SEPULTAMENTO 5 – LAPA DO SANTO
Localização Espacial e Estratigráfica
O Sepultamento 5 foi encontrado na região nordeste da quadra K11. A Figura 1 mostra os CEQs correspondentes aos níveis que serão discutidos a seguir. As cotas de abertura da quadra e dos níveis estão apresentadas na Tabela 1. Segundo os CEQs este sepultamento aparece no nível 3 e permanece até o nível 6. De acordo com as cotas dos níveis, isso implica que ele se localiza entre -0,019 e -0,289. Já no CES, a cota mais elevada, associada à primeira exposição, é de -0,081 e a cota indicada como base da cova é de -0,359. Esses valores estão, grosso modo, em acordo. Ainda assim, os valores indicados pelo CES fariam com que o sepultamento também estivesse presente no nível 7. Neste trabalho, os valores indicados no CES serão utilizados como topo e base do Sepultamento 5.
Nenhum bloco recobria o sepultamento.
Tabela 1. Cotas verticais iniciais (z) | |||||
Quadra | Nível | NW | NE | SE | SW |
K11 | 1 | -0,030 | -0,019 | 0,160 | 0,150 |
K11 | 2 | -0,040 | -0,040 | 0,160 | 0,120 |
K11 | 3 | -0,198 | -0,134 | -0,043 | -0,053 |
K11 | 4 | -0,230 | -0,138 | -0,110 | -0,136 |
K11 | 5 | -0,247 | -0,233 | -0,179 | -0,150 |
K11 | 6 | -0,300 | -0,236 | n/d | n/d |
K11 | 7 | -0,305 | -0,289 | -0,203 | -0,278 |
K11 | 8 | -0,383 | -0,357 | -0,250 | -0,323 |
Figura 1 – Lapa do Santo. Sepultamento 5. Croquis de escavação de quadra. Em vermelho, regiões onde foram encontrados ossos humanos. Em cinza, blocos de calcário.
Descrição do enterramento
O Sepultamento 5 é composto pelos ossos de um único indivíduo adulto do sexo masculino[1]. As Figuras 2 a 16 apresentam as fotos e os CESs de cada exposição. A cova apresenta um contorno alongado, não circular. Os ossos estão muito próximos uns dos outros, não havendo espaços vazios na cova. Os ossos estavam em sua maioria desarticulados, mas algumas regiões em particular mantiveram a lógica anatômica. No fundo da cova, por exemplo, apesar de os ossos do pé não estarem articulados com a parte distal da tíbia, eles foram recuperados todos numa mesma região circunscrita de não mais do que 10 centímetros de diâmetro. O mesmo pode ser dito em relação aos ossos da mão, que se encontravam no extremo oposto da cova. A última vértebra lombar estava em posição anatomicamente coerente com o sacro. Também no fundo da cova, foram encontrados dentes, fragmentos do basicrânio, costelas características da parte superior do tronco e uma clavícula. Na Figura 17 são mostradas fotos de campo em que é possível observar essas feições.
Os ossos longos foram dispostos logo acima dos ossos presentes no fundo da cova. Formavam um feixe de ossos em que as diáfises se encontravam, grosso modo, paralelas entre si. Todos os osso longos, sem exceção, faziam parte desse feixe, cujo eixo fazia um ângulo de 45º com a superfície do sítio[2]. Sobre os ossos longos, na porção oeste do sepultamento, foram encontrados os dois coxais. Também acima do conjunto de ossos longos, só que mais a leste, foram encontradas todas as costelas, que estavam amontoadas numa região de não mais do que 20 por 10 centímetros. Imediatamente acima delas estavam as duas escápulas. A quase totalidade dos ossos do crânio, muito fragmentado, mas em posição anatômica, estava acima dos coxais, na porção sudoeste do sepultamento. O crânio foi parcialmente remontado (Figura 18).
Os seguintes ossos apresentavam incisões que foram interpretadas como marcas de corte: fêmur direito, fêmur esquerdo, fíbula direita, rádio direito, ulna direita. No caso de ambos os fêmures as incisões estavam presentes em suas extremidades proximais. No fêmur esquerdo havia quatro incisões de canal simples com cerca de 5 milímetros de comprimento localizadas na parte medial do pescoço e transversais a ele (Figura 19a). No fêmur direito também foram observadas duas incisões de canal simples na mesma região do pescoço. Entretanto, elas eram ligeiramente menores, com cerca de 3,5 milímetros de extensão, e pareciam ser menos profundas (Figura 19b). Ainda no fêmur direito, foi identificada uma incisão extensa e de canal composto na parte proximal do troncanter maior que estava orientada de forma oblíqua ao eixo do osso longo (Figura 19c). Na extremidade distal da fíbula direita foram identificadas, em sua parte lateral, duas incisões curtas com 2,9 e 1,8 milímetros de extensão. Uma apresentava canal simples e, a outra, canal composto, sendo a primeira transversal e a segundo oblíqua ao eixo do osso (Figuras 19d e 19e).
