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SEPULTAMENTO 4 – LAPA DO SANTO

SEPULTAMENTO 4 – LAPA DO SANTO

Localização Espacial e Estratigráfica

De acordo com os CEQs, o Sepultamento 4 estava localizado no noroeste da quadra J10 e no sudoeste da quadra J11 e estava totalmente contido no nível 4 de ambas as quadras (Figura 1). Conforme é possível verificar na tabela 1, a cota inicial do nível 4 na região onde se encontra o Sepultamento 4 é de -0,157 em ambas as quadras. Já a base do nível 4 para a mesma região apresenta cota de -0,164 para a quadra J10 e de -0,171 para a quadra J11. Portanto, de acordo com as fichas de escavação e os croquis das quadras, o Sepultamento 4 estaria entre essas cotas.

No croqui das últimas exposições desse sepultamento não há nenhuma indicação de cota vertical. Por outro lado, na FES há uma indicação entre parênteses no campo “Profundidade” de que sua base estaria na cota de -0,057. A cota indicada pela FES não coincide com aquela disponível nos CEQs. Caso a cota de -0,057 esteja correta, isto significa que o Sepultamento 4 nem sequer chegou ao nível 4, conforme indicado nos CEQs.

Apesar do conflito de informações, parece razoável assumir que as cotas informadas pelos CESs e pela FES são mais confiáveis. Portanto, as cotas do topo e da base que serão consideradas para o Sepultamento 4 são, respectivamente, de 0,074 e de -0,057. Assim, o enterramento apresenta cerca de 13 centímetros de espessura, dos quais os 5 primeiros são relativos à camada de blocos que o recobria.

Descrição do Enterramento

As Figuras 2 a 8 apresentam as fotos e os CESs de cada exposição desse sepultamento. O Sepultamento 4 estava recoberto pela estrutura de blocos EB-9 (ver seção ‘Estrutura de Blocos‘ para maiores detalhes sobre essa estrutura). O croqui da primeira exposição deixa pouca dúvida de que essa estrutura esteja realmente associada ao sepultamento. Os blocos não só estavam a menos de 1 centímetro do esqueleto, como sua delimitação horizontal coincidia quase que perfeitamente com a do enterramento.

Abaixo da camada de blocos havia um esqueleto praticamente completo de um único indivíduo subadulto com idade estimada de cerca de 5 anos. Os ossos encontravam-se bastante fragmentados e quase nenhuma lógica anatômica pôde ser observada. No fundo da cova foram encontrados as duas escápulas, fragmentos de vértebras (possivelmente cervical) e algumas costelas (curtas, possivelmente da primeira a quinta costela). Diretamente acima desses ossos encontravam-se o occipital e, logo ao lado, o parietal. A presença das duas escápulas, das vértebras, das costelas e do occipital é o único exemplo de lógica anatômica no enterramento.

A posição do osso da bacia dentro da calota craniana sugere que esta tenha sido utilizada como um recipiente (ver Figura 7). Entretanto, essa pode não passar de uma associação fortuita. Acima desses ossos, mas não diretamente sobre eles, estavam os ossos longos cuja disposição não apresenta nenhuma lógica anatômica. Na mesma altura desses ossos longos, a mandíbula estava presente em posição vertical, com o queixo voltado para cima. Em meio aos ossos longos havia diversos fragmentos do maxilar e da bacia. Por fim, o outro parietal estava localizado no extremo nordeste do enterramento.

Dois tipos distintos de fragmentação dos ossos puderam ser observados. Um deles diz respeito à fragmentação sem que a conexão original entre os pedaços de um mesmo osso fosse perdida. Todos os ossos longos e o crânio apresentavam esse tipo de fragmentação. Por outro lado, no crânio, outro tipo de fragmentação também pôde ser observado. Nele, partes de um mesmo osso foram movidas para posições distintas no enterramento. Assim, enquanto o neurocrânio se encontrava no extremo sudeste da região onde o corpo foi enterrado, a mandíbula, o maxilar e um osso temporal estavam no extremo noroeste da mesma área. O próprio neurocrânio encontrava-se dividido em três partes distintas e desconectadas entre si (grosseiramente correspondendo aos dois parietais e ao occipital) (ver Figura 6). Cada uma dessas partes do neurocrânio, por sua vez, apresentava o primeiro tipo de fragmentação. Outro osso em que esse tipo de desagregação foi observado é o da bacia. O ílio direito encontrava-se no fundo do sepultamento, dentro de uma das três partes em que o neurocrânio estava dividido (ver Figura 7), enquanto o ílio esquerdo estava bem acima. Entre os dois ílios havia diversas costelas e fragmentos de crânio.

Uma explicação possível para esse segundo tipo de fragmentação, que levou à separação de partes de um mesmo osso, seria a perturbação por processos pós-deposicionais. Entretanto, a presença de ossos longos, que apesar de fragmentados estavam inteiros (ver úmero e fêmur nas Figuras 11), localizados entre os ossos dispersos do crânio, torna essa possibilidade pouco plausível. Afinal, qualquer perturbação que fosse capaz de separar ossos de um crânio em partes distantes em mais de 20 centímetros teria de levar a uma dispersão análoga dos fragmentos dos demais ossos. Entretanto, isto não ocorre com os ossos longos que, apesar de estarem fragmentados, apresentam suas partes constituintes em conexão, indicando que o processo que levou a esse tipo de fragmentação não envolveu a movimentação dos ossos atingidos (5).

