Presidência Chinesa do BRICS: Retomando o plano de uma futura expansão do agrupamento

Por Priscila Matulaitis Cottarelli.

Tendo como lema “Promover uma Parceria BRICS de Alta Qualidade; Inaugurar uma Nova Era para o Desenvolvimento Global”, o ano de 2022 marca a presidência chinesa do BRICS. O país é reconhecido internacionalmente por suas grandes ambições econômicas e políticas que ultrapassam as fronteiras de diferentes países, sendo o exemplo mais ilustre a Nova Rota da Seda. As ambições da China para o BRICS são igualmente audaciosas: tornar o agrupamento um dos principais fóruns de países emergentes para contrabalancear as pretensões das nações desenvolvidas.
Nesse contexto, na Reunião de Chanceleres do BRICS em 19 de maio de 2022 (formato virtual), a China retomou a ideia de expansão do BRICS. Não é uma iniciativa recente, pois em 2017 o país já havia apresentado proposta semelhante, a qual ficou conhecida como “Brics plus”. Naquela ocasião, o plano já era, segundo as palavras do Ministro de Relações Exteriores da China, Wang Yi, transformar o BRICS “na plataforma mais influente para a cooperação Sul-Sul no mundo” [1]. Possíveis candidatos incluíam México, Paquistão e Sri Lanka. Não tendo sido aceita pela Índia, a ideia acabou sendo posta em segundo plano.
A conjuntura global atual muito se modificou nos últimos cinco anos, permitindo a retomada do plano de expansão do agrupamento. Inclusive, a Declaração conjunta do BRICS sobre o tema “Fortalecer a Solidariedade e a Cooperação do BRICS; Responder às novas Características e Desafios da Situação Internacional” traz explicitamente a intenção de todos os membros do BRICS de discutirem a futura expansão da plataforma. In verbis, o ponto 24 da Declaração anuncia: “Os Ministros apoiaram a realização de discussões entre os membros do BRICS sobre o processo de expansão do BRICS. Ressaltaram a necessidade de esclarecer os princípios norteadores, as normas, os padrões, os critérios e os procedimentos para esse processo de expansão” [2].
Esse avanço nas discussões só foi possível em razão das mudanças estruturais do balanço de poder internacional. Primeiramente, há o caso da Rússia. Com a recente invasão da Ucrânia e, consequentemente, o isolamento do país decorrente das dezenas de sanções impostas, primordialmente, por Estados ocidentais, o BRICS ganhou maior peso para Moscou. Ressalta-se que nenhum membro do agrupamento condenou abertamente a investida militar russa até o presente momento [3], tendo preferido uma linguagem diplomática que ressalta a necessidade de diálogo entre todas as partes envolvidas no conflito que privilegie a cooperação e a promoção da paz.
Ademais, apesar de ter sido excluída ou suspensa de diversos órgãos internacionais e fóruns de debate, não foi o caso do BRICS. A Rússia não apenas permanece como membro ativo, como o agrupamento realizou diferentes eventos com a presença de nacionais russos. O BRICS prima por ser um espaço de diálogo e não percebe a atuação russa na Ucrânia como impedimento da continuidade de suas atividades. Não é possível prever quando a Guerra na Ucrânia findará, portanto o BRICS torna-se ainda mais relevante para a Rússia, por ser um grupo de países que preferem resguardar a neutralidade do que se alinhar às sanções ocidentais. Logo, expandir o BRICS auxiliaria a aumentar o número de nações que estariam dispostas a manter uma política neutra em relação à atuação do governo russo.
A expansão do agrupamento também seria positiva para o Brasil. O atual governo viu-se sem grandes aliados internacionais após a saída de Donald Trump da presidência dos Estados Unidos e de Benjamin Netanyahu do governo de Israel. Buscando novos parceiros com ideologias similares, o presidente Bolsonaro aproximou-se de Vladimir Putin. Com o início da invasão russa e a demora de um posicionamento assertivo do presidente brasileiro sobre a situação, o BRICS pôde ser usado como uma escusa para a manutenção de uma posição neutra, tanto no âmbito interno quanto internacional. Assim, após ter sido negligenciado durante quase todo o mandato do atual chefe do Executivo do Brasil, o BRICS ganha centralidade.
