Eu sinto muito Ministério Etrom

Texto: Talita de Paula

Vestindo uma camisa jeans de manga longa e botões, por baixo de uma jardineira também jeans, geralmente carregando uma mochila e uma sacola. Ela inicia a maioria de seus vídeos falando “bom dia, Brasil, bom dia mundo” ou ¨boa tarde¨ se estiver gravando a tarde. Anuncia o dia, mês, ano, dia da semana e onde está . Em seguida, o conteúdo dos vídeos vai ficando confuso. Ela mescla o nome de famosos, trechos bíblicos, fala sobre um inimigo chamado Saymon e grava pessoas que acredita que a estão perseguindo. Tudo vira uma grande confusão.

Trata-se da menina do ministério Etrom. É como é chamada Lusimar Agostinho da Silva. Ela publica esses vídeos em suas redes sociais e ficou bastante conhecida no Tik Tok. Em muitos vídeos ela aparece em diversos pontos de Brasília , mas está sempre viajando, indo para qualquer lugar do Brasil. 

Seus vídeos viralizam bastante, mas algo que percebi é que os vídeos que mais recebem visualização é quando alguém a encontra e começa a filmá-la sem autorização, conversando com ela através de seus bordões, rindo do que ela costuma dizer e a deixando irritada por ser motivo de chacota. É claro que nos vídeos de Lusimar, ela também filma pessoas sem autorização, os acusa de maneira desconexa, obviamente também não é a melhor coisa do mundo.

 A questão é que Lusimar apresenta muitos sinais de esquizofrenia. Mora nas ruas há quase 15 anos e ao que tudo indica ela não trata desse transtorno. É de se esperar que alguém nessa situação, que não tem nenhum familiar próximo, nenhum apoio médico acabe ficando dessa forma. Muitas das pessoas que filmam Lusimar são adolescentes e certo, tudo bem, não se dá para esperar tanta maturidade sobre esse tipo de questão de adolescentes. Agora adultos fazendo a mesma coisa, sem o mínimo de responsabilidade, sem empatia alguma por alguém que muito claramente não está no mesmo nível de sanidade que eles significa que falhamos como sociedade. Se adultos não sabem se comportar perto de alguém diferente, como esperar esse tipo de maturidade de adolescentes? Aliás, a questão toda de Lusimar significa que falhamos como sociedade. 

Não existe nenhuma empatia com transtornos mentais mais graves. A esquizofrenia parece um tabu que nem as pessoas mais progressistas e mente abertas estão dispostas a quebrar. Às vezes parece que a empatia com alguém tido erroneamente como “maluco”, “doídos” só existe por parte de alguém que vivencia esse tipo de situação em alguém próximo ou do convívio. A empatia das pessoas só existe quando elas querem que exista e normalmente só existe quando elas se identificam com aquilo. O que acontece com transtornos parecidos com a esquizofrenia é puramente preconceito. Alguns vão dizer que entendem, mas jamais se aproximariam de alguém com essa condição, outros vão dizer que se trata de perturbação espiritual e que a cura é Deus. Imagine como deve ser difícil procurar um emprego tendo essa condição. Que recepção essa pessoa teria mesmo se provasse que está se cuidando? 

É claro que não é a situação mais simples lidar com alguém sem tratamento. Não é fácil ouvir um familiar seu ter alguma alucinação tátil ou se sentir falsamente perseguido por alguém . Por isso é necessário combater a desinformação e o desrespeito . Às vezes só a empatia não é suficiente. É preciso mecanismos que assegurem o bem estar dessas pessoas e sua inclusão social.  Nesse sentido,o governo federal sancionou neste ano, 2024 a lei 14.860 que estipula o dia 24 de maio como dia da conscientização sobre a esquizofrenia. 

Os internautas descobriram um blog eque Lusimar escreveu durante muitos anos. Ela escreveu sobre sua saúde mental e como começou a não se reconhecer mais . Lusimar é formada em administração e fez até pós graduação. Em um texto chamado “tenho saudade de ter uma vida normal” ela chama o que tem acontecido com ela como coisa maligna , declara que perdeu tudo, mas que ainda quer viver e construir uma família mesmo que no momento tudo fosse estressante e repetitivo. Ela comenta como ver amigos estava sendo bom para ela lidar com aquilo tudo.

Não sei de que forma esse dia 24 de maio pode ajudá-la agora. Não consegui encontrar nenhuma informação que provasse que Lusimar não está sozinha no mundo ou que ela realmente recusou qualquer tentativa de ajuda e tratamento. Ninguém parece saber sobre isso. Acho que nesse sentido tomar conhecimento da história de vida dela, de tudo que ela passou e teve de abdicar, talvez, possa fazer com que as pessoas entendam de uma vez por todas que saúde mental importa e que ainda há muito o que ser feito nesse campo. A sociedade falhou, mas não precisa repetir essas falhas para sempre.