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SEPULTAMENTO 27 – LAPA DO SANTO

SEPULTAMENTO 27 – LAPA DO SANTO

Localização Espacial e Estratigráfica

O Sepultamento 27 estava localizado no canto nordeste da quadra L11, incluindo as quadras adjacentes a ela (i.e. L12, M11 e M12). Entretanto, como essas quadras adjacentes não foram escavadas, optou-se por “invadir” ligeiramente seus perfis para proceder à exumação. A Figura 1 mostra os CEQs correspondentes aos níveis que serão discutidos a seguir e na Tabela 1 as cotas correspondentes são apresentadas.

Este sepultamento não aparece em nenhum CEQ. O crânio era o elemento do esqueleto que estava localizado mais acima na cova e, segundo a FES, a cota de seu topo era -0,962. Não foi possível encontrar no registro de campo nenhuma cota indicativa do fundo da cova. A cota mais inferior é de -1,099 e esta associada, ao que parece, à base do crânio. Essa cota será considerada como fundo da cova, caracterizando esse sepultamento como um dos mais profundos do sítio (Figura 2). A princípio, a cota de -0,962 deveria ser utilizada como indicativa do topo desse sepultamento. Entretanto, ele apresenta uma peculiaridade que será exposta a seguir que faz com que não seja esse o caso.

Apesar do Sepultamento 27 em si não aparecer em nenhum dos CEQ, desde o nível 10 até o nível 13 existe uma fácies (F14), que apresenta um contorno circular muito bem delimitado, que se localiza no extremo nordeste da quadra L11. Apesar de não haver nenhuma indicação nesse sentido na documentação de campo, sugiro que essa fácies seja na verdade a cova do Sepultamento 27. Essa posição é baseada não apenas na documentação, mas também na experiência do próprio autor em campo. Durante as escavações do Sepultamento 26, que se encontra adjacente ao Sepultamento 27, já era possível perceber uma “possível” cova no extremo nordeste da quadra.

Assumindo-se que essa interpretação esteja correta, essa cova passa a ser caracterizada como extremamente profunda. Ainda que não seja possível determinar a cota do topo da fácies 14 (i.e. da cova do Sepultamento 27) com precisão, o valor de -0,500 parece uma aproximação razoável. Com isso, a cova teria cerca de 60 centímetros de profundidade. Uma maneira de verificar se essa interpretação esta correta é através da datação direta do Sepultamento 27. Caso o topo de sua cova esteja, de fato, presente desde o nível 10, seria esperado que ele apresentasse idade compatível com a dos sepultamentos encontrados no mesmo nível.

Tabela 1. Cotas verticais iniciais (z)
Quadra Nível NW NE SE SW
L11 1 -0,019 -0,073 0,169 0,160
L11 9 -0,491 -0,457 -0,383 -0,406
L11 10 -0,598 -0,545 -0,486 -0,525
L11 11 -0,703 -0,639 -0,584 -0,624
L11 12 -0,751 -0,740 -0,703 -0,728
L11 13 -0,844 -0,825 -0,781 -0,830
L11 14 -0,962 -0,938 -0,854 -0,876

 

Figura 1 – Lapa do Santo. Sepultamento 27. Croquis de escavação da quadra L11. Em vermelho, regiões onde foram encontrados ossos humanos. Em cinza, blocos de calcário. Reparar na fácies 14, localizada no canto nordeste da quadra, com contorno circular muito bem definido. De acordo com a interpretação aqui proposta essa fácies é a cova do Sepultamento 27, presente portanto desde, pelo menos, o nível 10.

 

Figura 2 – Lapa do Santo. Sepultamento 27. Fotos de campo mostrando a posição do sepultamento em relação aos perfis. a) vista do perfil leste; b) vista do perfil norte. A seta preta aponta o crânio.

