que as interações sejam saudáveis”, diz a pesquisadora.

Os dados da pesquisa ainda estão sendo analisados e também vão contribuir para ações futuras. Quanto ao projeto de conscientização sobre febre amarela, Tatiane diz que ela e os demais organizadores têm procurado incentivar que as atividades sejam levadas para outros lugares, como escolas públicas.

Apresentação do grupo de teatro da Unati – Foto: Tatiane Valença

Uma outra parceira, Ione Ishii, é um dos exemplos nesse sentido. Professora de biologia na Escola Estadual Fernão Dias Paes, em São Paulo, ela trabalhou com Tatiane e Briseida para realizar um programa de pré-iniciação científica, do qual participam estudantes do ensino médio. Com isso, três de seus alunos participaram do projeto sobre a febre amarela, e a partir dele prepararam uma aula sobre o tema para ser apresentada na escola.

Tatiane aponta que o objetivo das ações é formar “multiplicadores”, que espalhem o aprendizado por onde forem. “Nosso papel é atrair as pessoas que estão preocupadas com isso, para que elas entendam melhor detalhes que não conhecem, se apropriem dessas informações e então possam levá-las para os locais que frequentam”, finaliza.

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