Copa do Mundo no Catar levanta debate
sobre manipulação da imagem local
por meio do esporte
Jornalista da Folha de S. Paulo compartilha suas percepções ao visitar o país que
sediou a Copa do Mundo em 2022 e levanta discussão sobre “sportwashing”
Texto: Ana Santos, Breno Marino , Isadora Batista e Lara Cáfaro
O termo sportswashing (lavagem esportiva, em tradução livre), faz alusão ao método utilizado por alguns países, pessoas e instituições para melhorar a sua imagem através do esporte. Tal mecanismo foi um dos fatores para a sediação da Copa do Mundo de 2022 no Qatar.
Rodeada de controvérsias na questão dos direitos humanos, o país do Oriente Médio recebeu questionamentos sobre a sediação de uma das competições mais importantes do mundo esportivo. Atraindo olhares de todo mundo e diversos visitantes, o governo qatari buscou mudar as percepções sobre seu próprio país e afastar o foco dos aspectos negativos locais.
A medida não se limitou apenas ao meio esportivo, às relações políticas, econômicas e acordos diplomáticos com outras nações também foram afetadas. Vitória Damasceno, editora da Folha de S. Paulo, viajou ao Qatar para cobrir a Copa do Mundo. Em entrevista ao Portal JorGe, ela comentou que, ao chegar no país, encontrou uma realidade totalmente diferente do que esperava, o que comprova o parcial êxito da nação na quebra de preconceitos.
O sportswashing tem se tornado uma medida cada vez mais comum na atualidade. Uma das principais economias do mundo, a Arábia Saudita frequentemente utiliza tal meio . Com investimentos do próprio fundo monetário árabe, clubes sauditas têm contratado grandes jogadores do futebol para a sua liga local. Atletas como Neymar, Benzema e Cristiano Ronaldo atraem a atenção dos fãs esportivos, que passam a assistir e acompanhar a competição saudita. Longe de cativar apenas telespectadores, o engajamento, patrocínios e novos negócios movimentam o país, ampliando sua influência ao sediar em 2034 a Copa do Mundo.
O olhar jornalístico
Além de cobrir a Copa do Mundo, Vitória viajou ao Qatar para escrever uma matéria sobre as reformas trabalhistas no local. “Eu fui porque era um país histórico em relação a violações dos direitos humanos e eu sou uma jornalista que escreve prioritariamente sobre isso”, comentou.
Ao se aventurar pela primeira vez no país, Vitória compartilha que estava preocupada com a questão das roupas, de modo que fez sua mala de acordo com a cultura local. “No final, não teve nenhum problema com a vestimenta”, diz ao lembrar que era comum pessoas usarem roupas com áreas do corpo expostas.
Ela ainda confessa que teve uma quebra de expectativas do que encontraria no Qatar para escrever. “Eu achei que ia ter um lead muito mais forte de mulheres que se sentem inseguras. Mas elas não tiveram nenhum problema com isso”.

Na Folha desde 2021, foi repórter de Cotidiano e enviada especial ao Qatar para a cobertura da Copa do Mundo de 2022. - Foto: Arquivo pessoal/Lara Cáfaro
O Qatar
Localizado no Sudeste Asiático, o Qatar, ou Catar é considerado um dos países mais ricos do mundo e tem uma população que passa de 3 milhões de habitantes, majoritariamente estrangeiros. Sua riqueza surgiu a partir da exploração de petróleo e gás natural, as principais exportações do país são provenientes de seus recursos naturais.
O Qatar é conhecido, também, por ter um clima com altas temperaturas. Em uma região com dunas de areia e vegetação limitada, suas maiores temperaturas são marcadas no mês de julho, em meio ao seu período de verão. Por este motivo, no ano em que sediou a Copa do Mundo, a FIFA mudou a data do torneio, normalmente realizado nos meses de junho e julho, para os meses de novembro e dezembro, período em que as temperaturas do país estão amenas.
Historicamente, a seleção do Qatar não possui tradição no futebol e nenhum jogador com relevância internacional. Em meio a denúncias e acusações, o país árabe realizou grande investimento em infraestrutura, principalmente nas construções de estádios.
A Copa e o preconceito
Em 2022, o Catar foi o primeiro país muçulmano a sediar a Copa do Mundo, o que foi um grande desafio para os organizadores, que precisaram equilibrar os costumes locais e as questões religiosas com a diversidade cultural dos milhares de torcedores vindos de todo o mundo.
As rígidas leis do país exigiram adaptações de visitantes e autoridades, o que provocou debates e trouxe à tona questões sobre respeito cultural e direitos humanos.
O evento suscitou críticas devido a restrições sobre consumo de álcool, manifestações públicas de afeto e o código de vestimenta. “Ao pisar lá, tive uma noção clara de estar em outro mundo. É necessário respeitar a cultura local, pois você precisa conviver e interagir com aquelas pessoas”, relatou Damasceno.
Nas arquibancadas e em campo, a Copa também foi marcada por protestos contra o desrespeito aos direitos humanos. Seleções como Alemanha, Dinamarca e Inglaterra participaram e buscaram chamar atenção para a causa.