Portanto, de acordo com as observações feitas acima, o primeiro tipo de fragmentação observado deve estar associado ao sobrepeso gerado não só pela camada de blocos que recobre o enterramento, como também pela ocupação humana da Lapa do Santo. Por outro lado, o segundo tipo de fragmentação, que leva à desconexão das partes de um mesmo osso, deve ser resultado de ação antrópica direta.

Em alguns ossos foi observada a presença de regiões com coloração avermelhada (Figuras 12 a 14). No úmero esquerdo e na tíbia direita, a coloração é muito evidente, pois há uma fina camada de pó vermelho recobrindo os ossos. Em outros ossos, como o fêmur direito, o ílio esquerdo e as costelas, a coloração é menos intensa e tem origem na tonalidade do próprio osso, não sendo possível observar a camada de pó vermelho propriamente dita. Essa coloração vermelha deve ser resultado da aplicação de ocre. Isto oferece suporte para a interpretação acima, segundo a qual a disposição espacial dos ossos do Sepultamento 4 é resultado de ação humana direta (i.e. ritual).

Modo de enterramento

O corpo desse indivíduo foi manipulado antes ou durante o processo de enterramento. Entretanto, não parece se tratar de um sepultamento “secundário”, pelo menos não no sentido de que houve um enterro primário no qual os tecidos moles foram completamente decompostos seguido por uma exumação e um novo enterro. Neste caso, não seria esperado que ossos tão pequenos como as epífises não fusionadas dos ossos longos e as falanges da mão e do pé estivessem presentes, e eles estão. Além disso, o conjunto encontrado no fundo da cova, no qual escápulas, vértebras, costelas e occipital se encontravam, grosso modo, em disposição anatômica, sugere que pelo menos em algum grau os tecidos moles ainda estavam presentes no momento do enterro.

 

Tabela 8.4.1. Cotas verticais iniciais (z)
Quadra Nível NW NE SE SW
J10 1 0,094 0,150 0,273 0,271
J10 2 -0,116 0,011 0,265 0,245
J10 3 -0,152 -0,081 0,159 0,121
J10 4 -0,157 -0,223 -0,123 -0,157
J10 5 -0,164 -0,145 0,008 -0,020
J11 1 -0,103 -0,030 0,150 0,094
J11 2 -0,102 -0,031 0,011 -0,116
J11 3 -0,224 -0,198 -0,018 -0,152
J11 4 -0,251 -0,223 -0,123 -0,157
J11 5 -0,265 -0,245 n/d -0,171

 

Figura 1 – Lapa do Santo. Sepultamento 4. Croquis de escavação de quadra. Em vermelho, regiões onde foram encontrados ossos humanos. Em cinza, blocos de calcário.

 

Figura 2 – Lapa do Santo. Sepultamento 4. Foto da exposição 1 e seu respectivo croqui. Os dentes indicados no croqui são humanos.

 

Figura 3 – Lapa do Santo. Sepultamento 4. Foto da exposição 2 e seu respectivo croqui. O neurocrânio encontra-se na porção sudeste, enquanto o maxilar e a mandíbula estão na porção noroeste.

 

Figura 4 – Lapa do Santo. Sepultamento 4. Foto da exposição 2 e seu respectivo croqui. O neurocrânio encontra-se na porção sudeste, enquanto o maxilar e a mandíbula estão na porção noroeste.

 

Figura 5 – Lapa do Santo. Sepultamento 4. Foto da exposição 4 e seu respectivo croqui. Reparar que, apesar de fragmentado, as partes do fêmur (indicado pela seta) encontram-se em conexão, indicando que não ocorreram grandes movimentações em decorrência do processo que gerou a fragmentação.

 

Figura 6 – Lapa do Santo. Sepultamento 4. Foto da exposição 5 e seu respectivo croqui.

 

Figura 7 – Lapa do Santo. Sepultamento 4. Foto da exposição 6 e seu respectivo croqui.

                                                                                                  

Figura 8 – Lapa do Santo. Sepultamento 4. Croqui da exposição 7. Foto comprometida por razões técnicas.

 

 

Figura 9 – Lapa do Santo. Sepultamento 4. Crânio em norma frontal e lateral esquerda. O retângulo branco têm lados de 1 e 2 cm.

Figura 10 – Lapa do Santo. Sepultamento 4. Mandíbula (à esquerda) e maxilar (à direita) (o retângulo branco têm lados de 1 e 2 cm).


Figura 11 – Lapa do Santo. Sepultamento 4. Fêmur, tíbia, fíbula, úmero e ulna. Apesar de muito frágeis, os ossos encontram-se praticamente inteiros (o retângulo branco têm lados de 1 e 10 cm).

 

Figura 12 – Lapa do Santo. Sepultamento 4. Úmero esquerdo com regiões avermelhadas (possivelmente aplicação de ocre). O retângulo branco têm lados de 1 e 2 cm.

 

Figura 13 – Lapa do Santo. Sepultamento 4. Tíbia direita com regiões avermelhadas (possivelmente aplicação de ocre).

 

Figura 14 – Lapa do Santo, Sepultamento 4. Fêmur direito com regiões avermelhadas (à esquerda) e costela com regiões avermelhadas (à direita). Possivelmente aplicação de ocre.