Projetos

28 de maio de 2024

As células Natural Killer (NK), principal subtipo dentre as células linfoides inatas, podem afetar a frequência e a auto-renovação das células-tronco hematopoéticas (CTH) normais por meio de suas propriedades secretórias e citotóxicas (Figueiredo-Pontes LL, et al. Improved hematopoietic stem cell transplantation upon inhibition of natural killer cell-derived interferon-gamma. Stem Cell Reports. 2021 Aug 10;16(8):1999-2013). Por outro lado, nossos dados preliminares sugerem um desvio das células NK de altamente citotóxicas para imaturas e secretórias que favorece a sobrevivência de Células Iniciadoras da Leucemia (LICs, do inglês, leukemic-initiating cells) e pode contribuir para a leucemogênese em neoplasias mieloproliferativas (Fernandes de Oliveira Costa A, et al. Altered distribution and function of NK-cell subsets lead to impaired tumor surveillance in JAK2V617F myeloproliferative neoplasms. Front Immunol. 2022 Sep 23;13:768592) e leucemia mieloide aguda (Fernandes de Oliveira Costa A, et al. Dysregulated Activating and Inhibitory Receptors on Natural Killer Cells Predicts Immune Escape and Poor Outcomes in Acute Myeloid Leukemia, Blood 140 (S1): 9113-9114, ASH 2022). Estas e outras evidências de evasão imune em diversos modelos de leucemia nos levam à hipótese de que as LICs sejam resistentes à imunidade inata (em particular às células NK). É possível que a exposição ao microambiente leucêmico impeça a maturação funcional e a atividade antileucêmica das células imunes. Adicionalmente, a resistência antitumoral ao nível da LIC pode se dever à deficiência de ligantes ao nível da célula tumoral, sejam estes receptores ou moléculas essenciais para a atuação das células efetoras. Nesse contexto, uma caracterização profunda da disfunção imune de células citotóxicas com papel antitumoral pode ser a base científica para o desenvolvimento de estratégias para restabelecer a imunidade antitumoral, especialmente para malignidades mieloides, doenças raramente curáveis com os tratamentos disponíveis.


1. Identificar os mecanismos moleculares que reduzem a citotoxicidade de células imunes em neoplasias mieloides
O foco da pesquisa é a variabilidade molecular das células citotóxicas e seus mecanismos de evasão imunológica na fisiopatologia das neoplasias mieloides. Pretende-se realizar mapeamento transcricional e imunofenotípico de células imunes presentes em modelos de neoplasias mieloproliferativas (NMP) e leucemia mieloide aguda (LMA) por meio de sequenciamento de RNA (single-cell RNA-seq) e citometria de fluxo multiparamétrica de pacientes com neoplasias mieloides e células primárias de modelos murinos leucêmicos quiméricos. Esperamos que a caracterização robusta das células imunes inatas revele as vias de sinalização envolvidas na interação NK:LIC e contribua para o desenvolvimento de estratégias capazes de restabelecer o efeito imune antitumoral em neoplasias mieloides.

2.  Avaliar o impacto da citotoxicidade imune na resposta ao tratamento de neoplasias mieloides
Será realizada a correlação da frequência, maturação e função NK com o estado de doença residual mensurável (DRM) em pacientes com leucemia mieloide crônica (LMC) tratados com inibidores de tirosina quinase (ITQ) e pacientes com LMA submetidos à indução/consolidação. Na LMC, embora a vigilância imunológica mediada por NK tenha sido relatada como preditor de sucesso da remissão livre de tratamento, não é conhecida a relação entre a cinética de quantificação do BCR::ABL1 e a caracterização fenotípica e funcional destas células. Portanto, propomos investigar perfis citotóxicos diferenciais de pacientes com diferentes respostas aos ITQ. Na LMA, temos dados preliminares mostrando frequência reduzida de células NK citotóxicas, sendo que a correlação entre ativação, inibição e função de células imunes citotóxicas e a estratificação de risco genética bem como com a presença de DRM será avaliada.

