Você, muito provavelmente, já ouviu, viu ou leu alguma notícia ou mesmo conhece ao menos uma mulher que passou por algum episódio violento na vida. Essa triste realidade tem se tornado cada vez mais presente nas relações interpessoais, principalmente nas íntimas. Mas, porque é uma violação dos direitos humanos? É sobre isso que falaremos no decorrer deste post.
Conhecendo o problema
A violência contra a mulher é fenômeno mundial, histórico, complexo e atinge todas as classes sociais. É caracterizada por ações ou condutas, baseadas no gênero, que cause danos/sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, independentemente do ambiente, podendo resultar em morte. Suas origens estão em fatores sociais, políticos, culturais, econômicos e ambientais, possuindo forte associação com as desigualdades de gênero.
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 (p. 155), apontam que houve crescimento de quase 45% no número de casos novos de violência doméstica por 100 mil mulheres — passando de 404, em 2016, para 587, em 2021.
Destacamos o âmbito doméstico, pois este parece ser o mais propício a mulher vivenciar violência(s). É um ambiente privado que proporciona maior liberdade ao agressor em praticar os atos violentos, na mesma proporção que há menor possibilidade de a mulher pedir ajuda.
Embora haja mecanismos de proteção à mulher, como a Medida Protetiva de Urgência (MPU), a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH) registrou 67.779 denúncias de violência doméstica contra a mulher somente em 2021. Dessas, 8.033 (12%) estavam relacionadas a agressões por descumprimento de MPU. Nesse cenário, indagamos: qual tem sido a efetividade dessa medida? O Estado mostra-se capaz de proteger a mulher em situação de violência?
Sabemos que a violência doméstica contra a mulher é progressiva, na maioria das vezes iniciada com agressões verbais, humilhações e constrangimentos, podendo evoluir para agressões físicas e até para o seu ápice, o feminicídio – a morte por razões do gênero feminino. É neste percurso que estratégias eficazes são necessárias para retirar a mulher da situação de violência e evitar uma eventual morte.
Por que viola os direitos humanos?
Ao longo do tempo, as mulheres têm sido privadas de exercerem plenamente seus direitos, sendo sujeitas às mais variadas condições de violência. A concepção do ser mulher (frágil, dependente, submissa, dentre outras condições de inferioridade/incapacidade) e a desigualdade de gênero (como a diferença salarial, por exemplo) podem explicar a crescente e constante violência contra elas. Essas circunstâncias evidenciam como a sociedade – ainda patriarcal – naturaliza a violência contra as mulheres.
Os movimentos sociais, especialmente os feministas, têm colaborado para muitos direitos conquistados. O Dia Internacional da Mulher (8 de março) celebra as conquistas rumo à igualdade de gênero, assim como históricos recentes no Brasil, com a promulgação de Leis como: Maria da Penha (11.340/2006), Feminicídio (13.104/2015), Importunação Sexual Feminina (13.718/2018) e Violência Política contra a mulher (14.192/2021). Nesse interim, destacamos a Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos de Viena, de 1993, que reconheceu formalmente a violência contra a mulher como uma das formas de violação dos direitos humanos.
Quando analisamos o cenário mundial e nacional do problema, há violação do direito humano à vida, à igualdade e à integridade física e psicológica das mulheres. Ao expressar a afirmação irrestrita de posse, o agressor equipara a mulher a um objeto e rebaixa sua dignidade quando a submete a situações de tortura e crueldade.
Entendemos, portanto, que a verdadeira emancipação feminina implica na libertação de todas as formas de violência, não somente a doméstica, perpassando campos da economia, política e cultura. Cenários e governos antidemocráticos aumentam exponencialmente as violações de direitos humanos das mulheres, visto que são frutos de determinados projetos políticos (ou a falta deles, como a extinção de órgãos reguladores e/ou fiscalizadores e a legitimação de discursos violentos contra esse público). Logo, faz-se cada vez mais necessário os debates acerca dos direitos humanos e da violência contra as mulheres, trazendo não somente elas, mas a sociedade, as instituições e o Estado para essas discussões.
IGOR DE OLIVEIRA REIS
Mestre e doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem Psiquiátrica Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas (DEPCH) na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP/USP). Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em Enfermagem, Saúde Global, Direito e Desenvolvimento (GEPESADES).
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015 b. Altera o art. 121 do decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Diário Oficial da União, Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/L13104.htm
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