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SEPULTAMENTO 3 – LAPA DO SANTO

SEPULTAMENTO 3 – LAPA DO SANTO

Localização Espacial e Estratigráfica

O Sepultamento 3 está integralmente localizado na quadra J10. De acordo com os CEQs ele está restrito ao nível 4 (Figura 1). As cotas de abertura da quadra e dos níveis relacionados estão apresentadas na Tabela 1. Existe uma incompatibilidade entre as cotas de abertura e de fechamento do nível 4, já que estas últimas se encontram acima das primeiras. Além disso, os três blocos encontrados sobre a região da cova no nível 4 apresentam cotas muito superiores às desse nível. A FES indica uma cota associada ao crânio de 0,197 e uma cota indicada como “fim do sepultamento” de 0,059. Essas cotas estão de acordo com aquelas indicadas nos CESs onde, por exemplo, a cota associada a uma vértebra é de 0,134. Estas informações estão de acordo com a profundidade indicada na FES de 1,6 centímetro (i.e. aflorando em superfície). Se as informações dos CESs e das FESs estiverem corretas, isso significa que, ao contrário do que é indicado pelos CEQs, o Sepultamento 3 está presente desde o nível 1 até, possivelmente, o nível 3 da quadra J10. Neste trabalho a cota associada ao crânio (0,197) e a cota indicada como “fim do sepultamento” (0,059) serão consideradas, respectivamente, como cotas do topo e da base do sepultamento.

Figura 1 – Lapa do Santo. Sepultamento 3. Croqui de escavação da quadra J10. Em vermelho, regiões onde foram encontrados ossos humanos. Em cinza, blocos de calcário.

 

Tabela 1. Cotas verticais iniciais (z)
Quadra Nível NW NE SE SW
J10 1 0,094 0,150 0,273 0,271
J10 2 -0,116 0,011 0,265 0,245
J10 3 -0,152 -0,081 0,159 0,121
J10 4 -0,157 -0,223 -0,123 -0,157
J10 5 -0,149 -0,086 0,044 0,012

 

Descrição do enterramento

O Sepultamento 3 é composto pelos ossos do tronco e da cabeça de um único indivíduo adulto do sexo masculino. Esses ossos incluem os dois coxais, o sacro, as vértebras, as costelas, o esterno, as clavículas, o crânio e a mandíbula. Todos esses ossos, com possível exceção do crânio, estavam perfeitamente articulados em sua posição anatômica. O corpo encontrava-se hiperfletido de maneira que o crânio estava sobre a pélvis e a coluna estava fortemente curvada. Apesar da ausência dos membros, é possível afirmar que o corpo se encontra em decúbito lateral esquerdo. Tanto o crânio como a pélvis estavam muito fragmentados, impedindo sua plena remontagem (Figura 6). Ainda assim, fragmentos representando todas as regiões do crânio e da pélvis foram identificados.

O sepultamento estava praticamente aflorando em superfície, de maneira que na FES existe a sugestão de que a ausência dos ossos longos, do pé e da mão poderia ser resultado de processos erosivos. Entretanto, parece pouco provável que processos naturais fossem capazes de selecionar partes anatômicas de forma tão eficaz. Além disso, na medida em que o corpo se encontrava em decúbito lateral esquerdo, a ação da erosão removeria apenas os membros do lado direito e não todos os membros como de fato ocorreu. Por outro lado, parece razoável que a proximidade à superfície seja responsável pela ausência da parte posterior e basal do crânio. Este se encontrava articulado em oclusão com a mandíbula (ou seja, a boca estava fechada; Figura 3). A face estava voltada para baixo, de maneira que a parte posterior do crânio era uma das regiões do esqueleto que estavam localizadas mais acima na cova. Portanto, seria natural que a proximidade à superfície levasse à sua fragmentação e posterior remobilização.

Na FES existe uma indicação de que o crânio parecia ter sido removido de sua posição original, pois o atlas e o áxis estavam localizados no topo do maxilar, com o primeiro acima do segundo. Entretanto, nos CESs não há indicação dessa posição e pelas fotos da escavação é impossível fazer um julgamento preciso a respeito da afirmação. Ainda assim, essa posição “invertida” do atlas em relação ao áxis alegada na FES parece ser simples consequência do fato de o crânio estar com a face voltada para baixo. Além disso, a afirmação contida na FES, segundo a qual o crânio estaria “fora de sua posição original”, não parece proceder. Afinal, a posição do crânio é absolutamente coerente com o grau de flexão do corpo (i.e. da espinha dorsal). A mandíbula estava articulada e a boca fechada, o que sugere fortemente que o crânio não tenha sido removido.

Modo de enterramento

A ausência dos membros superiores e inferiores deve ser resultado do desmembramento intencional do corpo. O grau de articulação do esqueleto deixa claro que os ossos dos membros ausentes não foram retirados muito tempo após o enterramento, mas sim antes que o corpo fosse decomposto. A conclusão imediata é que todos os quatro membros foram separados do corpo enquanto este ainda apresentava tecidos moles. Devido ao altíssimo grau de articulação dos ossos, fica claro que o desmembramento foi feito antes que qualquer tipo de processo de decomposição agisse sobre o corpo (i.e logo após o falecimento).

Entretanto, a ausência de marcas de corte nos ossos desse sepultamento enfraquece essa hipótese. Outra possibilidade é que a ausência desses ossos seja consequência de processos de esvaziamento da cova. No entanto, os seguintes pontos tornam isso pouco plausível. O alto grau de seleção anatômica não é compatível com um processo de esvaziamento de cova. A retirada de todos os ossos longos teria gerado algum distúrbio nos demais ossos, porém o grau de articulação é tão alto que até o esterno se encontrava em sua posição original. Por fim, não existem outros sepultamentos adjacentes a esse.

Figura 2 – Lapa do Santo. Sepultamento 3. Foto da exposição 1 e seu respectivo croqui.

 

Figura 3 – Lapa do Santo. Sepultamento 3. Foto da exposição 2 e seu respectivo croqui.

 

Figura 4 – Lapa do Santo. Sepultamento 3. Foto da exposição 3 e seu respectivo croqui.

 

Figura 5 – Lapa do Santo. Sepultamento 3. Foto exposição 4 e seu respectivo croqui. Reparar no altíssimo grau de conexão anatômica.

 

Figura 6 – Lapa do Santo. Sepultamento 3. Vista superior da calota craniana (esquerda). Vista superior do maxilar (direito). Detalhe para o posicionamento anormal de ambos os caninos. O retângulo branco tem lados de 1 e 2 centímetros.