Projeto – Leitura de emoções a partir das expressões faciais de cães por humanos

 

Darwin no seu livro “A expressão das emoções no homem e nos animais” propôs uma abordagem categórica ao estudo das emoções classificando-as em categorias básicas como alegria, medo, raiva, nojo. Três décadas mais tarde, Wundt (1905), propôs uma abordagem dimensional segundo a qual as emoções são caracterizadas pelo seu lugar num espaço tridimensional composto de “excitação-calma”, “prazer-desprazer” e “relaxamento-tensão”.

Darwin influenciou o trabalho de inúmeros pesquisadores, entre eles Ekman (2009) e Panksepp (1998), considerando as emoções como um processo que envolve uma avaliação automática influenciada tanto pela filogênese quanto pela ontogênese, em que o indivíduo nota que aconteceu algo importante em relação ao seu bem-estar, e que desencadeia um conjunto de reações fisiológicas, mudanças psicológicas e comportamentos para lidar com a situação. As emoções básicas têm características únicas que as distinguem umas das outras. de Waal (2011, p. 194) apresenta uma definição de emoção animal que incorpora aspectos funcionais e causais:

“Uma emoção é um estado temporário provocado por estímulos externos biologicamente relevantes, sejam eles aversivos ou atrativos. A emoção é marcada por mudanças específicas no corpo e cérebro-mente do organismo, hormônios, músculos, vísceras, coração, etc. A emoção desencadeada pode ser frequentemente prevista pela situação em que o organismo se encontra, e pode ainda ser inferida a partir de mudanças comportamentais e de sinais comunicativos da espécie. No entanto, não existe uma relação um-a-um entre uma emoção e o comportamento que se segue. As emoções combinam-se com a experiência individual e a avaliação cognitiva da situação para preparar o organismo para uma resposta ótima”.

Wundt, por sua vez, inspirou também o trabalho de vários pesquisadores entre os quais Russel (1980, 2003) e Barrett (2006) sobre afeto fundamental (core affect), concebido como um estado de prazer ou desprazer com algum grau de excitação, que integra informações do mundo externo com informações do corpo. É um estado mental básico e universal que pode ser usado para transitar pelo mundo físico e social, antecipando recompensas e perigos, para tomada de decisões. A leitura de emoções por humanos nas faces uns dos outros pode ser representada na forma de um modelo Circumplexo, que é uma representação gráfica de estados afetivos fundamentais (Barrett & Bliss-Moreau, 2009). A dimensão horizontal do modelo refere-se à valência hedônica e varia de estados desagradáveis num extremo a estados desagradáveis no outro. A dimensão vertical do modelo refere-se à excitação e varia de alta ativação e atenção num extremo a baixa ativação e sonolência no outro.  O afeto fundamental é um barômetro neurofisiológico da relação de um indivíduo com o ambiente físico ou social num determinado momento, sendo os afetos auto-relatados as leituras do barômetro (Barrett & Bliss-Moreau, 2009).

As emoções também podem ser comunicadas e percebidas por seres humanos nos rostos e exibições corporais de outros animais, tais como cães. Considerando os vínculos sociais entre humanos e cães, e a importância da leitura de sinais emocionais para facilitar as interações sociais, parece razoável supor que humanos sejam capazes de decodificar expressões faciais de emoção de cães.

Para estudar a capacidade de humanos para identificar expressões faciais de cães, Tina Bloom, na pesquisa que desenvolveu no seu doutorado sob supervisão de Harris Fridman (2010), fotografou a face de um pastor belga Malinois macho de 5 anos (Mal) em situações comportamentais definidas visando provocar as emoções básicas descritas por Ekman e Friesen (1976, 1978): alegria, tristeza, surpresa, nojo, raiva e medo. O cão era bem treinado e atuava como cão policial. Segue descrição das situações eliciadoras.

