SEPULTAMENTO 22 – LAPA DO SANTO
Localização Espacial e Estratigráfica
O Sepultamento 22 foi encontrado no canto nordeste da quadra J12. A Figura 1 mostra os CEQ correspondentes aos níveis que serão discutidos a seguir. As cotas de abertura da quadra e destes níveis são apresentadas na Tabela 1. Os CEQ indicam que o Sepultamento 22 esta presente entre os níveis 2 e 4. De acordo com a FES o crânio estava na cota -0,239, ou seja cerca de 2 centímetros abaixo da superfície. A cota mais profunda associada ao sepultamento aparece no CEQ da última exposição e é de -0,521. Portanto, o sepultamento tem cerca de 30 centímetros de espessura. Além disso, essas cotas serão consideradas como topo e base do sepultamento e estão de acordo com o indicado pelos CEQs.
Tabela 1. Cotas verticais iniciais (z) | |||||
Quadra | Nível | NW | NE | SE | SW |
J12 | 1 | -0,239 | -0,216 | -0,038 | -0,080 |
J12 | 2 | -0,258 | -0,283 | -0,060 | -0,095 |
J12 | 3 | -0,281 | -0,262 | -0,105 | -0,125 |
J12 | 4 | -0,466 | -0,427 | -0,341 | -0,326 |
J12 | 5 | -0,551 | -0,615 | -0,510 | -0,425 |
Descrição do Sepultamento
O Sepultamento 22 é constituído pelos ossos de um único indivíduo adulto. As Figuras 2 a 17 apresentam as fotos e os CESs de cada exposição. A cova circular, com cerca de 40 centímetros de diâmetro, estava totalmente preenchida, quase não havendo espaços vazios entre os ossos. Apesar de fragmentados, praticamente todos os ossos do esqueleto foram recuperados. Os ossos não estavam em conexão anatômica e tampouco foi possível identificar qualquer lógica anatômica em sua disposição.
Figura 1 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Croquis de escavação da quadra J12. Em vermelho, regiões onde foram encontrados ossos humanos. Em cinza, blocos de calcário.
No fundo da cova foram encontrados os dois fêmures, as duas tíbias e uma fíbula. Esses ossos estavam todos paralelos e orientados no sentido norte-sul. Logo acima desses ossos longos estava a calota craniana. A extremidade distal do fêmur esquerdo parece ter atravessado o crânio na região onde estaria localizado o parietal esquerdo. Esse por sua vez está desarticulado, longe do crânio e de ponta cabeça em relação à calota craniana (vide exposição 14). Os ossos da mão, do pé, as costelas e alguns ossos da fácies estavam nas partes superiores da cova. Logo abaixo estavam as vértebras e os ossos da bacia.
Os ossos longos foram quebrados na região central de suas diáfises, possivelmente para caberem na pequena cova. Apesar das diferenças é possível estabelecer algumas feições associadas ao fraturamento que estão presentes em todos os ossos longos desse sepultamento. Notadamente a presença de fragmentos sigmoidais e de fraturas do tipo “asa de borboleta”. As fraturas do tipo asa de borboleta às vezes se expressam de forma mais característica como no caso da tíbia direita, do úmero esquerdo, do úmero direito, do fêmur esquerdo, da fíbula direita e da fíbula esquerda, e às vezes de forma menos característica, como nos demais ossos.
No fêmur direito a fratura ocorreu na parte central da diáfise (Figura 20). O tipo da fratura é francamente cominuída mas mesmo assim é possível discernir um fragmento localizado na porção antero-lateral da diáfise cujas margens são oblíquas ao eixo do osso. Apesar de não apresentar uma morfologia característica, é possível que esse fragmento tenha sido gerado pelo mesmo tipo de combinação de tensões responsáveis pela formação de fragmentos do tipo asa de borboleta. O fêmur esquerdo também estava fraturado na porção central da diáfise, onde foi possível observar um grande fragmento do tipo asa de borboleta na sua face anterior. No ápice desse fragmento havia uma fratura transversal com bordas serrilhadas que completava a fratura da diáfise. Além dessa fratura do tipo asa de borboleta, também havia uma fratura oblíqua localizada na parte proximal do osso que se juntava a essa última.
