Multimoléculas Específicas: a Nova Fronteira da Farmacoterapia

Imagem: Four waves in biopharmaceutical innovation and different categories of multispecific drugs. (Multispecific drugs: the fourth wave of biopharmaceutical innovation/Nature)

As moléculas multiespecíficas estão redefinindo os rumos da farmacoterapia. Capazes de interagir com múltiplos alvos biológicos ao mesmo tempo, esses novos fármacos superam barreiras clássicas da indústria biofarmacêutica e inauguram uma era de terapias mais eficazes, seguras e precisas.

Estamos entrando na era das moléculas inteligentes: a biofarmacêutica vive uma transformação radical, deixando para trás o modelo tradicional de ‘um fármaco: um alvo’.

Assim, depois de décadas baseadas no paradigma “um fármaco:um alvo”, novas estratégias vêm ampliando as possibilidades terapêuticas. Entre elas, destacam-se as moléculas multiespecíficas, capazes de interagir simultaneamente com dois ou mais alvos biológicos, superando limitações clássicas como redundância de vias metabólicas, toxicidade e a chamada “indrugabilidade” de certas proteínas (undruggable proteins).

Consequentemente, essas inovações representam a quarta grande onda da biofarmacêutica, sucedendo a farmacologia empírica, a descoberta racional e a era da biotecnologia com proteínas recombinantes. O impacto é comparável ao dos anticorpos monoclonais introduzidos na década de 1980, mas com possibilidades ainda mais amplas de modulação biológica.

As moléculas multiespecíficas não apenas aumentam a potência terapêutica, como também abrem caminhos para mecanismos de ação inovadores. Um exemplo notável são as moléculas quiméricas de indução de proteólise (PROTACs – Proteolysis Targeting Chimeras), que promovem a degradação seletiva de proteínas-alvo por meio do recrutamento de ligases de ubiquitina, permitindo a eliminação de proteínas associadas a doenças, em vez de apenas inibi-las.

Outros formatos incluem os tetherbodies, que direcionam a ação do fármaco a tecidos específicos, como tumores, minimizando a toxicidade em células saudáveis; e os matchmakers, que aproximam um alvo e um efetor endógeno, ativando processos celulares naturais de forma controlada. Além disso, anticorpos biespecíficos, como os BiTEs e os DARTs, têm mostrado eficácia notável em oncologia, ao redirecionar células T contra células tumorais.

Nesse cenário, a aprovação crescente de medicamentos multiespecíficos pela Food and Drug Administration (FDA) desde 2020 demonstra que a revolução já está em curso.

Por outro lado, o sucesso dessas terapias depende de avanços paralelos em farmacocinética e engenharia molecular. A biodistribuição, estabilidade, meia-vida e imunogenicidade dessas moléculas complexas exigem soluções inovadoras, como fusão a albumina, PEGilação e modificações de sequência de aminoácidos para aumentar estabilidade e reduzir a degradação. Tais estratégias garantem que os fármacos mantenham eficácia clínica mesmo diante das complexidades do organismo humano.

Com o avanço acelerado das multimoléculas, a farmacoterapia expande seus horizontes rumo a uma medicina de maior precisão, potência e sofisticação.

O desenvolvimento dessa nova classe de biofármacos, que combina engenharia molecular refinada com uma compreensão da biologia de sistemas, inaugura um futuro no qual o impossível se torna tratável.

CHENG, Y.; PRASAD, V.; KONDAPALLI, K. C. Multispecific drugs: the fourth wave of biopharmaceutical innovation. Signal Transduction and Targeted Therapy, s.l., v. 5, art. 185, 2020. DOI: https://doi.org/10.1038/s41392-020-0201-3. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41392-020-0201-3. Acesso em: 25 ago. 2025.

DESHAIES, R. J. Multispecific drugs herald a new era of biopharmaceutical innovation. Nature, v. 580, p. 329-338, 15 abr. 2020. DOI: 10.1038/s41586-020-2168-1. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41586-020-2168-1. Acesso em: 25 ago. 2025.

DESHAIES, R. J. How multispecific molecules are transforming pharmacotherapy. Nature Reviews Drug Discovery, 1 ago. 2025. DOI: 10.1038/s41573-025-01262-w. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41573-025-01262-w. Acesso em: 25 ago. 2025.

OGIHARA, T.; MIZOI, K.; ISHII-WATABE, A. Pharmacokinetics of biopharmaceuticals: their critical role in molecular design. Biomedicines, v. 11, n. 5, p. 1456, 16 maio 2023. DOI: 10.3390/biomedicines11051456. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37239127/. Acesso em: 25 ago. 2025.