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SEPULTAMENTO 19 – LAPA DO SANTO

SEPULTAMENTO 19 – LAPA DO SANTO

Localização Espacial e Estratigráfica

O Sepultamento 19 foi encontrado na quadra J12. A Figura 1 mostra o CEQ correspondente ao nível 2 dessa quadra.  As cotas de abertura da quadra e destes níveis estão na Tabela 1. O Sepultamento 19 está localizado no extremo sudeste da quadra L11. De acordo com o CEQ e com a FES este sepultamento foi encontrado no nível 2, o que significa que ele estaria entre as cotas -0,038 e -0,283. O topo da estrutura de blocos EB-1, que recobria esse sepultamento, estava na cota de -0,084 e o osso mais elevado na cota de -0,158. Já o fundo da cova estava na cota de -0,229. Portanto, as diferentes fontes documentais indicam que o Sepultamento 19 estava contido no nível 2. A espessura do sepultamento em si, sem considerar a estrutura de blocos é de cerca de 7 centímetros e a espessura da estrutura de cerca de 8 centímetros (vide seção sobre as Estruturas de Blocos).

Tabela 1. Cotas verticais iniciais (z)
Quadra Nível NW NE SE SW
J12 1 -0,239 -0,216 -0,038 -0,080
J12 2 -0,258 -0,283 -0,060 -0,095
J12 3 -0,281 -0,262 -0,105 -0,125

 

Figura 1 – Lapa do Santo. Sepultamento 19. Croquis de escavação de quadra. Em vermelho, regiões onde foram encontrados ossos humanos. Em cinza, blocos de calcário.

 

Descrição do Enterramento

O Sepultamento 19 é constituído pelos ossos de um único indivíduo sub-adulto com cerca de 6 anos de idade. As Figuras 2 a 14 apresentam as fotos e os CESs de cada exposição. Todas as principais partes do esqueleto estavam representadas, ainda que a escápula esquerda, as patelas e alguns ossos da mão e do pé não tenham sido recuperados. Apesar das partes maiores do esqueleto não estarem dispostas de acordo com qualquer lógica anatômica, algumas porções localizadas mantiveram-se em conexão. O crânio, que estava bastante fragmentado, encontrava-se na porção norte da cova por cima dos demais ossos. As vértebras estavam concentradas na região oeste da mesma. Ambos os lados da bacia estavam com a mesma face voltada para cima. Os ossos longos foram encontrados na metade SE da cova. Com exceção dos rádios e de uma das fíbulas, os ossos longos estavam todos orientados no sentido SW-NE. Os fêmures e os úmeros estavam completamente paralelos entre si. As tíbias, os rádios e a ulna esquerda ocupavam porções mais superiores da cova, enquanto que a ulna direita, os fêmures e os úmeros estavam próximos ao fundo da cova, sendo que os úmeros estavam colocados diretamente sobre os fêmures. De acordo com a FES os seguintes elementos estavam articulados: ossos da mão, ossos do pé (ver metacarpos/metatarsos na exposição 5 para um exemplo) e algumas vértebras. As epífises que foram recuperadas não estavam em sua posição anatômica.

Na porção norte da cova foi identificado um buraco. A presença de um metacarpo/metatarso dentro desse buraco, que pode ser nitidamente observado no CES da última exposição, deixa claro que o animal que o buraco gerou algum nível de perturbação da cova.

Foram identificadas possíveis marcas de corte no rádio esquerdo, na ulna esquerda e no parietal esquerdo (Figuras 15a e 15b). No rádio esquerdo há uma única incisão composta por um canal simples que está muito bem delimitada. Com 4,83 milímetros de extensão, estava localizada na parte lateral/posterior da extremidade proximal da epífise, transversal ao eixo do osso. Já na ulna direita, as incisões se confundem com uma quebra de osso verde do tipo destacamento que estava localizada na parte posterior da epífise proximal (Figura 15c). A relação entre as incisões e a quebra do osso deixa poucas dúvidas que os dois eventos estivessem interligados.