A tíbia esquerda foi fraturada na região central de sua diáfise (Figura 21). Trata-se de um dos poucos casos de uma fratura do tipo asa de borboleta simples, sem outros tipos de fraturas associadas a ela. Essa fratura estava localizada na face posterior do osso. No ápice da fratura “asa de borboleta” existem dois orifícios, um em cada lado da diáfise. Esses orifícios estavam alinhados, ou seja localizavam-se exatamente na mesma altura da diáfise. Um deles, o localizado na face medial, é maior com dimensão de 38mm por 13mm. O outro, localizado na face lateral, é menor com dimensões de 15mm por 9mm. A partir do orifício maior “irradiavam” 5 fraturas. Duas delas correspondiam a fratura do tipo asa de borboleta e uma à fratura transversal no ápice da fratura do tipo asa de borboleta. As outras duas, entretanto, são longitudinais ao osso e não chegaram a levar a separação de partes ósseas. Além disso, na extremidade proximal do orifício maior localizado na face medial, há um fragmento de osso com cerca de 3 centímetros que não foi totalmente “descolado do osso”. Em conjunto, apesar de não ser possível ter certeza, isso parece indicar que esses orifícios foram gerados por algum tipo de impacto. Notadamente, o impacto teria se dado na face medial e se “propagado” para a parte diametralmente oposta (i,e, face lateral). Isso explicaria porque o orifício na parte medial é maior e porque só associado a ele que foram geradas as fraturas longitudinais.
Na tíbia direita a diáfise também foi quebrada em sua região central (Figura 22). O padrão da fratura é peculiar pois consiste naquilo que poderia ser considerado como uma fratura do tipo asa de borboleta incompleta. Assim, na parte posterior do osso a fratura apresenta o contorno típico de uma fratura desse tipo. Entretanto, na sua face medial, onde seria esperado que a fratura terminasse com a morfologia simétrica aquela observada na face posterior, ela não termina. Pelo contrário, a fratura oblíqua que “deveria” existir para completar o contorno da fratura tipo asa de borboleta torna-se uma fratura transversal na parte medial da diáfise, fazendo com que a fratura asa de borboleta não “termine”.
Na fíbula esquerda a diáfise também foi fraturada em sua porção central. Na face anterior da diáfise havia duas fraturas do tipo asa de borboleta adjacentes uma a outra. Na face medial, o fraturamento levou a cominuição do osso. Dentre os fragmentos gerados pela cominuição havia um do tipo sigmoidal. A fíbula direita apresenta um padrão de fraturamento muito similar, com fratura do tipo borboleta na face anterior da diáfise e fraturamento com cominuição na face medial. Entretanto, ao contrário da fíbula esquerda na qual duas fraturas do tipo asa de borboleta estavam presentes, no caso da fíbula direita apenas uma única fratura desse tipo, ainda que maior, foi observada. Também havia um fragmento sigmoidal na face cominuida da fíbula direita.
No rádio esquerdo a quebra ocorreu na porção central da diáfise (Figura 23). O tipo da fratura não se encaixa facilmente nas categorias disponíveis, ainda que a presença de um fragmento sigmoidal na face lateral esteja bem caracterizada. Já o rádio direito (Figura 24) apresenta um padrão de fratura bastante simples no qual a separação do osso se deve a uma fratura espiralada presente no terço distal da diáfise. Na face anterior havia um fragmento sigmoidal.
Tanto a ulna direita como a ulna esquerda tiveram suas diáfises quebradas em sua região central. Em ambos os casos o fraturamento levou a cominuição da diáfise, com a geração de fragmentos sigmoidais.