Nos membros superiores também foram identificadas incisões. Na ulna direita existem duas regiões em que essas ocorrem, uma na epífise proximal e a outra na porção proximal da diáfise. Na epífise existem duas incisões de cerca de 4 milímetros de comprimento sendo uma de canal simples e uma de canal composto (Figura 19g). Elas são paralelas entre si e transversais ao eixo do osso. Na diáfise, as duas incisões presentes também se encontram na parte posterior do osso (Figura 19h). Essas duas incisões são pequenas com cerca de 2 milímetros de extensão. Uma apresenta canal simples e, a outra, canal duplo. Uma vez que elas não só são paralelas como também estão alinhadas parece que foram geradas por um único gesto.
Também no rádio direito foram identificados um conjunto de incisões na diáfise e outro na epífise proximal. O primeiro conjunto era composto por pelo menos 7 incisões com tamanhos variando entre 2,5 e 4 milímetros. Todas com canal simples, essas incisões encontravam-se paralelas entre si e oblíquas ao eixo do osso (Figura 19j). O conjunto de incisões localizados na epífise proximal do rádio direito era formado por 4 incisões de tamanhos variados (apresentando comprimentos de 0,7 até 5,5 milímetros) mas paralelas entre si (Figura 19k). Conforme é possível observar na Figura 19f, quando a ulna direita e o rádio direito são colocados em posição anatômica, as incisões presentes nas epífises desse e na diáfise daquela encontram-se alinhadas, sugerindo que eles estavam articulados no momento em que elas foram feitas.
Também foram observadas nítidas marcas de corte num fragmento de osso não identificado (Figura 19l). A espessura do córtex sugere se tratar da metáfise de algum osso longo de maior porte, possivelmente a tíbia ou o fêmur. A presença de marcas de corte nesse fragmento é importante para enfatizar que, devido à fragmentação dos ossos longos, particularmente suas extremidades, muitas marcas de corte podem ter se perdido. Portanto, a descrição feita acima deve ser vista como um quadro necessariamente parcial.
O alto grau de desarticulação dos ossos desse sepultamento e a similaridade dessas incisões com aquelas presentes em ossos indubitavelmente cortados (por exemplo, a parte distal do úmero do Sepultamento 17) tornam muito provável que tais incisões sejam marcas de corte.
Modo do enterramento
A presença de um feixe de ossos longos deixa claro que esse sepultamento encontra-se em contexto secundário. Entretanto, a presença de marcas de corte nitidamente associadas ao processo de desmembramento e o fato de que alguns ossos mantiveram-se em conexão anatômica, incluídos aí os da mão, mostram que os tecidos moles ainda estavam presentes, pelo menos em algum grau quando, foi realizada a desarticulação dos ossos.
Figura 2 – Lapa do Santo. Sepultamento 5. Foto da exposição 1 e seu respectivo croqui. A mancha verde é apenas um defeito de fotografia.
Figura 17 – Lapa do Santo. Sepultamento 5. Fotos de campo tiradas em ângulo para permitir uma apreciação do componente vertical deste sepultamento. a) exposição 3; b) exposição 4; c) exposição 5; d) exposição 8.
Figura 18 – Lapa do Santo. Sepultamento 5. Vistas frontal, lateral direita, superior e inferior. O retângulo branco tem 10 centímetros de comprimento.
Figura 19 – Lapa do Santo. Sepultamento 5. Detalhe para as incisões interpretadas como marcas de corte presentes nos ossos longos. Com exceção da foto “k” em todas as demais a extremidade proximal do osso encontra-se na parte superior da imagem. a) vista medial do pescoço do fêmur esquerdo; b) vista medial do pescoço do fêmur direito; c) vista lateral da extremidade proximal do fêmur direito (logo acima do trocanter maior; d) e e) vista lateral da extremidade distal da fíbula direita; f) vista posterior da ulna e do rádio direito, as setas apontam as incisões que sugerem que esses ossos estavam articulados no momento do corte; g) vista posterior da extremidade proximal da ulna direita; h) vista posterior/lateral da diáfise da ulna direita; i) vista posterior da ulna direita; j) vista posterior da parte proximal da diáfise do rádio direito; k) vista posterior da extremidade proximal do rádio direito; l) fragmento de osso não identificado com diversas incisões.
Figura E1 – Lapa do Santo. Sepultamento 5. Microscopia eletrônica de varredura das incisões localizadas no pescoço do fêmur esquerdo.
Figura.E1 – Lapa do Santo. Sepultamento 5. Microscopia eletrônica de varredura das incisões localizadas no pescoço do fêmur esquerdo (continuação).
Figura E2 – Lapa do Santo. Sepultamento 5. Microscopia eletrônica de varredura das incisões localizadas no pescoço do fêmur direito.
Figura E3 – Lapa do Santo. Sepultamento 5. Microscopia eletrônica de varredura das incisões localizadas na fíbula direita.
Figura E4 – Lapa do Santo. Sepultamento 5. Microscopia eletrônica de varredura das incisões localizadas na ulna direita.
Figura E5 – Lapa do Santo. Sepultamento 5. Microscopia eletrônica de varredura das incisões localizadas no rádio direito.
[1] Na FES está indicado que este era um sepultamento duplo já que teriam sido encontrados dois rádios do mesmo lado. Entretanto, após análise do material, foram encontrados apenas um rádio direito e um rádio esquerdo.
[2] Na FES há uma observação de que o conjunto de ossos longos apresentava “um ângulo de aproximadamente 45 graus”. O mais provável é que esse ângulo se refira à inclinação dos ossos longos em relação à superfície.
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