Independentemente do resultado das eleições presidenciais do Brasil (marcadas para 2 de outubro de 2022), a expansão do agrupamento é benéfica para programas de governo de todos os espectros políticos. No caso da reeleição do atual presidente, aumentar a plataforma do BRICS é aumentar sua base de apoio internacional. Por outro lado, caso um candidato mais a esquerda vença o pleito, ter mais membros no BRICS significa empoderamento das nações em desenvolvimento e maior força para reivindicar reformas nos organismos internacionais.
Conferir maior poder político ao BRICS também favorecerá a Índia. Em 2017, os representantes indianos opuseram-se à expansão do agrupamento principalmente por conta de uma possível inclusão do Paquistão. Atualmente, há maior polarização de seu entorno estratégico, especialmente por conta do acirramento das relações entre a China e os Estados Unidos, ou mesmo a escalada de tensões nas fronteiras da Índia com a China. Novos acordos e alianças foram forjados no Indo-Pacífico – como o AUKUS (Austrália, Reino Unido e Estados Unidos) em 2021 e o Acordo Militar entre a China e as Ilhas Salomão de 2022 –, sendo que a Índia não pode permanecer passiva diante destas mudanças. Uma possível expansão do BRICS poderia acarretar em uma diluição relativa do atual poder chinês no grupo, beneficiando a Índia.
Por fim, a África do Sul teria grandes vantagens, entre elas um maior acesso a diferentes mercados consumidores e aumento do poder de barganha em fóruns multilaterais. Importante lembrar que a própria África do Sul foi primeiramente convidada pela China para integrar o então BRIC, o que se concretizou em 2010 e acarretou na mudança do acrônimo para BRICS. O país é exemplo concreto de como o agrupamento tornou-se mais plural e legítimo quando integrou uma nação africana. A expansão, portanto, traria ganhos para todos os atuais membros do agrupamento.
Dizer que a expansão do BRICS traz apenas proveitos para seus membros, todavia, seria imprudência. Um aumento desenfreado e sem padrões pode levar à uma maior ineficiência e desentendimentos. Incluir Estados com histórico de rivalidade com algum país parte do BRICS poderia causar desconfortos e paralisia de programas de cooperação e concertação em múltiplas áreas. Deve-se ter cautela para que o BRICS não se torne uma futura UNASUL, que por conta de querelas ideológicas, foi abandonada por vários Estados latino-americanos e perdeu completamente seu propósito original. Para que o BRICS se torne a plataforma mais importante de cooperação do Sul global é necessária muita paciência e ponderação para selecionar os membros mais oportunos para o crescimento do agrupamento.
Tendo isso em mente, pode-se auferir da reunião de Chanceleres de maio de 2022 que já existem candidatos pré-selecionados, pois uma dezena de países foi convidada para integrar a segunda parte da mencionada reunião. São eles: Arábia Saudita, Argentina, Cazaquistão, Egito, Emirados Árabes Unidos, Indonésia, Nigéria, Senegal e Tailândia [4]. Mesmo assim, não é possível prever com exatidão quais serão os Estados formalmente invitados para integrarem o fórum, pois o convite para participar de reuniões do BRICS não é algo incomum. Há, no entanto, grande interesse por parte da Argentina, cujo presidente Alberto Fernández fez apelo para sua inclusão no agrupamento tanto para o presidente russo quanto para autoridades chinesas.

[1] MENEZES DE CARVALHO, E. “BRICS Plus e o futuro da ‘agenda Brics’”. China hoje, 13 de outubro de 2017. Disponível em: < http://www.chinahoje.net/brics-plus-e-o-futuro-da-agenda-brics/>. Acesso em: 31 de maio de 2022.
[2] Ministério das Relações Exteriores. “Nota à Imprensa nº 76: Declaração Conjunta do BRICS sobre o tema: ‘Fortalecer a Solidariedade e a Cooperação do BRICS; Responder às novas Características e Desafios da Situação Internacional’”. Gov.br, 23 de maio de 2022. Disponível em: < https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/declaracao-conjunta-do-brics-sobre-o-tema-201cfortalecer-a-solidariedade-e-a-cooperacao-do-brics-responder-as-novas-caracteristicas-e-desafios-da-situacao-internacional201d>. Acesso em: 01 de junho de 2022.
[3] Artigo de opinião escrito em 03 de junho de 2022.
[4] Ministério das Relações Exteriores. “Nota à Imprensa nº 75: Reunião de Chanceleres do BRICS”. Gov.br, 19 de maio de 2022. Disponível em: . Acesso em: 01 de junho de 2022.