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SEPULTAMENTO 1 – LAPA DO SANTO

SEPULTAMENTO 1 – LAPA DO SANTO

Localização Espacial e Estratigráfica

O Sepultamento 1, apesar de ter sido o primeiro a ser encontrado, foi o último a ser exumado. Em 2002, princípio da escavação no sítio, a quadra K10 foi aberta como uma sondagem cujo objetivo era verificar a espessura e a natureza do pacote arqueológico da Lapa do Santo. Cerca de um metro abaixo da superfície foram encontrados ossos humanos, o Sepultamento 1. Entretanto, a cova estendia-se para outras três quadras: K11, L10 e L11 (Figura 1). Portanto, era impossível exumar o Sepultamento 1 sem que antes todas essas quadras fossem rebaixadas até níveis equivalentes. Esse processo demorou seis anos. Assim, os documentos de escavação referentes ao Sepultamento 1 são datados tanto de 2002, quando ele foi descoberto, como de 2008, quando ele foi efetivamente exumado.

Como resultado dessa peculiaridade, enquanto na quadra K10 o Sepultamento 1 se encontra contido nos níveis 18 e 19, na quadra K11 ele está contido entre os níveis 12 e 13 (Figuras 2 e 3). Isso é decorrência de uma incompatibilidade vertical entre os níveis das quadras que foram escavadas em 2002 e das que começaram a ser escavadas em 2005. A escavação por níveis naturais pode ser muito complicada e geralmente é quase impossível que os critérios utilizados para a mudança de nível sejam reproduzidos fielmente. De qualquer maneira, uma vez que todos os níveis são topografados com uma estação total, é possível contornar essa falta de correspondência entre quadras. Assim, como exemplo, tanto o nível 13 da K11 como o nível 18 da K10 estão aproximadamente a uma mesma profundidade (ver tabela 1).

 

Figura 1 – Lapa do Santo. Sepultamento 1. Foto tirada em 2002. a) antes dos blocos que recobriam a cova serem retirados; b) depois dos blocos serem retirados. Reparar que a cova estendia-se para outras quadras, impedindo que a exumação fosse feita.Segundo a FES, o topo do crânio, o da bacia e o do pé estavam, respectivamente, nas cotas -0,806; -0,925 e -0,917. Esses valores estão de acordo com as cotas de abertura indicadas para o nível 13 que, de acordo com os CEQs, é o primeiro em que ossos do Sepultamento 1 podem ser observados (ver Figura 2). No CES da última exposição existe uma indicação de fundo de cova com cota -1,057. Assim, adota-se a cota associada ao topo do crânio como topo do sepultamento (-0,806) e a cota de -1,057 como base do mesmo.

 

 

Descrição do Sepultamento

O Sepultamento 1 é composto por um único indivíduo adulto do sexo masculino (Figuras 4 a 11). Todos os ossos, sem exceção, estavam presentes e em conexão anatômica. Foi depositado em decúbito dorsal e hiperfletido. As pernas estavam totalmente fletidas sobre o tórax, estando a tíbia, a fíbula e o fêmur quase que paralelos entre si (Figura 12a). Os dois pés estavam sobre a bacia, ambos rotacionados medialmente, o direito por baixo do esquerdo (Figura 12b). Esse alto grau de flexão dos membros inferiores não ocorre naturalmente, tendo sido obtido mediante a deposição de pesados blocos de pedra em cima do corpo (Figura 4). A partir dos CESs é possível inferir que esses blocos tinham forma de paralelepípedo com lados de 40 x 40 x 20 centímetros. Apesar de nas fotografias de campo e no CES os blocos localizarem-se exclusivamente sobre os membros inferiores, é importante lembrar que os CEQs do ano de 2002 indicam que eles também estavam presentes na porção sul da cova. A presença desses blocos reforça a ideia de que, devido às dimensões da cova, foi preciso pressionar o corpo para que ele ficasse na posição em que foi depositado.

