Entre tragédias e outros caminhos
Texto: Maria Luiza Ribeiro Teixeira
Há uns dias, soube de uma desistência. Sim, uma desistência. Anunciada, inclusive, em alto e bom som, sem aviso prévio. Meu protesto em relação a ela foi imediato, se deu logo depois da última sílaba do pronunciamento. Não podia ser! Onde já se viu!? Nem pensar! É uma decisão tomada no calor do momento. Afinal de contas, não se pode deixar o samba morrer ou acabar – é preciso que o show continue. Precisamos nos levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Desistir? Não! Tentar outra vez.
Em meio aos meus protestos – contundentes, mas silenciosos e internos -, o desistente direcionou o discurso para o encerramento. Percebi o movimento e inferi que viriam justificações. O discurso findou com a ideia de que a renúncia é necessária na vida de quem não se pretende um herói de tragédia grega.
Busquei me manter resistente diante dessa tentativa de sensibilização. Acredito que, externamente, tenha conseguido – fiz uma cara de “estou desconsiderando absolutamente tudo o que disse”. Mas, no fundo, falhei. Sem querer, calei meus murmúrios revoltosos para pensar o porquê de eu ter me incomodado tanto.
Afinal de contas, desistir não é algo incomum. Somos permeados por desistenciazinhas silenciosas – e até amigas. Elas não fazem questão de serem percebidas e muito menos ditas. Só existem ali, sem sequer passar pelo nosso consciente. Quem já não abandonou um ou outro projeto de fim de ano ou desconsiderou uma ideia para optar por outra?
A desistência sobre a qual escrevo – é importante dizer – não era sobre uma meta de fim de ano, mas sobre um projeto de vida. Talvez tamanha magnitude e a verbalização honesta e inesperada da decisão é que tenham desencadeado minha reação. Não sei. Só sei que passei a achá-la descabida. A persistência, de fato, pode trazer desconforto, sofrimento. Para que insistir, então? Considerando esses pontos, resolvi repreender minha eu revoltosa do passado. Que falta de empatia, hein! Desistir é um direito! Ninguém merece viver como uma personagem de tragédia. Não se toma uma decisão dessas sem motivos relevantes.
A discussão interna não parou por aí. Novos pensamentos sobre o assunto surgiram. Como ficam as pessoas que passam por situações dificílimas, mas, em função da sobrevivência, não podem desistir? De onde vem o orgulho brasileiro em torno da resiliência? Se meu sobrinho, que ainda desfruta a infância, decidisse abandonar um sonho, o que eu deveria fazer: ensiná-lo, tal qual me ensinaram, que persistir é o melhor caminho – o caminho mais brasileiro -, ou apoiá-lo, abraçando sua decisão?
Tentei elaborar respostas. Cuidei de não soar como uma coach e evitei reforçar o culto à resiliência que permeia minha cultura. Por outro lado, também não quis ser exageradamente pessimista. Me senti como uma equilibrista, lutando para não cair aqui ou acolá. Que difícil encontrar o meio termo!
Após persistentes buscas, continuei sem tomar partido nesse dilema. Tenho pensado que talvez não existam respostas a serem encontradas ou lados a serem escolhidos. Diante dessa incerteza a respeito do tema, torço muito para que meu sobrinho demore a levantar esse assunto. E sinceramente penso que teria sido melhor se eu apenas desistisse dele.