3. Identificar mecanismos funcionais e alvos do efeito do microambiente leucêmico que levam à disfunção imune nas neoplasias mieloides
A compreensão das disfunções das subpopulações citotóxicas nas neoplasias mieloides requer investigar se o ambiente leucêmico impede diretamente a maturação das células imunes citotóxicas, resultando em diminuição da atividade antileucêmica. Essa hipótese é apoiada por dados preliminares gerados pelo grupo de Robert Welner (UAB, EUA) em sua análise do perfil de expressão gênica proveniente de dados públicos (GSE109125) para comparar a assinatura IL-6/STAT3 entre diferentes estágios de maturação NK em células humanas e murinas. Curiosamente, verificou-se que a assinatura da transcrição de IL6/STAT3 é enriquecida no subconjunto NK produtor de citocinas imaturas em ambas as espécies, sugerindo que a ativação desse eixo na leucemia pode conduzir ao desvio funcional. Em concordância, o conjunto de dados de RNA-seq de célula única (GSE116256) na medula óssea de pacientes com LMA e voluntários saudáveis mostrou regulação negativa de genes associados à maturação e citotoxicidade das células NK. Por meio da geração de modelos leucêmicos quiméricos de LMC, NMP e LMA (Bcr:Abl1, Jak2V617F e Flt-3/Tet2, respectivamente), ou seja, modelos que preservem parcialmente o sistema imune dos receptores de células leucêmicas, observaremos as modificações de células citotóxicas T e NK após a exposição à leucemia por meio de caracterização fenotípica de frequência, maturação, receptores, citotoxicidade bem como citocinas do meio leucêmico (como IL-1β, IL-6, IL-10, TNFα). De posse desses dados, e, em conjunto com as vias de sinalização identificadas por análises de célula única, a identificação de potenciais moléculas capazes de neutralizar o efeito prejudicial sobre o microambiente consiste em um objetivo sequencial.

A leucemia mieloide crônica (LMC) é uma neoplasia mieloproliferativa tratada atualmente com inibidores de tirosinoquinase (ITQ), drogas de alto custo fornecidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A introdução dos ITQs mudou a história natural da doença, diminuindo drasticamente as taxas de transformação para fase blástica, aumentando a sobrevida dos pacientes, de uma taxa histórica de 10-20% para acima de 80%, resultando numa expectativa de vida atual semelhante à da população normal. Por outro lado, o consequente aumento da prevalência da LMC gera um aumento progressivo do impacto econômico sobre o SUS. Além disso, o uso prolongado dos ITQ está associado a eventos adversos crônicos associados a redução da qualidade de vida destes pacientes. Estudos recentes mostram que o tratamento com ITQ pode ser descontinuado em uma parcela significativa de pacientes que obtêm resposta molecular profunda sustentada, o que representa uma oportunidade para redução da toxicidade a longo prazo e do impacto econômico deste tratamento para o SUS. Entretanto, a remissão livre de tratamento a longo prazo ainda é uma realidade para uma minoria dos pacientes, e não há até o momento definição clara de biomarcadores que permitam predizer a chance de manutenção ou perda da resposta molecular após a suspensão do ITQ. Assim, esta proposta consiste em estudo de iniciativa dos investigadores, multicêntrico, aberto, prospectivo, não randomizado, de único braço para avaliação da efetividade e eficiência de um protocolo de descontinuação de ITQs no SUS, por meio da análise de: (1) varáveis clínicas como tempo de remissão livre de terapia, cinética da resposta molecular do BCR-ABL1, segurança desta estratégia, qualidade de vida e custo-efetividade para os participantes bem como (2) da avaliação de biomarcadores possivelmente associados à manutenção da resposta molecular maior sustentada tais como expressão de microRNAs e fenótipo de células citotóxicas T e Natural Killer (NK).