Descoberta pode gerar a produção de fármacos para auxiliar no combate à doença.
Pesquisadores do Centro de Pesquisa em Doenças InflamatĂłrias (CRID) e da USP deram mais um passo para desvendar os mecanismos envolvidos na infecção por Trypanosoma cruzi (foto), protozoário que causa a doença de Chagas. Eles identificaram uma molĂ©cula, a fosfatidilinositol 3-quinase (PI3K) gama, que tem papel importante no reconhecimento do parasita e tambĂ©m no recrutamento de cĂ©lulas de defesa do organismo para combatĂŞ-lo. O artigo foi publicado nesta terça-feira  (17) no periĂłdico cientĂfico Nature Communications.
Problema que atinge aproximadamente sete milhões de pessoas na AmĂ©rica Latina, a doença de Chagas Ă© caracterizada por uma fase aguda, que desaparece dentro de poucas semanas apĂłs a infecção, e uma fase crĂ´nica, que acompanha o paciente atĂ© o fim da vida. Nesta fase crĂ´nica, embora a maioria dos pacientes permaneça sem sintomas, 30% deles podem desenvolver miocardite, uma inflamação no coração que leva a quadros de insuficiĂŞncia cardĂaca, arritmia e morte sĂşbita.
Segundo o pesquisador principal do CRID e docente da Faculdade de Medicina de RibeirĂŁo Preto (FMRP) da USP JoĂŁo Santana da Silva, a PI3K gama precede a regulação final de várias citocinas relacionadas Ă maior ou menor resistĂŞncia Ă infecção. “NĂłs mostramos nesse artigo que a PI3K gama Ă© uma molĂ©cula que regula a miocardite. Quando o animal está infectado, ele induz a expressĂŁo de PI3K gama e depois de molĂ©culas quinase, que vĂŁo conferir maior ou menor quantidade de citocinas, as quais respondem ao parasita. Dependendo do nĂvel de ativação, vocĂŞ pode ter mais ou menos parasitas no organismo”, diz.
Os experimentos foram feitos em camundongos infectados com o T. cruzi e em amostras de tecido cardĂaco de pacientes chagásicos. Silva explica que pacientes com uma quantidade reduzida de parasitas no coração apresentam Ăndices maiores de PI3K gama, o que comprova a relação entre ambos. Quanto maior o nĂşmero de protozoários no ĂłrgĂŁo, maior a chance de desenvolver miocardite.
“A identificação de aspectos moleculares semelhantes entre a infecção por T. cruzi em animais e a doença humana Ă© crucial, pois mostra caracterĂsticas do mecanismo da doença compartilhadas entre o modelo animal e a doença humana”, explica Edecio Cunha-Neto,  coautor do trabalho e professor da Faculdade de Medicina da USP .
“O trabalho mostra que se a PI3K gama for ativada, há mais resistĂŞncia Ă infecção e menos parasita. Ainda nĂŁo existem medicamentos capazes de ativá-la, mas agora que conhecemos o mecanismo, os quĂmicos tĂŞm como desenhar uma molĂ©cula com esse objetivo”, afirma Silva.
Primeiros indĂcios
A pesquisa começou durante o mestrado de Maria Cláudia Silva, há cerca de sete anos, e seguiu ao longo de seu doutorado, concluĂdo no ano passado, ambos na FMRP. Trabalhos publicados anteriormente mostravam que a miocardite dependia de maior ou menor produção de citocinas como interferon gama e vários tipos de interleucinas, mas havia dĂşvidas sobre quais molĂ©culas regulavam a produção delas.
“NĂłs tĂnhamos indicação de que a miocardite nos pacientes com cardiopatia chagásica crĂ´nica era dependente de uma resposta cruzada entre o parasita e a resposta do hospedeiro. O hospedeiro ia responder ao parasita e acabava atingindo a si mesmo. Mostramos que isso era devido Ă s citocinas e fomos verificar como era a regulação da produção delas. Quando a Maria Cláudia iniciou o mestrado, ela começou a trabalhar com a PI3K gama, que já sabĂamos que influenciava a produção de citocinas. Assim, verificamos que se o animal nĂŁo ativa a PI3K gama, ele morre. EntĂŁo essa molĂ©cula Ă© fundamental para controlar a resposta imune”, conta Silva.
PrĂłximos passos
De acordo com Silva, o estudo terá continuidade para aprofundar o entendimento do mecanismo de regulação do PI3K gama. “Agora estamos mostrando que existe uma molĂ©cula capaz de regular o PI3K gama e Ă© possĂvel modulá-la. Precisamos saber se o PI3K gama Ă© dependente exclusivamente dessa molĂ©cula ou se há outras envolvidas. É um estudo complexo, razoavelmente demorado e exige estudantes bem treinados para trabalharmos”.
Outro ponto que deve ser esclarecido, diz Silva, Ă© o que permite que os Ăndices de PI3K gama aumentem ou diminuam no organismo. “Quando o indivĂduo Ă© infectado, Ă© normal que ela aumente e controle o parasita. Mas por que em alguns indivĂduos ela aumenta menos e controla menos? Talvez dependa de processos anteriores que nĂłs precisamos estudar. EntĂŁo fármacos que aumentem essa molĂ©cula podem trazer efeito no controle nĂŁo sĂł desse parasita como de outros. Esse Ă© um processo muito especĂfico, que Ă© mostrado sĂł no coração, mas podemos expandir para uma sĂ©rie de outras parasitoses”, afirma.
Os pesquisadores tambĂ©m estĂŁo investigando a possibilidade de que diferenças no gene da PI3K gama possam explicar o desenvolvimento ou nĂŁo da forma cardĂaca da doença. Segundo o tambĂ©m pesquisador principal do CRID e docente da FMRP Thiago Mattar Cunha, um dos coordenadores da pesquisa, já foi detectado que pacientes que desenvolvem a forma cardĂaca da doença de Chagas apresentam um determinado polimorfismo no gene dessa enzima que parece estar associado a uma menor expressĂŁo dela.  “Se isso realmente se concretizar, Ă© um grande passo para o entendimento dos aspectos moleculares da cardiopatia na doença de Chagas”.
Mais informações: (16) 3315 4526 / crid@fmrp.usp.br
ReferĂŞncia: Portal de Informações da USP RibeirĂŁo Preto – Por: Thais Cardoso, Assessoria de Comunicação do IEARP – Imagem: Centers for Disease Control and Prevention/Wikimedia Commons