 

Descrição do Enterramento

O Sepultamento 27 é constituído pelos ossos de um único indivíduo sub-adulto com idade estimada de 5 anos. A cova apresentava contorno circular bem definido, com cerca de 35 centímetros de diâmetro. Conforme discutido acima, possivelmente, essa cova era particularmente profunda. Absolutamente todos os ossos estavam presentes. A maioria estava em direta conexão e aqueles que não estavam encontravam-se próximos da posição anatômica. Tanto o esqueleto axial como os membros inferiores estavam fletidos. Os joelhos tocavam o crânio. O braço direito estava por baixo das pernas, abraçando-as e o braço esquerdo estava estendido, por baixo da face. Os ossos do pé e da mão encontravam-se próximos entre sí, mas não estavam em conexão anatômica direta. O crânio, ainda que estivesse localizado onde seria esperado, não estava em posição anatômica. O fato da face estar voltada para cima é incompatível com a orientação da coluna cervical e deve ser resultado da ação da gravidade após a decomposição dos tecidos moles. A mandíbula estava corretamente conectada ao crânio e em posição de boca completamente aberta.

Não foram observados sinais de queima, aplicação de ocre, marca de corte ou fraturas típicas de ossos verdes nos ossos deste sepultamento.

Modo de Enterramento

O grau de articulação entre os ossos deixa clara a natureza primária deste sepultamento. A flexão dos membros e do esqueleto axial é resultado do espaço apertado da cova. Todos os casos em que os ossos não estão em direta conexão anatômica podem ser explicados pela ação conjunta da gravidade e da decomposição. A posição do crânio e o fato da boca estar aberta são os resultados mais claros desse processo. Isso indica que havia espaços vazios dentro da cova, permitindo a movimentação dessas partes. Ou seja, a cova não foi totalmente preenchida por sedimentos imediatamente após o enterro. Por outro lado, esse vazio não perdurou por muito tempo, já que a maioria dos ossos foi preservada em sua posição original. O fato de que as partes do esqueleto que não estão em direta conexão anatômica são justamente aquelas que são mantidas juntas pelas articulações que decompõe mais rapidamente oferece apoio para a idéia de que houve um período após o enterro em que a cova estava vazia e que, posteriormente, ela foi preenchida por sedimentos (quer seja intencionalmente ou não). De qualquer maneira, chama a atenção que esse padrão, único no sítio, tenha sido observado justamente na única cova que apresenta uma profundidade tão grande (cerca de 60 centímetros). É importante notar que a geometria dessa cova, um cilindro de 35 centímetros de diâmetro por 60 centímetros de extensão, dificultaria o acesso ao corpo após o enterramento. Isso é importante, pois esse é um dos poucos sepultamentos do sítio no qual não foram observados sinais de manipulação do esqueleto. Outra peculiaridade deste sepultamento, quando comparado aos demais que foram achados na mesma região do sítio, é a ausência de blocos recobrindo o esqueleto.

 

Figura 3 – Lapa do Santo. Sepultamento 27. Foto da exposição 0 e seu respectivo croqui.

 

Figura 4 – Lapa do Santo. Sepultamento 27. Foto da exposição 1 e seu respectivo croqui.

 

Figura 5 – Lapa do Santo. Sepultamento 27. Fotos de campo. a) vista em planta da quadra L11 e adjacentes nos estágios iniciais da exumação; b) detalhe da parte superior da cova, antes mesmo que a primeira exposição fosse efetuada.

 

Figura 6 – Lapa do Santo. Sepultamento 27. Crânio em vista anterior, posterior, lateral direita, lateral esquerda, superior e inferior.

 

Figura 7 – Lapa do Santo. Sepultamento 27. a) vista do maxilar, todos os dentes decíduos estão presentes e é possível observar o primeiro molar permanente em seus estágios iniciais de erupção, os dois incisivos esquerdos foram recuperados na peneira, mas devido a presença de concreção carbonática em suas raízes não foi possível recolocados em seus alvéolos; b) vista da mandíbula, todos os dentes decíduos estão presentes e é possível observar o primeiro molar permanente em seus estágios iniciais de erupção.