Primeiras Dramaturgias

Me Encontrar Com o Apocalipse

CENA 1

Profeta Judia: Primeiro, eu sou uma profeta judia. Tudo isso aqui vai acontecer porque eu quero me encontrar com o apocalipse. O mundo onde eu e você estamos está tomado pelo anticristo, o anticristo mesmo, sem simbolismo. Eu imagino um demônio gigante, uma espécie de mistura de lula com baleia, animais grandiosos com cérebros pequenos. E aí sabemos que antes do fim, Jesus vai voltar e vai rolar uma batalha de espadas. Não é qualquer batalha, é entre ele e o anticristo. E nesse dia, no dia da luta das espadas, as almas todas serão salvas. Tudo isso para, no final, eu, profeta judia, me encontrar com o apocalipse.

Pausarás

Profeta Judia: Antes da batalha das espadas Jesus chega e eu vou treinar Jesus. As minhas credenciais são ótimas: um, eu tenho a melhor mira do Oeste. Dois, conheço e domino todas as artes marciais do mundo. Três, nocauteei todos aqueles que tentaram me desafiar. Quatro, todas as pessoas que lutaram comigo estão vivas pra contar. E cinco, eu sei tudo sobre armas. Tudo. Sou uma espécie de bíblia de armas. Eu sei tudo sobre armas. Então por tudo isso, Jesus está vindo treinar comigo para a batalha final antes do fim, e enquanto ele vai lá lutar por nós eu me encontro com o apocalipse que eu tanto quero.

Pausarás

Profeta Judia: Pelas minhas contas, como profeta judia, ele deve chegar hoje, daqui a pouco. E você que tá aqui comigo vai poder ver esse encontro e de quebra aprender tudo sobre armas e autodefesa. Se der tempo acho que ele também pode responder algumas perguntas pra gente, no final.

E neste momento Jesus entrará em cena

Profeta Judia: Oi Jesus, bem-vindo ao nosso século. Estamos aqui só esperando os animais nos devorarem. As orcas e as cachalotes já começaram. Semana passada um homem foi engolido inteiro por uma girafa. Ela nem mastigou. E elas nem comem carne direito, só plantas. Não sei.

Jesus dirá oi

Profeta Judia: Bom, dispensa apresentações, mas pra quem não conhece, Jesus de Nazaré, também conhecido como Jesus Cristo ou Cristo é um pregador, profeta e ativista político. Participou de diversas ações culturais, sociais e religiosas. Tem 33 anos de experiência na área de recursos humanos tendo passado um curto período de aprimoramento profissional com o Espírito Santo. Foi reconhecido diversas vezes por suas habilidades oratórias e exerceu por vários anos a atividade de milagreiro. Em 33 depois de si foi crucificado como filho de deus. É fluente em aramaico, hebraico e inglês.

CENA 2

Profeta Judia: Vamos começar. Vou te ensinar uma música. Ela chama “jab, jab, chute no saco”. É assim:
Jab, jab, chute no saco, como que eu vou limpar todo esse sangue agora?
Jab, jab, chute no saco, cuidado pra não enroscar o cabelo na roupa de ninguém.
Jab, jab, chute no saco, te ensinam autodefesa pra você usar no dia do apocalipse.
Jab, jab, chute no saco, se ele tiver uma arma de choque cuidado como você vai contar isso no futuro.
Jab, jab, chute no saco, samba, futebol, use bem os seus pés, e dê mais um chute no peito dele.
Jab, jab, chute no saco, se precisar, grite fogo, fogo, fogo.
Jab, jab, chute no saco, entenda o que você fez pra poder se defender.
Jab, jab, chute no saco, se todo mundo encosta no seu corpo o seu corpo se torna eterno.
Jab, jab, chute no saco, são 3 horas da madrugada, já podemos parar.
Jab, jab, chute no saco, são 9 horas da manhã e você só tinha ido beber uma água.
Jab, jab, chute no saco, eu entendo que é complicado ser você.

