Quais são as tendências da política de investimentos dos BRICS diante da pandemia da Covid-19?

QUAIS SÃO AS TENDÊNCIAS DA POLÍTICA DE INVESTIMENTOS DOS BRICS DIANTE DA PANDEMIA DA COVID-19?

Bruce Roberto Scheidl Campos
Emílio Mendonça Dias da Silva

As legislações que regulam os Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) são instrumentos importantes para promover ou restringir oportunidades de investimentos externos. O estudo dessa legislação e dos fluxos de IED é fundamental para indicar caminhos de cooperação e incremento dos investimentos intra-BRICS, em um cenário de queda dos investimentos no mundo. Só em 2019, o fluxo global de IED foi 13% menor que o ano anterior, girando em torno US$ 1,3 trilhão, segundo a UNCTAD. Esse foi o terceiro ano consecutivo de queda.
No âmbito do BRICS, embora o fluxo de comércio intra-grupo tenha aumentado na última década, o investimento estrangeiro entre eles permaneceu baixo. Antes do início da pandemia esses países manifestavam com frequência a intenção de aumentar o investimento estrangeiro e ainda conservam essa retórica. Mas, no cenário de pandemia de COVID-19, o que circula nos jornais é a adoção de medidas cada vez mais protecionistas.
Historicamente, as políticas de incentivo ao IED nos países que compõem o BRICS guardam o contexto da década de 1990 como ponto comum, na qual enfrentaram também o dilema entre os benefícios dos investimentos estrangeiros e a necessidade de promoção do mercado interno para reduzir a dependência econômica.
No caso do Brasil, houve, na década em questão, alterações na Constituição Federal para extrair conteúdo discriminatório que atestava a possibilidade de o Estado dar tratamento favorável a empresas nacionais. No mesmo ritmo, o país assinou uma série de tratados bilaterais (os chamados Bilateral Investments Treaties – BITs). No entanto, dado o confronto com a necessidade de proteção de temas sensíveis ao desenvolvimento econômico nacional, ditos tratados jamais vieram a ser ratificados.
Já na Rússia, com a extinção da União Soviética, houve gradativa admissão aos investimentos estrangeiros, sobretudo nos setores de infraestrutura e energia, de modo que suas primeiras legislações ainda eram consideradas hostis aos interesses estrangeiros, ao passo que a lei de 1999 é considerada estável em relação aos investimentos produtivos, sem contemplar o investimento em carteira. Os BITs já existiam ao tempo da URSS, embora seja possível que um cenário de forte valorização dos investimentos por meio da conclusão de tratados tenha ocorrido no transcurso da década de 1990.
Anteriormente a este contexto, a Índia possuía forte aspecto protecionista. A participação de estrangeiros em empresas domésticas era limitada a um certo percentual e dependiam da aprovação do Banco de Reservas da Índia. O contexto da década de 1990 fez o país alterar significativamente sua política destinada aos investimentos, promovendo alterações na legislação interna e recorrendo aos numerosos BITs. A esta política de conclusão de tratados reputa-se o sucesso que o país logrou do ângulo econômico – ainda que sua pertinência permaneça controvertida.
A África do Sul concluiu, após o fim do apartheid, uma série de BITs com países europeus durante a década de 1990. Essa primeira geração de BITs foi considerada como tendo disposições draconianas, contrárias inclusive à Constituição do país, como é o caso dos padrões de indenização em caso de desapropriação. Por isso, a primeira geração foi inteiramente denunciada e o país passou a reger a questão exclusivamente por legislação doméstica. Foi assim que sua legislação atual, a Protection Investments Act, foi promulgada no ano de 2015.
Na China, relativa abertura ocorreu anteriormente, com as reformas econômicas do final da década de 1960 e da década de 1970. Houve a aprovação da Lei de Empresas Estrangeiras (1968) visando dar tratamento e segurança ao tema, embora a legislação tenha mantido sua essência protecionista. No que diz respeito aos tratados bilaterais, a China concluiu o primeiro BIT em 1982 e de lá em diante esses tratados passaram a ser elementares em sua política externa para investimentos. Interessantemente, o país é muito favorável à celebração desses tratados, caracterizados como “sul-sul”, o que mostra horizontalidade em sua orientação estratégica para investimentos, a despeito de seu poderio econômico.
No momento que antecede a pandemia, vale destacar a houve a promulgação da Lei de Investimento Estrangeiro na China, a qual entrou em vigor em 1º de janeiro de 2020, inaugurando um novo regime de regulação dos investimentos estrangeiros no país. A nova lei, que pôs fim à legislação que vigorou nos últimos 40 anos, é definida como uma política de liberalização e facilitação do investimento na China. A mudança da legislação vinha sendo discutida desde 2015, mas a guerra comercial sino-estadunidense, a partir de 2018, e as políticas de restrição ao investimento do presidente Donald Trump impulsionaram a elaboração da nova lei, aprovada em 15 de março de 2019.
Porém, o cenário em 2020 deve mudar radicalmente as tendências dos fluxos de IED, principalmente para os emergentes. Os indicadores econômicos e financeiros globais mostram o início de um cenário turbulento e imprevisível de recessão econômica e retração do comércio e dos investimentos. De acordo com o The Economist, já se verifica queda nos investimentos globais de longo prazo e as empresas multinacionais devem reduzir seus investimentos externos em um terço neste ano. Enquanto alguns países têm restringido suas regras de investimento estrangeiro, outros tributam empresas e investidores na tentativa de financiar novas dívidas. Para 2020, a UNCTAD prevê uma redução entre 30 e 40% nos fluxos de investimento e no comércio mundial a OMC projeta queda de até um terço.
A tendência histórica e o contexto internacional atual mostram, portanto, que a parca interação entre os países do BRICS em matéria regulatória de investimentos estrangeiros não vislumbra grandes mudanças no curto prazo. Na verdade, o recente caso da Índia mostra o contrário. O governo indiano decretou medidas restritivas ao investimento estrangeiro dos seus países vizinhos, para evitar “aquisições oportunistas” de empresas indianas enfraquecidas pela pandemia, segundo o Ministério do Comércio. A Nota à Imprensa nº 3 de 2020 informa que os investimentos estrangeiros dos países vizinhos estarão sujeitos à aprovação do Governo indiano. A medida é considerada uma clara restrição à China, que as considerou “discriminatórias”.
De fato, a China é uma das principais fontes de IED no mundo e 74% desses investimentos vão para os países asiáticos. Apesar disso, o investimento chinês na Índia ainda é pouco significativo, representando apenas 0,52% de toda a entrada de capital no país. O fator de preocupação está no aumento dessa fatia nos últimos anos, impulsionada pela compra da participação em startups de tecnologia e empresas farmacêuticas indianas, cruciais em momentos de pandemia. Assim, as restrições procuram assegurar a independência no fornecimento de bens essenciais e estratégicos para o enfrentando da pandemia, como Equipamentos de Proteção Individual – EPIs, equipamentos hospitalares e medicamentos.
Portanto, ainda estão por serem escritas as linhas relativas à política de investimento, e seu direito correspondente, durante e posteriormente à pandemia, as ações e os efeitos ao agrupamento BRICS, embora algumas sinalizações sugiram que haverá setores nos quais os países apresentarão resistência aos investimentos estrangeiros. Assim, a pandemia da COVID inaugura novo capítulo de dificuldades aos fluxos de investimentos no grupo reconhecido como correspondente às economias emergentes.