Tabela 1. Cotas verticais iniciais (z)
Quadra Nível NW NE SE SW
K10 1 0,152 0,132 0,221 0,274
K10 18 -0,834 -0,849 -0,715 n/d
K10 19 -1,014 -0,999 -0,901 n/d
K10 20 -1,350 -1,000 -0,928 n/d
K11 1 -0,030 -0,019 0,160 0,150
K11 7 -0,305 -0,289 -0,203 -0,278
K11 8 -0,383 -0,357 -0,250 -0,291
K11 9 -0,518 -0,491 -0,406 -0,428
K11 10 -0,639 -0,598 -0,525 -0,554
K11 11 -0,728 -0,679 -0,607 -0,653
K11 12 -0,823 -0,776 -0,712 -0,752
K11 13 -0,908 -0,863 -0,823 -0,862
K11 14 -1,004 -0,962 n/d -0,969

 

 

Figura 2 – Lapa do Santo. Sepultamento 1. Croquis de escavação da quadra K11. Em vermelho, região onde foram encontrados ossos humanos. Em cinza, blocos de calcário.

  

 

Figura 3 – Lapa do Santo. Sepultamento 1. Croquis de escavação da quadra K10. Em vermelho, regiões onde foram encontrados ossos humanos. Em cinza, blocos de calcário e a laje de calcário que constitui a base do sítio.

 

Os braços também estavam fletidos. A mão esquerda localizava-se junto à região do pescoço e da cabeça. A mão direita estava sobre a região torácica (Figura 2c). O crânio estava apoiado sobre a mão esquerda, fazendo com que o pulso estivesse em seu máximo grau de flexão (Figura 12d e 13). Apesar de que o esqueleto axial estava em decúbito dorsal, o eixo bregma-basion do crânio estava em posição quase vertical, com o queixo junto ao peito. Esse posicionamento parece ser decorrência de que a parte posterior da cabeça (nuca) estava pressionada contra o limite sul da cova, que funcionou como um anteparo. Além disso, o crânio estava rotacionado em cerca de 90º em sentido anti-horário (i.e. a face estava totalmente voltada para o lado esquerdo do corpo, olhando por sobre o ombro). Essa rotação decorre, nitidamente, do fato de a parte direita do crânio estar apoiada sobre o pulso esquerdo (Figura 12d). A espinha dorsal delimitava um eixo linear que estava orientado no sentido norte-sul, com a bacia para o norte e a cabeça para o sul.

Não foram observados sinais de queima, corte ou ocre.

 

Modo de enterramento

As feições descritas indicam um enterro primário em que o corpo teve de ser “compactado” para caber na cova. Tanto a flexão dos membros inferiores como a posição dos pés, a posição do crânio, a flexão do pulso e a presença de blocos amparam essa interpretação.

 

Figura 4 – Lapa do Santo. Sepultamento 1. Foto da exposição 1 e seu respectivo croqui

 

Figura 5 – Lapa do Santo. Sepultamento 1. Foto da exposição 2 e seu respectivo croqui.

 

Figura 6 – Lapa do Santo. Sepultamento 1. Foto da exposição 3 e seu respectivo croqui.

 

 

Figura 7 – Lapa do Santo. Sepultamento 1. Foto da exposição 4 e seu respectivo croqui.

 

 

Figura 8 – Lapa do Santo. Sepultamento 1. Foto da exposição 5 e seu respectivo croqui.

 

Figura 9 – Lapa do Santo. Sepultamento 1. Foto da exposição 6 e seu respectivo croqui.

 

Figura 10 – Lapa do Santo. Sepultamento 1. Foto da exposição 7 e seu respectivo croqui.

 

Figura 11. Lapa do Santo. Sepultamento 1. Foto da exposição 8 (fundo da cova) e seu respectivo croqui.

 

Figura 12 – Lapa do Santo. Sepultamento 1. Detalhes: a) os membros inferiores estavam hiperfletidos, com os ossos das pernas paralelos entre si, o joelho na altura do tórax e os pés juntos à bacia; b) os pés e os membros inferiores estavam rotacionados em sentido medial, o pé esquerdo por cima do direito; c) o braço direito repousava ao lado do corpo, e o antebraço estava cruzado sobre o tórax, por baixo do braço esquerdo; d) o lado direito do crânio estava apoiado sobre a mão esquerda, fazendo com que o punho estivesse em seu máximo grau de flexão e face voltada para a esquerda.


Figura 13 – Lapa do Santo. Sepultamento 1. Vista do crânio em norma frontal, posterior, lateral direita, lateral esquerda, superior e inferior.