Executai perfeitamente a coreografia e o texto em uníssono

CENA 3

Profeta Judia: O templo
edificado,
reconstruído,
restaurado.

O seu templo, que era seu o tempo inteiro, cujo modelo você desenhou, concretizado a partir de um desejo de um dos Reis, que abriu uma carteira de investimento para que seu filho pudesse realizar seu sonho, fazendo-o acreditar que era também o sonho dele, e então foi até lá e o construiu com os lucros de um alto investimento em petróleo e esquemas de contas de luz, água e gás. Este templo.

Edificado por outro Rei, reconstruído ainda por um outro Rei, posteriormente restaurado por aquele outro Rei. O templo. O templo foi construído em cima de um monte, onde foi feito um sacrifício e há muito tempo atrás matamos todos juntos um animal chamado Isaque. Esse templo, logo depois, foi destruído pelos mísseis enviados por Nabucodonosor II. Explodiram o templo inteiro, deixando só uma maquete do próprio templo no centro do mesmo templo.

O tempo passou, as causas naturais estragaram o que restou do templo. Ataques inimigos sobrevoaram as pedras e os escombros. As marcas de tinta separavam o que era original do que era novo e restaurado. Hoje em dia ninguém reconstrói qualquer templo porque sabe que eles vão ser destruídos rapidamente, muito antes de qualquer turista conseguir tirar uma única foto.

(2:1) “Não ficará pedra sobre pedra sobre pedra sobre pedra que não seja derrubada”, disse um.

(2:2) “Não ficará foto sobre foto sobre foto sobre negativo sobre foto que não seja queimada”, disse outro.

(2:3) “Não ficará corpo sobre corpo sobre corpo sobre corpo sobre corpo que não seja queimado a céu aberto”.

(2:4) “Não ficará osso sobre osso sobre osso sobre osso sobre osso que não seja desaparecido e desidentificado enquanto osso”.

Eu ajudei a construir o templo. Eu empreguei mil carretas para trazer as pedras, reuni todos os materiais, escolhi dez mil operários inteligentes. Pedi que o centro fosse tão alto que de qualquer ponto da cidade dava pra ver e se localizar e chegar lá ou mandar sua carta pra lá ou mandar sua bomba pra lá ou mandar o seu mensageiro pra lá.

CENA 4

Profeta Judia: Agora sobre as armas. Essa parte é muito chata então eu vou falar rápido, até porque na hora lá a adrenalina te ajuda com a sua sobrevivência. Você magicamente vai virar uma pessoa muito segura e confiante de que sabe usar armas. Você vai se sentir em uma ficção. Vai ser tudo exatamente como você imaginou. Exatamente como nos filmes.

Pausarás

Oi pessoal, bem-vindos ao meu canal. E hoje eu quero falar bem resumidamente sobre as diferentes classificações dos armamentos, suas funções, calibres e suas características. Antes de começar o vídeo o nosso parceiro policial militar que mora nos EUA gostaria de dar um recado para vocês.

Policial Militar Que Mora nos EUA: Olá! Você que não me conhece, eu sou um policial militar que mora nos Estados Unidos, trabalho aqui como segurança já tem sete anos. Convido vocês para visitar o meu canal, lá eu falo sobre armas e segurança, e dicas de segurança dos Estados Unidos, de onde eu moro, e sou segurança e ex-policial militar.

