 
											Transformar descobertas científicas em soluções de impacto requer mais do que produção de conhecimento. É preciso articulação entre setores, investimentos consistentes e políticas de inovação robustas. Superar o chamado “vale da morte” da inovação é essencial para que a ciência brasileira alcance todo o seu potencial e gere benefícios concretos à sociedade.
Texto por Profa. Dra. Vanessa Carregaro Pereira – Imunologista, Professora da FMRP-USP e pesquisadora do CRID
Uma descoberta científica, por mais promissora que seja, não se transforma automaticamente em uma solução acessível para a sociedade. Entre a produção de conhecimento e sua aplicação concreta, existe um território instável e arriscado, conhecido como “vale da morte” da inovação. Esse termo descreve o ponto crítico em que muitos projetos com alto potencial deixam de avançar por falta de financiamento, validação tecnológica ou conexão com o setor produtivo [1]. O resultado? Pesquisas brilhantes que jamais chegam ao mercado, ao sistema de saúde, ao campo ou à vida das pessoas.
O problema não está na qualidade da ciência, que no Brasil é majoritariamente pública, diversa e internacionalmente reconhecida. A barreira está na ausência de mecanismos eficazes para transformar conhecimento em inovação com impacto real. Estudos recentes mostram que menos de 10% das patentes depositadas por Universidades brasileiras resultam em transferência de tecnologia para o setor produtivo [2]. Superar esse obstáculo exige mais do que financiamento: exige articulação entre setores, políticas públicas estáveis, governança colaborativa e um ecossistema de inovação maduro, capaz de fazer dialogar os diferentes tempos e linguagens da academia e da indústria [3].
Enquanto o meio científico é movido por curiosidade, aprofundamento e rigor, o setor produtivo busca agilidade, resultados aplicáveis e viabilidade econômica. Entre esses dois mundos, é preciso criar pontes sustentáveis, capazes de traduzir descobertas em soluções, ideias em produtos, Ciência em tecnologia.
Esse processo, no entanto, ainda enfrenta resistências históricas. O sistema de avaliação acadêmico raramente valoriza a transferência de tecnologia [4]. Por outro lado, parte do setor industrial ainda enxerga a pesquisa científica como algo distante ou arriscado. É justamente nessa desconexão que o “vale da morte” se instala.
Superá-lo requer políticas de inovação robustas, instrumentos que compartilhem riscos, investimento em centros de pesquisa aplicada, valorização da ciência aberta, estímulo à propriedade intelectual e ao empreendedorismo científico. Exige também formar talentos híbridos, capazes de transitar com fluência entre os laboratórios e os desafios do mundo real [5].
A inovação de impacto nasce quando a Ciência deixa o papel e alcança a sociedade. Quando ideias deixam de ser promessas e se tornam soluções. Porque inovação, no fim das contas, não é só uma questão técnica, é uma decisão estratégica sobre o futuro que queremos construir.
A Ciência brasileira tem o que é preciso. O que falta é abrir caminho para que ela não pare no meio do percurso.
Nesse cenário, a EMBRAPII surge como um exemplo bem-sucedido de solução institucional. Atuando na interface entre academia e setor produtivo, a EMBRAPII viabiliza o desenvolvimento de projetos tecnológicos com agilidade, compartilhamento de risco e fomento direto, conectando demandas industriais reais com competências científicas distribuídas em todo o país. Ao acelerar a transformação do conhecimento em inovação, a EMBRAPII contribui diretamente para reduzir o “vale da morte” e fortalecer a soberania tecnológica brasileira.
[1] Auerswald, P. E., & Branscomb, L. M. (2003). Valleys of Death and Darwinian Seas: Financing the Invention to Innovation Transition in the United States. Journal of Technology Transfer, 28, 227–239.
[2] CGEE – Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. (2022). Transferência de Tecnologia nas Universidades Brasileiras. Brasília: CGEE.
[3] OECD. (2023). Bridging the Innovation Gap: Enabling Technology Transfer and Knowledge Flows. Paris: OECD Publishing.
[4] Mazzucato, M. (2018). The Entrepreneurial State: Debunking Public vs. Private Sector Myths. Penguin Books.
[5] Chesbrough, H. (2006). Open Innovation: The New Imperative for Creating and Profiting from Technology. Harvard Business Review Press.
 
				