SEPULTAMENTO 2 – LAPA DO SANTO
Localização Espacial e Estratigráfica
O Sepultamento 2 estava localizado nas quadras J07, J08, K07 e K08 (Figuras 1 e 2). Entretanto, nos CEQs da J08 não há indicações desse sepultamento. Isso ocorre uma vez que essa quadra foi escavada depois que o sepultamento já havia sido exumado. Na quadra J07, o Sepultamento 2 estava presente desde o nível 2 até o nível 6; na quadra K07, do nível 2 até o nível 5; e na quadra K08, do nível 1 ao nível 5. Esse sepultamento estava debaixo de um enorme bloco caído. Apenas após a remoção do bloco, foi possível escavar a área do sepultamento. A posição do bloco pode ser observada na Figura 1. e 2.
A posição vertical desse sepultamento foi muito bem documentada nos CESs. A cota mais elevada e que será considerada como a referente ao topo do sepultamento é a de 0,671 e está associada ao crânio. As cotas mais inferiores estão associadas a três dentes que foram encontrados no fundo da cova, sendo 0,337, 0,338 e 0,354. O valor menor será usado como a cota de base dessa cova.
Figura 1 – Lapa do Santo. Sepultamento 2. Neste croqui de escavação de quadra é possível observar o enorme bloco que recobria o Sepultamento 2.
Figura 2. Lapa do Santo. Sepultamento 2. Croquis de escavação de quadra. Em vermelho, regiões onde foram encontrados ossos humanos. Em cinza, blocos de calcário.
Descrição do Sepultamento
O Sepultamento 2 (Figuras 4 a 11) era constituído por um único indivíduo adulto do sexo feminino cujos membros superiores não foram recuperados. Os dois fêmures, as duas tíbias e as duas fíbulas estavam praticamente intactos e articulados em posição anatômica (Figuras 8 a 11). O grau de flexão das pernas era muito alto. As tíbias estavam localizadas abaixo e ligeiramente ao lado dos fêmures. Os ossos da bacia estavam bastante fragmentados, mas pela sua posição muito próxima às cabeças dos fêmures fica evidente que também estavam em conexão anatômica. Os ossos do pé não estavam propriamente articulados entre si, mas encontravam-se dispersos próximos às partes distais da tíbia e da fíbula, indicando que também estiveram conectados aos membros inferiores. A região com ossos do tornozelo e do pé encontrava-se muito próxima à região com ossos da bacia. A coluna vertebral, tal qual indicada por algumas vértebras, estava alinhada no sentido norte-sul, imediatamente acima dos fêmures e das tíbias (vide CESs exposição 7 e 8). A posição das vértebras cervicais mais ao norte e a das lombares mais ao sul e próxima à bacia sugerem que elas estavam em conexão anatômica.
Não foram observados sinais de queima, corte ou aplicação de ocre nesses ossos. Uma possível exceção é uma feição observada no fêmur direito. No meio da diáfise, em sua região posterior, uma fina camada de osso formava uma espécie de “furo”, “orifício” ou “arco” (Figura 13).
Figura 3 – Lapa do Santo. Sepultamento 2. Fotos do bloco caído que se encontrava sobre o Sepultamento 2. a) vista da quadra K-07; b), c) bloco visto de cima; d) bloco visto de oeste para leste; e), f) bloco visto de norte para sul.
Modo do enterramento
A disposição dos membros inferiores e da coluna indica que o indivíduo foi enterrado em posição sentada ou ajoelhada, com o tronco tombado para frente (norte). Mais especificamente, a frente do corpo estaria em direção ao norte e as costas, em direção ao sul. Entretanto, dois complicadores para essa interpretação são a posição do crânio e a ausência de ossos do braço, da mão e do ombro (escápula e clavícula). Ainda que partes de quase todas as regiões do crânio tenham sido recuperadas, ele estava muito fragmentado e disperso, tornando impossível afirmar que ele ocupava uma região específica no enterramento. Ainda assim, não há dúvidas de que a distribuição espacial dos fragmentos estava concentrada na porção sul, próxima às regiões onde estavam os ossos do pé e da bacia. Por outro lado, as vértebras cervicais, intactas e articuladas, foram encontradas justamente no canto oposto (norte) do enterramento (vide CES da exposição 5). Uma vez que não existem marcas de queima ou corte no crânio, parece que a explicação mais parcimoniosa para ele não estar em sua posição anatômica esperada é que, após o enterramento e a decomposição dos tecidos moles, ele rolou para trás (sentido norte). Posteriormente, o peso do bloco de algumas toneladas que recobria o sepultamento levou à sua fragmentação. Alternativamente, o crânio também poderia ter sido alvo de algum tipo de manipulação, o que explicaria sua posição. Entretanto, na ausência de elementos para sustentar diretamente esta hipótese, a primeira será preferida.
Já a ausência dos ossos dos membros superiores não parece poder ser explicada pela presença do enorme bloco de calcário sobrejacente ou por qualquer outro tipo de agente pós-deposicional. Mesmo que esses ossos tivessem sido cominuídos pelo peso do bloco, seria esperado que, pelo menos em algum grau, vestígios dos mesmos fossem encontrados. Entretanto, nenhum fragmento de osso dos membros superiores estava presente. É difícil postular que o peso do bloco teria levado à desintegração dos ossos dos membros superiores e deixado os ossos dos membros inferiores intactos (ver Figura 12). Ou seja, o próprio grau de seleção anatômica também diminui as chances de que tenham sido processos naturais os responsáveis pela ausência dos membros superiores no sepultamento.
Alternativamente, sugiro que essa ausência dos ossos dos membros superiores é resultado da ação antrópica, quer seja como parte integrante do processo funerário, quer seja pelo seu posterior esvaziamento. Contra a primeira hipótese está o fato de que nenhuma marca de corte, queima ou ocre foi identificada nos ossos do Sepultamento 2. Por outro lado, a feição peculiar na diáfise do fêmur direito poderia ser resultado de manipulação ritual do corpo. Apenas o osso verde apresenta a plasticidade necessária para que uma modificação óssea desse tipo fosse feita. Pela forma da feição, caso ela tenha realmente sido gerada pela intervenção intencional dos agentes fúnebres, ela teria de ter sido feita por algum objeto pontiagudo. Uma observação importante é que uma feição idêntica foi identificada nos esqueletos que foram escavados nos abrigos de Cerca Grande (Pedro Tótora da Glória, comunicação pessoal). Assumindo-se que de fato esse orifício tenha sido feito intencionalmente, é importante lembrar que esse fêmur não só estava verde como plenamente articulado com a bacia e a tíbia. Portanto, o procedimento deve ter sido realizado com o membro em sua posição anatômica, com a presença de músculos e tendões.
Além disso, contra a ideia de que a ausência dos membros superiores seja decorrente de processos de esvaziamento da cova está tanto o fato de que não existe nenhum outro sepultamento próximo a esse (quer seja vertical ou horizontalmente) como a presença do enorme bloco de calcário sobrejacente, tornando a cova inacessível.
Figura 10 – Lapa do Santo. Sepultamento 2. Croqui da oitava exposição. Foto comprometida por razões técnicas.
Figura 12 – Lapa do Santo. Sepultamento 2. Apesar de estar logo abaixo de um bloco de calcário de algumas toneladas, os fêmures e as tíbias foram encontrados praticamente intactos e articulados entre si em posição de flexão máxima. Nesta imagem é possível visualizar as epífises em fase final de fusionamento.
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