Ao longo do texto Jesus reluzirá

Profeta Judia: Vamos às armas então: as armas de fogo se dividem em dois grandes grupos as armas curtas e as armas longas começando com as armas curtas temos os revólveres revólveres podem ser de ação dupla onde será necessário puxar pelo cabelo e amarrar o gatilho para efetuar disparos ou de ação simples é necessário levar sua identificação acionar o cão manualmente antes de puxar a corda os calibres de revólveres vão do .22lr até o .500 Magnum que é o mais poderoso do mundo eu corri tanto e tão rápido passando por esse tipo de armamento que utiliza parte dos gases gerados pelo desfarão para fazer um ferrolho retroceder e carreguei tanta gente até a praia para colocar automaticamente outra pessoa no seu lugar na câmara de tiro esse tipo de armamento também se divide entre ação simples e ação dupla porém como a ação do ferrolho já aciona o cão pra cima de você e dos seus filhos das pistolas de ação é simples automaticamente a diferença é bem menos percebida nas pistolas porque nos enforcam com as mãos as pistolas podem ser semiautomáticas ou até mesmo automáticas como a Glock 18 por exemplo os calibres de pistolas podem me segurar naquelas barras de ferro por dias do 22lr até o .50 e passando pelos jovens, adultos e idosos levantei sozinha uma pilastra de pedra branca pra você passar e fugir para as armas longas começando com as submetralhadoras são totalmente automáticas e utilizam calibres de armas curtas como 9 milímetros e 1.45 são muito utilizadas por forças de operações especiais já que são mais compactas tive que ir não deu tempo de pegar nada ao mesmo tempo são automáticas e possuem mais capacidade de abrir a boca e arrancar a munição são as mais longas que disparam cartuchos geralmente por seu alto impulso de choque no braço as espingardas são divididas em três dias de bomba onde precisam ser bombeadas manualmente pelos atiradores e são mais utilizadas para caça e tiro esportivo na segunda guerra mundial com o STG-44 alemão possuem disparo semiautomático e totalmente automático que nunca foram julgados e revistos e disparando calibres potentes com grande alcance acordava de madrugada todos os dias com os barulhos dos animais sendo explodidos que geralmente são 556 ou 762 utilizado por profissionais do desaparecimento para atingir alvos a grandes distâncias por repetição de corpos no mar costumam ser equipados com miras telescópicas eu andei por 800 mil quilômetros minha família foi ficando pelo caminho como é o caso da carabina M4 que foi inspirada no fuzil M16 e são mais indicadas para combate a curta distância para designar algumas armas mais utilizadas na caça onde me escondi longe da minha família e por fim temos as metralhadoras para dar apoio de fogo a uma equipe em um campo de batalha ou para suprimir o inimigo com grande poder e altíssima cadência de munição parei em um bar na beira da estrada, levantei meu dedo vermelho e pedi um café que utilizam calibres de fuzil e são divididas em metralhadoras leves médias e pesadas são operadas sempre em um museu que um militar costuma utilizar e tínhamos esquecido como fazer conta para pagar a conta não conseguia mais lembrar da cara dos animais também conhecidas como metralhadoras de emprego coletivo são as que costumam ser operadas por mais de um militar nunca houve teu rosto para um calibre .50 nunca reparamos que você existia até o calibre 20 milímetros com rolamento considerado um canhão de informação e a metralhadora diz para o calibre 762 nunca encontraremos o seu corpo inteiro e ainda será considerado pesado o seu altíssimo poder de fogo e por só poder disparar de um ponto fixo na minha cabeça um disparo e não pude dar tchau minha família até hoje não sabe onde eu tô e até hoje sua camisa está pendurada no cabide, o que eu faço com ela, que eu não sei se jogo fora ou se despedaço com os dentes ou mando queimar fincada no topo de uma montanha em um outro planeta para avisar que você nunca voltou.

Pausarás

Profeta Judia: Insuportável. Mas era necessário que você soubesse, né. Muita coisa mudou.

CENA 5

Profeta Judia: Eu sou invencível. Sou jovem e invencível.

Jesus: Eu era jovem e não fui invencível. Achei que seria também, mas não fui.

Profeta Judia: Mas você ficou invencível.

Jesus: Não foi exatamente invencível que eu fiquei.

Profeta Judia: Eu me sinto invencível. Se eu caísse desse penhasco agora eu ia ficar bem. Mesmo com todos os ossos do meu corpo quebrados e trinta fraturas no crânio. Eu ia me recuperar rapidamente. E em menos de um mês eu ia estar milagrosamente andando, como se nunca.

