BCG: uma Vacina Centenária com Potência para o Futuro

Foto: Portal Gov.br

Criada há mais de cem anos para conter a tuberculose, a vacina BCG está voltando ao centro da ciência — agora como uma aliada inesperada em áreas como imunoterapia e combate ao câncer. De escudo infantil à esperança da biomedicina, seu renascimento promete redefinir a medicina do futuro.

Texto por Dra. Vanessa Carregaro

Na ciência, algumas soluções resistem ao tempo, e se renovam com ele. É o caso da BCG, vacina desenvolvida há mais de um século para combater a tuberculose, mas que hoje ressurge como uma plataforma inovadora em imunologia aplicada, com potencial terapêutico que vai muito além da sua indicação original. 

Criada em 1921 por Albert Calmette e Camille Guérin, a BCG é produzida a partir de uma cepa atenuada do Mycobacterium bovis. Embora historicamente utilizada para prevenir formas graves de tuberculose em crianças, nos últimos anos a vacina passou a ser reavaliada sob novas lentes: como indutora de imunidade treinada, adjuvante imunoterapêutico e até como base para novas vacinas e terapias celulares. 

Estudos recentes mostram que a BCG é capaz de induzir alterações epigenéticas e metabólicas em células da imunidade inata, como monócitos e macrófagos, aumentando sua capacidade de resposta a infecções secundárias, mesmo aquelas não relacionadas ao Mycobacterium tuberculosis. Esse fenômeno, conhecido como imunidade treinada, vem sendo explorado como alternativa de proteção contra infecções respiratórias, sepse, doenças inflamatórias e até como estratégia de prevenção para pandemias futuras [1,2].

Além disso, sua ação imunomoduladora tem implicações no contexto das doenças autoimunes e no envelhecimento imune, abrindo portas para aplicações terapêuticas em populações vulneráveis, como idosos e imunocomprometidos.

A BCG também ocupa um lugar consolidado na oncologia. Desde a década de 1970, é utilizada como imunoterapia intravesical no tratamento do câncer de bexiga não invasivo, sendo o padrão-ouro para prevenção de recidivas tumorais. A aplicação direta da vacina na bexiga induz uma inflamação local controlada, que recruta e ativa células do sistema imune, como linfócitos T, células NK e macrófagos, capazes de destruir as células tumorais [3].

Com base nesse sucesso, novas formulações e cepas geneticamente modificadas da BCG estão sendo testadas como vetores terapêuticos para diferentes tipos de câncer e como ferramentas de engenharia imune [4].

A BCG é mais do que um legado científico: é um exemplo vivo de como soluções clássicas podem ser reconfiguradas frente aos desafios contemporâneos da biomedicina. Ao reunir décadas de evidência clínica com novas descobertas sobre modulação imune, ela se posiciona como uma plataforma promissora para inovação terapêutica. 

1. Netea, M.G. et al. (2016). Trained immunity: A program of innate immune memory in health and disease. Science, 352(6284), aaf1098. https://doi.org/10.1126/science.aaf1098

2. Arts, R.J.W. et al. (2018). BCG vaccination protects against experimental viral infection in humans through the induction of cytokines associated with trained immunity. Cell Host & Microbe, 23(1), 89–100.e5. https://doi.org/10.1016/j.chom.2017.12.010

3. Redelman-Sidi, G. (2014). Bacillus Calmette–Guérin (BCG) treatment of bladder cancer: an update. Immunotherapy, 6(4), 509–520. https://doi.org/10.2217/imt.14.11

4. Rentsch, C.A. et al. (2022). BCG and its derivatives—future therapeutic vaccines and adjuvants for cancer immunotherapy. Frontiers in Immunology, 13, 860732. https://doi.org/10.3389/fimmu.2022.860732