No Dia Mundial de Combate à Dor, a dor neuropática ganha destaque como um dos maiores desafios da medicina. Pesquisas recentes revelam novos caminhos para tratar essa condição crônica que afeta milhões de pessoas e resiste aos tratamentos convencionais.
A dor neuropática é um tipo de dor crônica que surge a partir de uma lesão ou disfunção no próprio sistema nervoso, e não de um dano tecidual direto. Diferente da dor comum, que atua como um mecanismo de alerta e desaparece após a cicatrização, a dor neuropática persiste mesmo na ausência de estímulo nocivo, resultando em sintomas como queimação, formigamento, hipersensibilidade e dor ao toque leve. Estima-se que afete entre 7% e 10% da população mundial, sendo uma das condições mais debilitantes de dor crônica.
Pesquisas recentes conduzidas por grupos brasileiros e internacionais têm desvendado os mecanismos celulares e moleculares por trás dessa condição. Estudos mostraram o papel de macrófagos associados a neurônios sensoriais (sNAMs) na gênese da dor neuropática. Esses macrófagos, localizados junto às fibras e gânglios sensoriais, são ativados após uma lesão nervosa e passam a liberar citocinas inflamatórias (como TNF e IL-1β) e espécies reativas de oxigênio (ROS), que aumentam a excitabilidade dos neurônios e perpetuam a sensação de dor.
Essa ativação pode ocorrer por meio de receptores do sistema imune inato, como os Toll-like receptors (TLRs) e NOD-like receptors (NLRs), que reconhecem sinais de dano e infecção. Além disso, microRNAs e quimiocinas, como CCL2/CCR2 e CX3CL1/CX3CR1, participam do recrutamento e comunicação entre neurônios e macrófagos. Embora sejam agentes de inflamação, os sNAMs também podem exercer papel protetor: em determinadas condições, produzem mediadores antinociceptivos, como IL-10 e IL-27, que ajudam a limitar a dor e restaurar o equilíbrio neural.
Outros mecanismos moleculares também têm sido identificados. Pesquisadores demonstraram que o bloqueio dos receptores de bradicinina (B1 e B2) e do receptor tipo 2 de angiotensina II (AT2R) previne o desenvolvimento da dor aguda induzida por quimioterápicos como o paclitaxel, um dos agentes responsáveis por neuropatias periféricas em pacientes oncológicos. Esses achados indicam novos alvos terapêuticos para prevenir a síndrome de dor aguda associada à quimioterapia (P-APS).
Em nível central, estudos de transcriptômica de alta resolução mostraram que, em processos de desmielinização, microglias e astrócitos passam a expressar genes ligados ao estresse oxidativo, metabolismo lipídico e inflamação. Essa resposta glial, embora protetora em um primeiro momento, pode contribuir para a cronificação da dor quando desregulada.
Avanços recentes têm impulsionado a identificação de alvos terapêuticos inovadores para a dor neuropática, com alguns já em avaliação clínica. Em 2022, pesquisas demonstraram que agentes como mirogabalina, um ligante seletivo da subunidade α2δ1 dos canais de cálcio, têm eficácia em estudos de fase III para dor neuropática periférica, com perfil de segurança favorável. Além disso, estratégias que utilizam toxinas bacterianas modificadas, como o edema toxin (ET) derivado do Bacillus anthracis, mostraram capacidade de modular diretamente a atividade de neurônios sensoriais através do receptor ANTXR2, promovendo analgesia seletiva e duradoura em modelos murinos.
Compreender esses mecanismos é essencial para desenvolver terapias mais eficazes e específicas. A dor neuropática ilustra como o sistema nervoso e o sistema imunológico estão profundamente interligados e como a ciência translacional pode transformar esse conhecimento em novas estratégias de alívio da dor.
Tais abordagens representam um novo paradigma terapêutico, voltado não apenas para o alívio sintomático, mas para a interrupção dos circuitos neuroimunes que sustentam a dor crônica. Ao invés de fármacos de amplo espectro, essas terapias de precisão buscam interferir diretamente em vias moleculares específicas, como canais iônicos, sinalização por cAMP, ou vias microgliais, oferecendo maior eficácia, redução de efeitos adversos e, potencialmente, prevenção da cronificação da dor.
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