Jesus: Na hora da minha morte também pensei isso. Vou aguentar, vou aguentar. Não serei vencido por essa situação. Eu sou forte, ninguém é capaz de matar isso que tem dentro de mim.

Profeta Judia: Um jovem.

Jesus: Eu era jovem. Naquela época era um adulto. Mas era jovem. Hábitos de gente jovem, discursos de um jovem.

Pausarás

Jesus: Agora não me sinto mais jovem. E você também não é mais jovem. Se a gente se jogar daqui de cima, morre os dois. Se bobear morre durante a própria queda, antes até de se despedaçar lá no chão.

Profeta Judia: Eu queria sentir a vida em séculos. Viver cem anos a cada ano, sentir eternamente que minhas mãos são fortes e que para sempre estrangulariam alguém, com a mesma força. Que eu seria capaz de a qualquer momento da minha vida levantar uma pessoa, carregar um corpo nas minhas costas, carregar vários corpos nas minhas costas. Fazer o que tem que ser feito, olhar para eles com calma e seguir em frente. Matar sem emoção. Ser uma força, uma descarga elétrica, um barulho.

Pausarás

Profeta Judia: Eu virei a cabeça de todos os grandes generais da história, envenenei reis e comandantes, desviei o curso de longas batalhas, enforquei mandantes, assassinei os liberais, financiei a linha da guilhotina, avisei sobre os cargueiros de noite, sobre o submarino bombardeado e do vento que ia parar de soprar no meio do caminho. Criei o primeiro acorde do prólogo, do prelúdio e envolvi com amor aqueles que me saudaram e que escreveram minhas cartas em meu lugar.

Capítulo 1, versículo 1, e deus criou a bala. Versículo 2, viu que estava tudo muito calmo e criou a pólvora e o gatilho. Versículo 3, viu que ainda estavam todos muito quietos e então criou o tambor e a chave e o suporte. Versículo 4, percebeu que ficaram sozinhos então criou a haste do extrator. E, por fim, versículo 5, antes de se ver satisfeito, percebeu uma certa inadequação do homem sozinho em seu lugar e criou a mira, o cano e a orelha do cão.

Jesus: Os generais,

Profeta Judia: todos mortos, preguiçosos

Jesus: Os reis

Profeta Judia: decapitados, todos

Jesus: Comandantes

Profeta Judia: suicidados em campo

Jesus: Mandantes

Profeta Judia: julgados e desertados, um em cada ilha

Jesus: Liberais

Profeta Judia: estão rezando

Jesus: A guilhotina

Profeta Judia: ficou de presente pra uma tia minha

Jesus: Os cargueiros

Profeta Judia: afundados

Jesus: O submarino

Profeta Judia: explodiu as comportas, combustou

Jesus: O vento

Profeta Judia: parou de soprar e a caravela afundou

Jesus: O primeiro acorde do prólogo

Profeta Judia: abriu um esconderijo e todos entraram

Jesus: E as suas cartas

Profeta Judia: viraram livro, um best-seller.

Escutai barulhos de guerra

Profeta Judia: Me comove aquela cena em que você sobe na montanha e começa a falar sozinho, e ninguém te responde. Mas você jura que tem alguém falando com você. E lá, durante aquele pôr do sol, você decide. E então você diz em voz alta. Você disse em voz alta, não disse?

“Tá bom,
eu vou”.

Eu vejo você no futuro como um homem sendo afogado por outro homem, te vejo como um pássaro, te vejo como um desaparecido. Os anos terminaram de passar e o sol continua queimando forte a nossa cara.

CENA 6

Profeta Judia: E se você fizesse tipo um site, pra anunciar que você voltou?

Jesus: Pode ser.

Profeta Judia: Geralmente esses sites não parecem muito reais. Mas no seu caso você poderia deixar ele mais estranho, tipo, a pessoa digita lá o endereço e quando o site carrega aparece uma moeda de ouro em cima da língua dela.

Jesus: Pode ser.

Profeta Judia: Mas só uma vez. Só uma moeda.

