Uma das atividades propostas pela diretoria da LAORL (Liga Acadêmica de Otorrinolaringologia) envolve a discussão, entre os ligantes, de casos clínicos selecionados da área de modo a promover a construção do conhecimento médico. Nessa semana, o caso clínico escolhido permeia uma das queixas, relativamente, mais comuns nos prontos-socorros e ambulatórios gerais: a disfonia.
ID: Paciente LRN, sexo masculino, 48 anos de idade, nascido em e procedente de São Paulo.
QPD: Rouquidão há quatro meses.
HMA: Cita que inicialmente a voz ficou fraca, junto com sintomas de obstrução nasal, coriza e tosse, associados a febre, inapetência, mialgia e mal-estar. Procurou atendimento ambulatorial, no qual recebeu diagnóstico de infecção das vias aéreas superiores (IVAS) de etiologia viral (infecção de via aérea superior), sendo medicado com sintomáticos (antipirético, descongestionante nasal e analgésico). Após três dias, já se encontrava em adequado estado geral, contudo mantinha quadro de rouquidão intermitente. Procurou novamente atendimento em pronto-socorro, onde foi informado que apresentava quadro clínico compatível com laringite bacteriana, sendo medicado com anti-inflamatório não esteroidal (ibuprofeno, 600mg, a cada 12h, por quatro dias) e antibiótico (amoxicilina, 500mg, a cada 8h, por sete dias). Ao longo de dois meses, continuou a apresentar rouquidão, a qual se tornou constante, alternando-se com períodos de afonia. Cita que eventualmente ficava rouco, mas que este sintoma estava associado a dores de garganta e que, em média, apresentava dois episódios por ano e duração de três a sete dias.
IS: Nega outros sintomas relacionados à laringe, tais como pirose faríngea, tosse (seca ou produtiva), disfagia, odinofagia ou dispneia. Nega abuso vocal tanto no trabalho como em casa e não refere uso de bebidas geladas.
AP: Não usa medicamentos regularmente, não tem alergia a medicamentos, não usa drogas ilícitas. Foi submetido à amigdalectomia na infância.
AF: Tio paterno falecido por câncer no pulmão.
HV: É tabagista há 45 anos, com consumo diário de 20 cigarros, e etilista há 35 anos, ingerindo em média três doses de destilados diariamente. Quando perguntado sobre as queixas vocais, refere trabalhar como vendedor e mostra sempre voz adequada, sendo convidado para ser orador nas festas da empresa.
Como não apresenta melhora do quadro clínico de rouquidão, o paciente foi orientado a procurar atendimento especializado com otorrinolaringologista.
Exame Físico:
Ao exame físico geral, apresenta-se em bom estado geral, corado, hidratado, eupneico e afebril. Ausculta pulmonar com murmúrio vesicular + difusamente, sem ruídos adventícios. Escuta cardíaca em dois tempos sem detecção de sopros. Avaliação abdominal e de extremidades não denota alterações. Ao exame no pronto-socorro otorrinolaringológico, não são detectadas alterações ouvidos (otoscopia), cavidade nasal (rinoscopia anterior) e da cavidade oral (oroscopia). A palpação cervical não evidencia alterações, lesões ou a presença de linfonodomegalia cervical.
Então, o paciente é submetido ao exame de laringoscopia indireta com laringoscópio rígido, sendo detectada lesão vegetante e infiltrativa acometendo toda a extensão da prega vocal esquerda.
Durante a fonação. percebe-se que a lesão impede que haja adequado fechamento glótico e adequada vibração da onda mucosa.
HD, conduta e evolução:
O paciente é submetido à microcirurgia de laringe, cujo resultado revela carcinoma espinocelular invasivo,
sendo definido o estadiamento oncológico como T1a N0 M0.
No mesmo ato operatório, opta-se pela ressecção do tumor por via aberta com a técnica cirúrgica da laringectomia parcial frontolateral com reconstrução vocal, utilizando a prega vestibular e o abaixamento da cartilagem epiglótica. O espécime retirado foi avaliado por patologista e apresentou-se com margens livres de lesão tumoral.
O paciente recebe, ainda, sonda nasoenteral para alimentação e traqueotomizado, retiradas em quatro dias e
nove dias, respectivamente.
No período pós-operatório, o paciente foi avaliado periodicamente e após 32 meses do procedimento cirúrgico, não apresenta sinais de recidiva tumoral, sinais de Iinfonodomegalia ou outras alterações cervicais
REFERÊNCIAS
PEDROSO, J. L.; LOPES, A. C. Do sintoma ao diagnóstico : baseado em casos clínicos. São Paulo – Roca, 2012.