No parietal esquerdo foi identificado um conjunto de cinco incisões de canal simples que paralelas entre si e em relação à sutura sagital (Figura 15d). Apesar das incisões estarem muito bem delimitadas é difícil ter certeza se são de fato marcas de corte. Enquanto a localização das marcas descritas acima poderia ser entendida como geradas na tentativa de separar o ante-braço do braço, é difícil imaginar com que fins as marcas presentes no parietal esquerdo teriam sido feitas. O grau de paralelismo entre elas, e a dispersão delas pelo crânio não parecem compatíveis com um hipotético processo de descarnamento. Além disso, os ossos do crânio estavam em contato direto com os blocos que recobriam o sepultamento. É possível que essas incisões tenham sido geradas por esses blocos. Portanto, até que uma posição definitiva seja obtida através da observação dessa feição no microscópio eletrônico, ela não será considerada como marca de corte neste trabalho.

Não foram observados sinais de aplicação de ocre ou de sinais de queima. Com exceção das duas clavículas, que apresentavam fratura espiralada, e da ulna descrita acima, os ossos longos estavam inteiros e não apresentavam fraturas indicativas de quebra de osso verde.

Modo de Enterramento

É muito difícil determinar se a desorganização dos ossos deste sepultamento foi gerada no momento do enterramento ou se é fruto de processos pós-deposicionais. Existem algumas evidências a favor da hipótese de que esse indivíduo foi enterrado totalmente articulado. Assim, apesar da desorganização anatômica, existem conjuntos de ossos específicos, incluindo ossos de mão e pé, que permaneceram articulados. Uma vez que ossos de mão e pé estão entre os primeiros na sequência de decomposição do corpo humano (Duday, 2009), isso parece favorecer a idéia que no momento do enterro o corpo estava altamente articulado. Nesse caso a desorganização espacial observada entre os ossos seria fruto de processos pós-deposicionais, particularmente a ação conjunta e sequêncial da decomposição dos tecidos moles e da força da gravidade. A pergunta então é se essa ação conjunta seria capaz de gerar o padrão observado. A disposição de alguns dos ossos na cova parece indicar que sim. As vértebras, por exemplo, estavam todas concentradas numa região circunscrita da cova, o que seria compatível com uma posição original em que o esqueleto axial estava em posição verticalizada e, posteriormente, colapsou. De acordo com a FES as duas pélvis apresentavam o mesmo lado voltado para cima, o que seria compatível com tal proposta. Além disso, o fato do crânio ser o elemento mais alto, dos ossos da perna os elementos mais baixos e da posição das vértebras denotarem certo grau de curvatura da coluna, poderiam indicar que o corpo foi enterrado em posição sentada, mas ligeiramente inclinada. Os dois fêmures estavam um ao lado do outro, e totalmente paralelos entre si. O mesmo é válido para os úmeros e, em menor grau, para as tíbias (vide exposição 12 e 13). Por fim, as próprias dimensões da cova tornam impossível que um corpo fosse depositado em decúbito, fortalecendo a idéia de que se o esqueleto estivesse articulado, a posição mais provável para o corpo seria aquela na qual o esqueleto axial estivesse verticalizado.

Por outro lado, existe uma sub-representação de ossos menores como as epífises dos ossos longos, as patelas e ossos de mão e pé. Essa sub-representação poderia sugerir um evento de desenterramento no qual os ossos menores teriam sido perdidos. Entretanto, ela poderia, também, ser resultado da ação bioturbadora associada ao buraco presente na porção norte da cova.

