A Roda

Texto: Luiz Dias

Era uma noite como outra qualquer nas ruas de São Paulo, andando e pensando em um conceito que insistia em retornar à minha mente. Memórias coletivas: uma força capaz de unir pessoas por meio de experiências intensas, um laço que, paradoxalmente, também pode curar traumas. Fui apresentado a ele pela produtora Marta Nehring em uma coletiva de imprensa. Desde então ele não sai da minha cabeça, frequentemente me conduzindo de volta ao passado.

Com passos hesitantes, adentrei o recinto. Uma sala simples de paredes brancas com a tinta descascando revelando pinturas anteriores. No centro dela, cadeiras de plástico baratas dispostas se concentravam em roda, com algumas sobressalentes amontoadas em um canto. Fui até uma mesa na lateral para pegar algumas bolachas e um copo de café antes de me sentar. Um pouco de doçura necessária para aguentar o clima amargo que pairava no início das sessões.

A maioria das cadeiras da roda estavam ocupadas, seus ocupantes carregavam no olhar iguais doses de dor e cautela. Um ano se passou desde o evento que marcou suas vidas, uma época de guerra onde a morte usava os ventos como montaria e os civis lutavam com pedaços de pano e álcool em gel. Porém, mesmo depois desse tempo, ela ainda se fazia presente em cada alma do recinto.

Cada pessoa naquela sala era um veterano, com suas próprias cicatrizes e transtornos pós-traumáticos diferentes. Todos ligados por um laço inevitável e inglório. Afinal, eram todos sobreviventes de uma era onde as casas se tornaram prisões e o mundo se converteu em um grande complexo penitenciário para proteger seus prisioneiros dos perigos de fora.

A tensão era palpável e as palavras saíam com dificuldade nos primeiros minutos. No entanto, conforme os relatos iniciais fluíam, quebrando a inércia, os demais se sentiam mais à vontade para compartilhar suas histórias. Uma das primeiras a falar foi uma senhora de 70 anos, viúva durante a pandemia. A maior tristeza fora não conseguir se despedir de seu companheiro de uma vida, encontrando apenas a frieza do carvalho de um caixão lacrado em seu enterro, sem um último beijo de adeus.

Depois dela, uma mulher de meia idade tomou a palavra. Uma guerreira que, de avental e luvas de látex, lutou na linha de frente. Assombrada, ela tinha dificuldades para dormir, tomada das lembranças dos rostos daquelas que ela não conseguiu salvar, tanto quanto cada vez que ela era obrigada a anunciar seu fracasso — em uma recepção frígida de hospital — para uma família recém-despedaçada.

Ali, até os mais jovens eram gigantes. Por exemplo, um garoto com pouco mais de 18 anos, que menor de idade fora obrigado a se tornar homem, quando a doença levou seu pai, sendo obrigado a tomar as rédeas de sua família. Olhando para seu rosto jovem com barba rala, você o confundiria com um jovem qualquer, mas seus olhos o denunciavam, carregavam a frieza de uma alma endurecida pela vida.

A sessão não durou mais de duas horas, mas para quem estava lá, ela passou como um sopro. Durante aquele período a sala deixava de ser ordinária, se tornava um santuário para nossas almas quebradas, um templo onde podíamos descarregar o fardo do nosso martírio. Uma experiência que sou incapaz de não relacionar com a de Nehring e seus entrevistados no documentário 15 Filhos .