Jesus: Legal.

Profeta Judia: E aí, podia ser, www.jesusvoltou.com

Jesus: Acho bom.

Profeta Judia: A gente pode pôr um contador de entradas no site.

Jesus: Ótimo. Jesusvoltou.com.

Profeta Judia: Pode fazer já.

Jesus: Já, né.

Profeta Judia: Faz já, aí já começa a contar.

Pausarás

Profeta Judia: Nesse site dá pra comprar arma.

Jesus: Precisa de autorização?

Profeta Judia: Não precisa.

Jesus: Por que não? Porque sou eu?

PROFETA JUDIA: Não, só não precisa. Você tá ameaçado então tá dentro da lista de prioridades.

Jesus: Ameaçado de quê?

Profeta Judia: Perseguido, ameaçado, extinto, essas coisas.

Jesus: Ah, entendi.

Profeta Judia: Compra aí já. Eles entregam no dia. Na Americanas.

Jesus: Bacana.

CENA 7

Profeta Judia: Eu era uma guerreira. Não, eu acho que alguém matou a minha mãe, alguma coisa assim. E então eu montei um exército, era muito sanguinário meu exército. Era um exército formado por homens e mulheres e mulheres superviolentas. Eu fui queimando as cidades e as plantações antes dos romanos chegarem, encurralando as pessoas dentro das igrejas. Os romanos estavam avançando na Bretanha porque os povos estavam todos desunidos, aí aconteceu alguma coisa que fez com que os romanos destruíssem uma cidade, barbarizassem tudo. Os líderes dos povos bretões se reuniram em um lugar e começaram a discutir: “ah como a gente vai fazer? Os romanos tão invadindo”. Aí eu virei e falei: “vocês são tudo uns pau no cu, uns pau mole”. Aí eu virei a líder de um exército armado e saí por aí aterrorizando as outras cidades. Uma estratégia pra frear os romanos. E então eu queimei as cidades, que eram vilas. Queimei as cidades, as plantações, qualquer coisa assim. Isso foi em sessenta antes de cristo. Não, depois. Depois de Cristo. Depois de você. Eu morri em campo, em um cerco de sabotagem.

Dos guetos eu tenho um pouco mais de memória porque fizeram alguns estudos sobre isso e eu pude ler um pouco sobre a minha própria história. Basicamente um primo de um tio veio avisar que ia embora para um país distante onde ninguém encontraria ele e a família dele. E aí a gente soube que os alemães iam invadir o nosso país, em questão de dias. A família desse primo do tio foi inteira executada rapidamente no dia seguinte, não sei por quê. A gente se mudou pra outra casa, não sei por quê. E as pessoas começaram a se mudar pra outras casas, os vizinhos eram os mesmos, mas rearranjados em novas casas, novas janelas, também não sei por quê. Vocês conhecem a história, enfim. Rapidamente tudo virou um grande grande grande gueto e eu acordei em uma manhã com um rifle nas mãos. Eu lembro fortemente da sensação do gatilho delicadamente nos meus dedos. Foi a minha única arma e grande parceira, essa metralhadora pesada e quente, dormia comigo todas as noites, e ao acordar a primeira coisa que eu fazia era carregar ela rapidamente com meus dedos curtos. No fim dessa história eu morri.

Na Holanda de Todos os Santos eu usei a arma da sedução. Era só falar und dort erfreut pra qualquer oficial que passasse ali perto que os caras já queriam te comer. Eu e minha irmã agíamos juntas, era fácil demais. Brincadeira, eu falei arma da sedução, mas na real não foi isso que eu usei porque pra seduzir aqueles oficiais era preciso vomitar na própria boca o tempo todo e eu não queria aquilo. Eu evitava olhar eles nos olhos e imaginava que eu tava posando pra capa de alguma revista fascista. E só. Chegávamos no mato, eu ralava no pau deles e atirava bem no meio da testa. Eles morriam e a gente fugia. Nunca fomos pegas. Nessa história eu sobrevivi.

