Princípios de direitos humanos ainda encontram dificuldades de aplicação nas empresas

Princípios de direitos humanos ainda encontram dificuldades de aplicação nas empresas

Em 2011, a ONU estabeleceu os Princípios Orientadores sobre Direitos Humanos e Empresas. Mas, dez anos após sua criação, ainda há dificuldades em sua implementação pelas corporações. No segundo episódio da série especial sobre o tema produzida pelo USP Analisa, o professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP Eduardo Saad Diniz, as doutorandas da FDRP Victoria Vitti Laurentiz e Sofia Bertolini Martinelli, também respectivamente diretora do USP Business and Human Rights Working Group e coordenadora do USP Food Law, e o diretor da Colaboração Angola-Brasil para a Transformação da Criminologia e Direitos Humanos, João Victor Palermo vão falar desses princípios sob a ótica das empresas estatais, do trabalho escravo, da indústria alimentícia e de empresas envolvidas em tragédias socioambientais.

Empresas estatais, assim como as do setor privado, também deveriam aplicar os princípios e existem inclusive indicadores para mensurar essa aplicação. Porém, segundo Victória, nem sempre esses indicadores são ferramentas técnicas e politicamente neutras. “Existe um aprimoramento considerável a ser feito, com a finalidade de fortalecer o monitoramento dos custos de cada empresa. Agora, nós precisamos acompanhar esses indicadores, especialmente este ano, porque nós temos, dentro da agenda do cronograma do governo brasileiro, uma expectativa de desestatizações, citando aí especificamente a venda de ativos importantes, como a Eletrobrás e os Correios”, lembra ela.

O agravamento da crise sanitária e a redução de investimentos na fiscalização trouxeram um cenário propício para a exploração do trabalhador, incluindo casos de trabalho em condições análogas à de escravidão. “Dentro desse contexto da pandemia, nós observamos também um grande desmonte e inúmeras iniciativas de desarticulação das operações dos auditores fiscais do trabalho. Ainda assim, as parcerias com a Polícia Federal tornaram possíveis diversas operações de resgate de pessoas escravizadas. Então a gente pode perceber o quanto aumentou o número de pessoas sendo precarizadas no seu trabalho e também o aumento do número de vítimas da escravidão moderna”, diz João Victor. 

Diferente do trabalho escravo, que possui um reconhecimento internacional de repúdio, o direito à alimentação ainda encontra resistência em sua aplicação, mesmo estando contemplado na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Sofia explica que, no Brasil, a Lei de Segurança Alimentar e Nutricional coloca o direito à alimentação muito além da ausência de fome, vinculando-o à qualidade nutricional e à adequação cultural e social. 

“Não é comum termos notícias de pessoas que pleiteiam judicialmente a garantia do direito à alimentação ou reclamam que seu direito alimentar foi violado, nem mesmo aqui no Brasil, onde nós somos, de uma certa forma, uma exceção em relação a esse tema, porque nós constitucionalizamos expressamente o direito à alimentação. Além disso, implementamos uma legislação infraconstitucional que concretiza muito bem, do ponto de vista jurídico, essas diferentes dimensões do direito à alimentação. Mas nós seguimos ainda com uma certa dificuldade em garantir esse direito, a despeito do arcabouço jurídico em tese preparado para isso”, diz ela.

Já em relação às tragédias socioambientais, como as ocorridas em Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais, Eduardo destaca que, apesar das certificações de atuação sustentável das empresas, não existe proteção de fato. “Além disso, todo o processo de remediar é bastante comprometido pelas vias judiciais, o próprio judiciário tem sido utilizado para neutralizar o conflito. Não existe uma delimitação própria do dano, o dano tem múltiplos processos de vitimização. Se eu não delimitei o dano, eu vou reparar o quê? Se eu não delimitei o dano, que tipo de imaginação restaurativa eu vou desenvolver?”, questiona ele.

O segundo episódio da série vai ao ar nesta quarta (11), a partir das 18h05, com reapresentação no domingo (15), às 11h30. O programa também pode ser ouvido pelas plataformas de áudio iTunes e Spotify

O USP Analisa é uma produção conjunta do Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto (IEA-RP) da USP e da Rádio USP Ribeirão Preto. Para saber mais novidades sobre o programa e outras atividades do IEA-RP, inscreva-se em nosso canal no Telegram.

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