Outro ponto que dificulta a idéia de que o indivíduo foi enterrado totalmente articulado é a presença de incisões muito bem demarcadas tanto no rádio como na ulna. No CES da exposição 6 é possível observar a posição espacial desses dois ossos. Apesar de não haver nenhuma indicação explicita de que se encontrem em conexão anatômica, é possível observar que suas epífises proximais encontram-se muito próximas uma da outra, quase naquilo que seria a posição anatômica. Mais ainda, essa duas epífises proximais estão logo acima de onde viria a ser exposta a epífise distal do úmero direito. Ainda que seja impossível ter certeza, isso sugere fortemente que esses ossos estavam em posição anatômica, ou próximo a ela. Se fosse este o caso, as incisões descritas para o rádio direito e a ulna direita não teriam levado à separação do braço do antebraço. Neste sentido, mesmo tendo sido geradas em ossos verdes e num momento próximo ao do enterro, elas não invalidam a idéia de que esse corpo foi enterrado inteiro e articulado.

Ainda que reconhecendo o caráter não definitivo do argumento, assume-se que esse indivíduo foi enterrado em contexto secundário e que, portanto, a desorganização dos ossos é, mormente, resultado do processo de enterramento.

                                                   

Figura 2 – Lapa do Santo. Sepultamento 19. Croqui da exposição 1. Foto comprometida por razões técnicas.

 

Figura 3 – Lapa do Santo. Sepultamento 19. Foto da exposição 2 e seu respectivo croqui. Em vermelho, ossos humanos. Em cinza, blocos de calcário. Em azul, artefatos líticos.

 

Figura 4 – Lapa do Santo. Sepultamento 19. Foto da exposição 2 e seu respectivo croqui. Em vermelho, ossos humanos. Em cinza, blocos de calcário. Em azul, artefatos líticos. Em preto, carvões.

 

Figura 8.19.5 – Sepultamento 19. Foto da exposição 4 e seu respectivo croqui. Em cinza, blocos de calcário. Em azul, artefatos líticos.

 

Figura 6 – Lapa do Santo. Sepultamento 19. Foto da exposição 5 e seu respectivo croqui. A seta branca indica o rádio que apresentava uma incisão.

 

Figura 7 – Lapa do Santo. Sepultamento 19. Foto da exposição 6 e seu respectivo croqui. A seta branca indica o rádio e a seta preta a ulna em que foram identificada incisões. O círculo vermelho mostra como as epífises proximais desses dois ossos estavam muito próximas, quase que em posição anatômica.

 

Figura 8 – Lapa do Santo. Sepultamento 19. Foto da exposição 7 e seu respectivo croqui.

 

Figura 9 – Lapa do Santo. Sepultamento 19. Foto da exposição 8 e seu respectivo croqui.

 

Figura 10 – Lapa do Santo. Sepultamento 19. Foto da exposição 9 e seu respectivo croqui.

 

Figura 11 – Lapa do Santo. Sepultamento 19. Foto da exposição 10 e seu respectivo croqui.

 

Figura 12 – Lapa do Santo. Sepultamento 19. Foto da exposição 11 e seu respectivo croqui.

 

Figura 13 – Lapa do Santo. Sepultamento 19. Foto da exposição 12 e seu respectivo croqui.

 

Figura 14 – Lapa do Santo. Sepultamento 19. Foto da exposição 13 e seu respectivo croqui.

 

Figura 15 – Lapa do Santo. Sepultamento 19. Fotos dos ossos que apresentavam incisões. a) vista lateral/posterior da epífise proximal do rádio direito; b) vista posterior da epífise proximal da ulna direita; c) vistas mediais das duas ulnas (reparar que as extremidades proximais são interrompidas exatamente na mesma região da epífise), o desenho no canto direito inferior foi copiado de Scheuer e Black (2000); d) parietal esquerdo em que é possível observar o conjunto de incisões paralelas entre si.

 

Figura E1– Lapa do Santo. Sepultamento 19. Microscopia eletrônica de varredura das incisões localizadas na parte posterior da extremidade proximal do rádio esquerdo.

 

Figura E2– Lapa do Santo. Sepultamento 19. Microscopia eletrônica de varredura das incisões localizadas na parte posterior da extremidade proximal da ulna direita.

 

Figura E3 – Lapa do Santo. Sepultamento 19. Microscopia eletrônica de varredura das incisões localizadas no parietal esquerdo.