Entre a IA e a obra: o papel das novas tecnologias para o desenvolvimento da engenharia de túneis
Ferramentas da indústria 4.0 corroboram etapas da construção e monitoramento de estruturas subterrâneas

- 14/04/2025
- 15:05
No 6º Congresso Brasileiro de Túneis (CBT), que reuniu grandes nomes do setor no início de março, a inovação tecnológica foi tema central de diversos trabalhos. Dentre os artigos publicados pelos pesquisadores do GeoInfraUSP, um investiga a atuação de técnicas de aprendizado de máquina para previsão de convergências em túneis ferroviários e outro descreve a digitalização de redes de fraturas discretas. Já o último deles trata propriamente dos avanços da transformação digital na gestão de túneis. O Projeto Tunnel 4.0 desenvolvido pelo Laboratório GeoInfraUSP é financiado pela Cátedra Under Rail da Vale, coordenado pelo Prof. Marcos Massao Futai. O objetivo é estudar os avanços tecnológicos da era 4.0 para melhoria da inspeção, manutenção, monitoramento e análise de túneis em operação.
Indústria 4.0 é o termo utilizado para se referir às mudanças propiciadas pela chamada “4ª revolução industrial”, em que a digitalização é integrada aos processos industriais. Processos da engenharia outrora operados apenas manualmente podem ser automatizados e aprimorados com o auxílio da tecnologia. Para tanto, são empregados recursos como a Inteligência Artificial (IA), o aprendizado de máquina e a Internet das Coisas (IoT, do inglês Internet of Things), adaptados para funcionar em diferentes etapas construtivas.
Na engenharia de túneis, essa tecnologia promete revolucionar processos como o monitoramento de patologias ou a gestão de risco nas obras.
Atrasos tecnológicos
Apesar dos benefícios e praticidades propiciadas pela transformação digital, relata-se a sub adoção dessas tecnologias no setor de túneis. Para Lucas Bellini Machado, que atua com a análise numérica estrutural de fundações, “a engenharia civil tem um jeito de trabalhar que é muito pretérito”, em comparação a outras áreas, como a mecânica.
Sobre isso, Dianelys da Vega Ruiz, pesquisadora que aplica IA no monitoramento de integridade estrutural de túneis, comenta: “A indústria automotiva faz automóveis, a indústria aeroespacial tem aviões. Mas na engenharia civil você tem ponte, tem túnel, tem prédio. Cada obra tem uma característica diferente. Isso acaba atrasando a adoção de tecnologias que geralmente são desenvolvidas para fazer uma coisa, precisa de uma que seja adaptável para várias situações diferentes”. Ela acrescenta que a falta de integração com outras engenharias poderia ser, também, uma das causas para esse atraso na aplicação de tecnologias na área civil.
Bernardo Lopes Poncetti, doutorando que trabalha com a inspeção de túneis usando métodos não destrutivos e a criação de soluções de monitoramento IoT de baixo custo, acrescenta: “Acho que essa falta de interação tecnológica começa já dentro da própria academia. Eu penso, então, que um caminho que poderiam começar a trilhar, já que já existe a indústria 4.0, é tentar começar a trazer essa tecnologia para quem está aprendendo essa profissão”.
Problemas da cidade grande
Com as cidades cada vez maiores e mais populosas, os túneis se apresentam como uma solução inteligente para a correção de problemas metropolitanos corriqueiros. Mas, além disso, soluções tecnológicas também são aliadas na prevenção de danos e na construção de estruturas mais eficientes.
Leandro de Assis pesquisa o uso de ferramentas digitais para a engenharia de túneis e ressalta o papel delas para correção e prevenção de maiores problemas, como a superlotação de vias de trânsito ou o desalojamento de populações afetadas por deslizamentos.
Ele aponta para a importância dos túneis em cidades grandes como forma de garantir mais infraestrutura sem competir por espaço superficial, que pode ser usado para mais moradias. Além disso, a adoção de uma vasta malha metroviária, rica em túneis, é vista como uma alternativa a problemas de mobilidade urbana característicos de grandes cidades. Na cidade de São Paulo, a rede de transporte sobre trilhos gerida pelo metrô e CPTM é responsável pelo deslocamento de milhões de cidadãos todos os dias e faz uso de muitos túneis para viabilizar o transporte subterrâneo.

[Foto: Reprodução/Wilfredor/Wikimedia Commons]
Afora o transporte, Leandro também ressalta outro uso interessante dessas estruturas: “aqui em São Paulo há furtos diários de cabos da rede elétrica, da rede de comunicação e etc. Se o município passa a ter esse cabeamento todo estruturado em galerias de túneis, ele fica mais protegido e reduz esses ataques e prejuízos à administração pública”.
Leandro comenta as revoluções industriais que transformaram o modo de produção desde o século XVIII. A primeira delas envolveu a troca da mão de obra baseada na força humana ou animal para as máquinas de combustão. Depois dela algumas outras ocorreram até chegar ao estágio atual de tecnologia laboral. “Naquele momento não existia isso, então hoje a gente tem outra revolução, mas com essa visão da sustentabilidade, com foco nas pessoas.”
“A gente pode pensar também não apenas na questão da resiliência, ou seja, resistir às questões dos impactos, mas ter construções também cada vez que impactam menos o meio ambiente”, acrescenta Leandro, refletindo sobre os efeitos da extração de recursos naturais para a construção civil.