Metamorfose – Direito & Literatura

Vozes de Tchernóbil – por Svetlana Alexievich

Vozes de Tchernóbil – por Svetlana Alexievich

Vozes de Tchernóbil e as reflexões sobre o desastre nuclear e suas implicações para o século XX

Grupo Metamorfose

Vozes de Tchernóbil e suas reflexões sobre o desastre nuclear e suas implicações para o século XX exploram as narrativas pessoais da catástrofe de Chernobyl, destacando temas de política, ciência, humanidade e os efeitos globais do acidente, trazendo uma análise profunda sobre a história e a cultura eslava.

Da Obra

“Vozes de Tchernóbil”, da bielorrussa Svetlana Alexievich, é uma obra de não-ficção composta pela coleta de relatos de pessoas diretamente afetadas pelo acidente da usina nuclear soviética, em abril de 1986. A autora se põe à tentativa de “esculpir a imagem de uma época”, extraindo das histórias das testemunhas do acidente uma rica multiplicidade de significados sobre a catástrofe nuclear de Tchernóbil.

Assim sendo, os relatos não deixam de explorar dimensões amplas da explosão do reator 04 da usina, com relevantes temáticas que se repetem e se renovam ao longo de todo o livro. Por exemplo, algumas narrativas tomam o tom de denúncia ao descaso das autoridades soviéticas com a necessidade de evacuação e tratamento da população afetada: “As pessoas de qualquer modo vão morrer de alguma coisa: tabaco, acidente de automóvel, suicídio” (p. 213) – é o que o físico Vassíli Nesterénko teria ouvido de um de seus superiores à época. Também, tomam lugar descrições das diversas facetas do conflito entre ciência, conspiração política e censura sofridas por jornalistas, cientistas e população, mas também surgem lembranças do comprometimento de liquidadores e autoridades na Guerra impossível para minimizar os efeitos invisíveis da radiação.

Algumas reflexões

Soma-se a isso uma riqueza histórica e cultural que marca a pluralidade humana característica deste conjunto de vozes narradoras. E, nesse sentido, tomam destaque reflexões sobre o fatalismo do povo eslavo, bem como do alívio e identificação encontrado pelos sobreviventes de Tchernóbil em suas piadas, seu humor, suas músicas e literaturas: “Mas a arte, como o soro do infectado, pode se converter em vacina para outra experiência. Tchernóbil é um tema dostoievskiano. Um tentame de justificativa do homem” (p. 177), segundo o historiador Aleksandr Reválski.

Ademais, as narrativas são permeadas de historicidade, o que é evidenciado pelo fato de que, além da radiação, muitos entrevistados foram vítimas da Guerra do Afeganistão e da 2ª Grande Guerra: “Quando explodiu o reator, a minha mãe ainda estava viva; ela repetia – O pior, filho, nós já passamos. Sobrevivemos ao bloqueio [de Leningrado, 1943]. Nada pode ser pior”, como relata a professora Nina Konstantínovna. E, nesse meio, submergem problemáticas tão universais quanto o amor, a família, a pátria e a amizade em meio à crise humana que se instaurou em Tchernóbil; são situações, afinal, nas quais “até Shakespeare emudece” (p. 37), segundo a autora.

Alexievich conclui que não só o homem soviético, mas todo o mundo, estava se preparando para uma Guerra nuclear, não para o acidente de Tchernóbil. O texto sugere que as reações à explosão do reator escancararam o despreparo a nível global para a resolução dos problemas que decorreram do acidente. Em Tchernóbil, não se encontrou uma justificativa política na perversão de um inimigo, que impedia a auto-realização harmoniosa de uma sociedade perfeita (como se prega[va] no discurso), mas sim um erro técnico no manejo da energia nuclear, presente em todo o mundo. Por isso, o acidente do reator 04 parece ter revelado o substrato da “natureza mortalmente adoecida do humano” (para emprestar uma expressão de Hegel), na passagem para o Séc. XXI.

Trechos

E assim, as substâncias gasosas e voláteis se dispersaram pelo globo:

“em 2 de maio foram registradas no Japão; no dia 4, na China; no dia 5, na Índia; e em 5 e 6 de maio, nos Estados Unidos e no Canadá. Em menos de uma semana, Tchernóbil se tornou um problema para o mundo inteiro” (pág. 11).

Talvez por isso, a autora ainda conclui que “cada bielorrusso é uma espécie de ‘caixa-preta’ viva, registra as informações para o futuro. Para todos” (p. 32), caixa-preta essa fomentada pelas revelações e questionamentos levantados por Tchernóbil:

“Em qualquer intervalo de fábrica você encontra um Aristóteles (…) Somos metafísicos. Vivemos nas nossas conversas. Nossas palavras” (p. 195)

como narra o liquidador e fotógrafo Víktor Latun.

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