Metamorfose – Direito & Literatura

Mineirinho – por Clarisse Lispector

Mineirinho – por Clarisse Lispector

Data do encontro: 4 de dezembro de 2020

E no ano do centenário de Clarice Lispector, suas obras reflexivas e profundas se mostram compostas por diversas camadas ainda em descoberta. Sua crônica “Mineirinho” aborda, de forma bastante complexa e intensa, as impressões de Clarice acerca do assassinato cruel de um “facínora”, morto com 13 tiros disparados pela polícia no Rio de Janeiro de 1960.

Para além das questões que permeiam a crítica à violência desmedida por parte do Estado, “Mineirinho” demanda um olhar abrangente, capaz de acompanhar suas incalculáveis significações. A visão de um homem brutalmente metralhado se torna porta de acesso tanto para um questionamento da justiça convencional, a qual considera “normal” e questão de “segurança” matar um bandido, porque assim deve ser; quanto para a miragem de uma justiça outra, “justiça prévia” nas palavras do texto: “aquela que vê o homem antes de ele ser um doente do crime”.

Para além, a crônica permeia as próprias impressões de Clarice, demonstrando uma verdadeira culpa por parte da autora, por se sentir responsável, de certa forma, como parte da sociedade que marginaliza e criminaliza, brutalmente, Mineirinho. Ao relatar o assassinato, descreve uma progressão matemática, escalonando seus sentimentos conforme o aumento do número de tiros em Mineirinho: primeiro sente alívio e segurança, ao final está espantada, horrorizada, e o último tiro a mata – pois neste ponto há a aproximação da autora ao outro, empatia, compaixão, e percebe a crueldade em se atirar tantas vezes, mas não consegue se desfazer do sentimento de segurança ao se “eliminar” um criminoso.

A crônica deixa claro que, antes mesmo dos treze tiros, o bandido já estava destruído, pisado e perdido como indivíduo. Logo, compreende-se o sentido de resgatar o homem antes de se tornar um doente do crime, que o texto de Clarice existe e evidencia sua alçada política.

– Júlia Veiga Camacho
– Ramirhis Laura Xavier Alves

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