O úmero esquerdo apresenta um dos casos de fraturas do tipo asa de borboleta mais puros já que nenhum outro tipo de fratura foi observado nesse osso (Figura 25). Esse fragmento se encontra na face pôstero-medial da diáfise e em seu ápice, há uma fratura transversal finalizando a ruptura do osso. De forma similar ao que foi descrito para a tíbia esquerda, nos ápices dessa fratura do tipo asa de borboleta estavam presentes orifícios. Um deles, localizado na face lateral da diáfise, era maior (15,5mm x 6,3 mm) e o outro, localizado na face medial da diáfise, menor (4,84mm x 4,53mm). Entretanto, ao contrário do que foi descrito para a tíbia esquerda, no úmero não foram observadas as fraturas longitudinais irradiando dos orifícios.
Não foram observados sinais de queima ou corte nos ossos do Sepultamento 22.
Figura 2 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Foto da exposição 1 e seu respectivo croqui. Em cinza, blocos. Em, azul lasca. Apenas nesta exposição os ossos humanos estão na cor vermelha para facilitar sua identificação.
Figura 3 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Foto da exposição 2 e seu respectivo croqui. Em cinza blocos de pedra. Em preto, carvões. Em azul, lasca.
Figura 4 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Foto da exposição 3 e seu respectivo croqui. Em cinza, blocos de pedra. Em preto, carvão. Em azul, lasca.
Figura 5 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Foto da exposição 4 e seu respectivo croqui. Em cinza, blocos de pedra. Em preto, carvão. Em azul, lasca.
Figura 6 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Foto da exposição 5 e seu respectivo croqui. Em cinza, blocos de pedra.
Figura 7 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Foto da exposição 6 e seu respectivo croqui. Em cinza, blocos de pedra.
Figura 8 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Foto da exposição 7 e seu respectivo croqui. Em cinza, blocos de pedra.
Figura 9 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Croqui da exposição 8. Foto comprometida por razões técnicas. Em cinza blocos de pedra.
Figura 10 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Croqui da exposição 9. Foto comprometida por razões técnicas. Em cinza blocos de pedra.
Figura 11 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Croqui da exposição 10. Foto comprometida por razões técnicas. Em cinza blocos de pedra.
Figura 12 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Croqui da exposição 11. Foto comprometida por razões técnicas. Em cinza blocos de pedra.
Figura 13 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Croqui da exposição 12. Foto comprometida por razões técnicas. Em cinza blocos de pedra.
Figura 14 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Croqui da exposição 13. Foto comprometida por razões técnicas. Em cinza blocos de pedra.
Figura 15 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Foto da exposição 14 e seu respectivo croqui. Em cinza, blocos de pedra. Reparar na posição do parietal indicada pela seta.
Figura 16 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Foto da exposição 15 e seu respectivo croqui. Em cinza, blocos de pedra.
Figura 17 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Foto da exposição 16 e seu respectivo croqui. Em cinza blocos de pedra.
Figura 18 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Fotos de campo. a) e b) fotos em ângulo da exposição 7, mostrando como nessa altura do sepultamento os ossos estavam espalhados; c) foto da exposição 14 mostrando como a extremidade distal do fêmur (seta branca) esquerdo atravessou o crânio; d) e e) fotos em ângulo da exposição 15 mostrando como os ossos longos estavam em posição horizontal; g) e h) fotos em ângulo da exposição 16 em que é possível observar que o local onde os ossos longos estão quebrados coincide com os limites da cova (seta branca); i) foto após a exumação do Sepultamento 22, reparar como a estrutura de blocos EB-4, que originalmente imaginou-se fazer parte deste sepultamento, permaneceu praticamente não escavada (seta branca).
Figura 19 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Crânio e mandíbula. Crânio nas vistas frontal, lateral direita, lateral esquerda, superior, inferior.
Figura 20 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Fêmur direito. a) Vistas anterior, lateral, posterior e medial; b) detalhe da região central da diáfise onde estava localizada a fratura do tipo cominuída. A imagem superior corresponde a face medial e a imagem inferior a face posterior, as demais compondo uma transição gradativa. Os fragmentos que compunham a fratura foram numerados para facilitar a sua visualização. Reparar como, no geral, os fragmentos são delimitados por fraturas transversais e longitudinais, especialmente na face medial.
