8 de março os direitos das mulheres são Direitos Humanos

Prislaine Krodi dos Santos, Psicóloga. USP Mulheres
Wânia Pasinato, Socióloga. USP Mulheres
Março de 2018

 

“O dia 8 de março é dedicado à comemoração do Dia Internacional da Mulher. Atualmente tornou-se uma data um tanto festiva. Com flores e bombons para uns. Para outros é relembrada sua origem marcada por fortes movimentos de reivindicação política, trabalhista, greves, passeatas e muita perseguição policial. É uma data que simboliza a busca de igualdade social entre homens e mulheres, em que as diferenças biológicas sejam respeitadas mas não sirvam de pretexto para subordinar e inferiorizar a mulher.” (BLAY, 2001, p. 601)[1]

Assim começa o artigo “8 de março: conquistas e controvérsias” no qual a Profa. Eva Blay recupera as origens do Dia Internacional da Mulher e reflete sobre o impacto da data comemorativa para as lutas feministas pela igualdade entre homens e mulheres.

Traçando um percurso histórico, Blay ressalta que a primeira menção à criação de uma data comemorativa como Dia Internacional da Mulher foi feita por Clara Zetkin (Partido Comunista Alemão) em 1910, durante o II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, na Dinamarca. A declaração aconteceu em momento de intensificação das lutas por direitos trabalhistas e nascimento do movimento sindical que reivindicava salários e condições de trabalho dignos em um mercado que se expandia de forma atroz com base na exploração da força de trabalho de homens, mulheres, meninos e meninas.

O apelo de Clara devia-se ao fato de que as diferenças entre homens e mulheres não faziam parte desta agenda política e as especificidades das mulheres trabalhadoras permaneciam silenciadas e, portanto, negadas. Nas fábricas, além das péssimas condições de trabalho, falta de higiene e falta de pagamento de horas extras, as mulheres trabalhadoras ganhavam menos que os homens para a mesma tarefa e eram frequentemente submetidas ao assédio e à exploração sexual. Eram vistas como prostitutas por patrões, chefes e empregados (Blay, 2011).

Talvez por essa necessidade de tornar mais visível a situação desigual das mulheres em relação aos homens, um evento trágico foi associado à data e a partir dos anos 1960 o Dia Internacional da Mulher foi associado à morte de 146 pessoas, das quais 125 eram mulheres e 21 homens durante um incêndio em uma fábrica em Nova York, ocorrida em 25 de março de 1911. Em 1975, a data ganhou expressão mundial quando o Dia Internacional da Mulher foi consagrado pela Organização das Nações Unidas (ONU), marcando o início da Década da Mulher (1975-1985).

Controvérsias à parte, o fato é que a luta inicial por direito a condições dignas de trabalho e ao voto para as mulheres ampliou-se para incorporar outros direitos humanos para as mulheres. No Brasil não foi diferente. Nas primeiras décadas do século XX a data esteve associada ao direito ao voto, mas também ao divórcio e ao amor livre. Nos anos 1970, as mulheres lutavam pelo retorno à democracia e por seus lugares dentro dos partidos políticos. (Blay, 2001)

A partir dos anos 1980, outros significados foram agregados ao Dia Internacional da Mulher, inclusive aqueles de apelo comercial. Assim, para a população em geral, o 8 de março passou a ser um dia de celebração e elogio ao feminino. Programações culturais destinadas à mulher e incremento das vendas de bombons, perfumes e flores são algumas das marcas contemporâneas desse dia. Para os movimentos feministas, a data tornou-se emblemática para denunciar a violência contra as mulheres e durante alguns anos a pauta jornalística no mês de março  era inundada por notícias, reportagens e comentários a respeito do problema da violência.

Ao longo desses anos as agendas políticas mudaram, ocorreram avanços nos direitos formais para as mulheres, há maior presença das mulheres na educação, no mercado de trabalho e mudanças legislativas demonstram que a violência com base no gênero não será mais tolerada. Hoje poderíamos nos perguntar se ainda faz sentido ter uma data comemorativa para as mulheres. Nesse sentido, o artigo da Profa. Eva Blay se mantém atual quando nos provoca para essa reflexão.

Em sua conclusão afirma “Entrou-se numa nova etapa do feminismo. Mas velhos preconceitos permaneceram nas entrelinhas.” (p. 607). Parece mesmo que isso não mudou e vale a pena olhar para o cotidiano da maioria das mulheres. Movimentos recentes com as “hashtags” tem demonstrado que nas entrelinhas a liberdade e autonomia das mulheres convivem com sólidas barreiras de desigualdade de gênero, raça, idade e classe social. Mas não é só. O acesso à educação, saúde, liberdade, trabalho, incluindo não apenas a inclusão no mercado, mas também a ascensão nas carreiras, participação ou representatividade política, informação e salário são mediados por características que deveriam apenas refletir a riqueza de diversidade do ser humano, mas que ainda hoje alimentam desigualdades e podem, inclusive, resultar em mortes ou outras violências severas.

As controvérsias que acompanham cada nova onda de denúncias de assédios (sexuais ou não) e processos de discriminação e exclusão das mulheres mostram que ainda não há consenso sobre os direitos das mulheres serem parte indissociável dos direitos humanos. O 8 de março não deve apenas ser relembrado a cada ano, como sua agenda de lutas deve ser permanentemente atualizada. O lema “Nenhuma a menos” só fará sentido quando a universalidade de direitos contemplar todas as mulheres com suas diferenças de geração, raça, etnia, orientação sexual, identidade de gênero, procedência regional, classe social, religião e nacionalidade.

[1] BLAY, EVA ALTERMAN. 8 de março: conquistas e controvérsias. Rev. Estud. Fem. [online]. 2001, vol.9, n.2, pp.601-607.

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