E agora que eu tô aqui tudo ficou muito mais fácil, é só levantar um dedo pra cruzar uma fronteira, invadir um território, fincar uma bandeira, investir em tecnologia, mandar subir um muro, mandar subir cercas elétricas em cima dos muros, mandar construir um bunker, mandar construir tanques, e quando os tanques estiverem prontos, testar os tanques em um campo aberto, desenvolvendo satélites e o sistema de GPS mais inteligente e preciso do mundo, fazendo horas e horas de simulação de voos pra finalmente sentar confortavelmente na minha cadeira e apertar um botão que cria a trajetória de pequenos metais em alta velocidade para a cabeça de qualquer filho da puta e sua família filha da puta. Hoje em dia é fácil e eu sobrevivo, facilmente.

CENA 8

Profeta Judia: Jesus, é difícil, cara. Chegou a sua hora. Chegou a hora de você ir lá defender o seu povo, todas as trilhões de almas que falaram teu nome um dia em quatrocentas línguas diferentes. É agora.

Sabe, eu acho que você deve estar nervoso, e tudo bem. Porque imagina só, os homens que estão agora nesse momento sentados em uma cadeira confortável matando uma família apertando um botão e dirigindo um pequeno aviãozinho não tripulado, eles devem estar nervosos também. Eu imagino que sim. De noite, devem sonhar que estão matando com armas, né.

Hoje em dia não se mata mais como antigamente, ninguém morre crucificado, como você morreu. Os drones matam várias pessoas. É uma morte impessoal, como um mosquito que te morde e some, e você fica paralítico, sangrando, enlouquecido, tentando achar um caminho, alguém, uma mão, uma água, qualquer coisa. Mas é tudo muito rápido e você vai morrendo. Hoje em dia é muito diferente te matar em primeira pessoa ou te matar em terceira pessoa. Hoje em dia não se dá mais valor pra esse último olhar, essa expressão de medo e angústia, essa despedida rápida da vida e do tempo.

Não fazem mais questão de torturar ninguém. Neste mundo, que eu não sei se está começando ou acabando, as armas de fogo foram ultrapassadas, ninguém mais sonha em esfaquear ninguém, ninguém tem paixão por armas, ninguém ama o peso dos tanques, ninguém saúda bandeiras de pano, ninguém sente o cheiro da morte e do sangue. Ninguém quer saber de crucificar ninguém por qualquer motivo idiota, ninguém precisa correr, nem se esconder, não é preciso usar proteção, óculos, nariz, ouvidos, coletes, botas. Tudo foi jogado fora. As mortes mudaram, os homens mudaram, tudo mudou. Os caixotes, as embalagens, as roupas, os uniformes, os cartuchos, as drogas, os compostos químicos, as bombas, as ondas, os gravetos, as madeiras, os carros, as rodas, os espaços, os tempos, os bares, as bebidas, as cervejas, as comidas, os enlatados, a terra, o subterrâneo, as luzes fosforescentes, as cadeiras, os balanços, os términos, as cartas, os homens, os guardas, as mulheres, as casas, as guitarras, os instrumentos, as laringes, as faringes, os estômagos, as biles, as casas, as pontes, os rios, os peixes, os metais pesados, os amplificadores, os fios, os rabos, as pernas, as costas, os cabelos, a poeira, os destroços, os pedaços, as pessoas, esse machucado na minha testa, o seu cabelo, essa música, esse século inteiro, meu anel, minha mão, meu dedo indicador, o gatilho, o disparo, a bala, sua testa, seu cérebro e o que tem atrás dele.

Pausarás

Profeta Judia: A gente evolui.
Eu tenho certeza que a coragem vai te invadir como um animal. Quando você estiver diante do seu inimigo, com a sua espada e este revólver, lembra disso tudo. Lembra de mim, lembra da gente.

Lute. Lute. Lute. Lute. Lute. Fique de pé. Lute.

É garantido que dessa vez você vai morrer de verdade.

Fim