Figura 21 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Tíbia esquerda. a) Vistas anterior, lateral e posterior; b) detalhe da face medial na qual é possível observar o orifício (seta preta) presente no ápice da fratura tipo asa de borboleta (indicada pela seta amarela). Das cinco fraturas que podem ser observadas, três estão diretamente relacionadas com a fratura do tipo asa de borboleta (setas azuis), mas duas fraturas longitudinais não estão (seta vermelha). A seta verde indica o fragmento de osso que não foi totalmente destacado; c) detalhe da face lateral na qual é possível observar o orifício menor e as fraturas do tipo asa de borboleta; d) detalhe da extremidade distal da fratura do tipo asa de borboleta, mostrando que o ângulo da superfície fraturada em relação à superfície cortical é bastante agudo.
Figura 22 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Tíbia direita. a) Vistas anterior, lateral, posterior e medial; b) detalhe da face posterior na qual se delineia uma fratura do tipo asa de borboleta muito bem caracterizada incluindo as duas fraturas oblíquas (setas pretas) e uma fratura transversal (seta vermelha); c) vista do lado oposto da diáfise (anterior) no qual seria “esperado” a parte complementar da dita fratura do tipo asa de borboleta. Entretanto, enquanto, parte proximal da fratura ao invés dessa ser oblíqua conforme seria “esperado” ela é transversal (seta azul), de maneira que a fratura do tipo asa de borboleta não é completada; d) detalhe para a morfologia serrilhada da borda da fratura transversal que se prolonga a partir da fratura obliqua que constitui a asa de borboleta incompleta (seta vermelha); e) detalhe da face lateral da diáfise.
Figura 23 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Rádio esquerdo. a) Vistas anterior, lateral, posterior e medial; b) detalhe da face posterior na qual é possível observar o fraturamento da diáfise que resultou em três fragmentos principais. Desses, dois são as próprias diáfises que se prolongam até suas extremidades (setas vermelhas). O terceiro, por outro lado, é um fragmento alongado que se destaca longitudinalmente em relação ao eixo do osso (seta azul). Essa composição lembra uma fratura do tipo borboleta já que é composta por uma fratura transversal (seta preta) e duas fraturas que são quase oblíquas (seta verde). No detalhe à esquerda o orifício de forma triangular de cujo ápice origina-se a fratura transversal e à direita detelha para as fraturas incompletas que irradiavam da extremidaed distal do fragmento alongado. c) e d) vistas latero-posterior e ântero-lateral, mostrando que o fragmento alongado é composto por pelo menos quatro fragmentos distintos (numerados de 1 a 4), dentre os quais um é do tipo sigmoidal (nº4). Além disso, é possível observar uma fratura transversal (seta branca) que faz parte desse fragmento alongado mas que esta alinhada com a outra fratura transversal presente no lado oposto da diáfise (seta preta); e) vista anterior da diáfise, mostrando em detalhe a fratura transversal (seta preta, mesma indica em “b)”).
Figura 24 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Rádio direito. A diáfise encontra-se fraturada em seu terço distal. O padrão é bastante simples, sendo constituído por uma única fratura oblíqua, ainda que seja possível observar um fragmento do tipo sigmoidal.
Figura 25 – Lapa do Santo. Sepultamento 22. Úmero esquerdo. a) Vistas anterior, lateral, posterior e medial; b) e c) vista postêro-lateral e ântero-medial, respectivamente, da região central da diáfise que foi fraturada. Detalhe para as duas fraturas oblíquas (setas pretas) e para a fratura transversal (seta vermelha) que junto compõe uma típica fratura tipo asa de borboleta. A seta azul indica os dois orifícios presentes nos ápices da fratura tipo asa de borboleta. O orifício presente na face postêro-lateral é maior do que o orifício presente na face ântero-medial.
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