O 4°membro da família

Texto: Bernardo Carambolante

Ao me levantar, lembrei daquele dia, daquela época onde tudo era melhor e como tudo acabou… Graças a uma palestra, que me gerou um café da manhã reflexivo, lembrando de tudo aquilo que um dia já foi rotina e normalidade antes de um caos.

Acordar e ir à escola, sair e ter minha avó que cuidaria de mim o dia todo, vendo novelas e mais novelas. Onde ao chegar em casa para passar aquelas poucas horas que restavam da tarde e início da noite com meus pais, sempre teríamos a presença constante das novelas, mais um membro da família e do amadurecimento de uma vida. Isso sem contar as tardes gostosas, em que o céu alaranjado penetrava a sala, enquanto minha prima estudava ouvindo Malhação e eu acompanhava em meus aprendizados sobre tabuada.

Minha avó nos deixou e, ao perder a figura de proteção, as novelas mudaram de tom e a vida também. Saíram de disputas de moda e estilos em Ti-Ti-Ti, para as disputas de terra e poder como em Império e Babilônia. Aquilo se refletia nas mudanças de uma vida tranquila para a responsabilidade da minha prima, recém formada na faculdade, que naquele momento precisava cuidar de uma criança de 10 anos que sempre foi mimada pela avó –realmente uma briga de poder entre nós, em que claramente o lado mais novo cedia.

Mesmo assim, com tardes conturbadas, ainda tinha minhas noites com meus pais e a presença do 4° membro da família: a novela.

Minha prima nos deixou para ir viver do outro lado do mundo. Com isso, a oportunidade de trabalhar de casa e passar as tardes com o filho agradou minha mãe, acredito que O Outro Lado do Paraíso e A Força do Querer puderam representar bem como foi amadurecer. Por mais que ter a mãe tão presente fosse um paraíso, isso demandou responsabilidades que, em meus pensamentos, nunca chegariam e brigas passaram a ser recorrentes. Tudo isso enquanto um divórcio se iniciava, mesmo que minhas fotos, cartas e presentes significassem muito para eles, o coração machucado e a lógica surda predominaram. Minha força de querer eles juntos nunca foi o suficiente e se esvaiu com o tempo através das frequentes lágrimas infantis – o pavor de mais uma perda assombrou noites e noites aquela criança.

Mesmo assim, com noites conturbadas ainda tive meus momentos com meus pais, já divorciados, e novamente a presença do 4° membro da família, a novela. O amadurecimento acontecia sem perceber, já via cenas sexuais sem me obrigarem a tapar os olhos.

Meus pais me deixam, por mais que presentes. O que aconteceu com a novela? Bem… assim como meus pais, avó e prima, ela me deixou, e quando tentou voltar, junto com uma reconciliação entre eles, tal qual um Segundo Sol, ainda teve um gosto ruim e logo acabou. Nos anos seguintes eu tive que ser como A Dona do Pedaço e aprender a me virar. Sem eles, o que faria um recém adolescente? Como todos que um dia viram novela comigo me deixaram, eu optei por deixar ela também. Dessa forma, sem tantas lembranças de noites, tardes e companhias gostosas, eu não teria o gosto amargo da saudade.

Mesmo assim, as noites continuam existindo, a saudade daquele tempo volta, mas a presença do 4° membro da família só voltará no dia em que eu for responsável por alguém.