Alegria: o treinador Mal disse-lhe para se sentar e ficar sentado. Depois, disse a Mal: “Bom garoto. Vamos brincar logo”. Mal tinha passado por centenas de situações desse tipo. Significavam que o treinador tiraria uma bola do bolso e brincaria com ele. Uma vez tirada a fotografia, Mal foi solto e recebeu a bola como recompensa.

Tristeza: O treinador disse a Mal para sentar e ficar sentado. O treinador de Mal expressava então verbalmente o seu desapontamento com o seu desempenho de Mal, dizendo “Pfui, Mal, Pfui”.

Surpresa: O treinador de Mal disse-lhe para sentar e ficar sentado. Enquanto Mal estava sentado, o treinador segurava uma caixa (jack-in-the-box) que Mal nunca havia visto antes. Enquanto Mal observava o seu treinador, um boneco saltou inesperadamente para fora.

Nojo: O treinador disse ao Mal para sentar e ficar sentado. Enquanto estava sentado e esperando uma recompensa alimentar do treinador, em vez disso ele lhe ofereceu um medicamento que por experiência prévia era um medicamento de gosto desagradável.

Raiva: Um “cara mau” (bad guy) do Programa de Schutzhund, usando vestuário de proteção padrão, provocou Mal.

Medo: O treinador disse ao Mal para sentar e ficar sentado. O treinador, com cortadores de unha nas mãos, que Mal temia, disse: “Vamos cortar as tuas unhas”, enquanto fazia contacto visual com o cão.

Pessoas com experiência de trabalho com cães classificaram estas fotografias e as classificadas como melhores pelos peritos foram utilizadas como estímulos para pessoas experientes e inexperientes com cães. Ambos os grupos foram capazes de ler as emoções do cão. Paradoxalmente, as pessoas experientes foram menos acuradas na identificação de agressividade.

Estudo 1:

Planejamos em conjunto com a Dra. Tina Bloom uma pesquisa que será realizada sobre leitura de emoções a partir das expressões faciais dos cães por humanos. Será ampliada a representação de raças incluindo Rodesian Rideback (com aparência mais domesticada) e Dobberman, além de Malinois belga (com aparência mais próxima de um lobo). A metodologia original da pesquisa foi revista.

Adicionalmente ao reconhecimento categórico de emoções, incluímos a avaliação de afeto fundamental (core affect) em termos das dimensões valência (prazer – desprazer), ativação (baixa ativação – alta ativação), dominância (subordinador – dominante) usando uma escala de nove pontos.

Estudo 2:

O objetivo deste estudo é fazer alterações na face de cães e verificar o seu efeito na leitura de emoções. Serão investigados o efeito de sobrancelhas (atenuada x acentuada) e da esclera (visível x não visível) na percepção de emoções.

Nossas hipóteses são: (i) sobrancelha acentuada e (ii) esclera visível branca contribuirão para percepção de maior intensidade de algumas emoções, como tristeza e de medo em cães.

O interesse em relação às sobrancelhas surgiu a partir da constatação de que há um músculo responsável pelo levantamento da sobrancelha interna, que está presente em cães, mas não em lobos (Kaminski et al., 2019). A movimentação deste músculo aumenta a aparência neotênica do animal, assemelhando-se a uma expressão que humanos exibem quando estão tristes.

O interesse pela esclera surgiu da constatação que humanos são únicos entre os primatas por ter a esclera, o branco dos olhos, bem evidente, assim como também a íris, o que pode facilitar a comunicação. Outros primatas têm esclera, mas é pigmentada ou se é branca não é visível. Uma esclera branca evidente torna mais fácil saber para onde alguém está olhando e talvez também inferir o que o está pensando. Em animais em que a esclera é pigmentada fica mais difícil distinguir a iris. De acordo com a Hipótese dos Olhos Cooperativos a esclera branca visível evoluiu em humanos para facilitar a comunicação por meio da atenção conjunta e da sinalização da direção do olhar (Kobayashi & Kohshima, 2001). Cães têm uma esclera branca, mas que durante a maior parte do tempo não fica visível (Shipman, 2012). Quando estão com medo abrem mais os olhos e expõe o branco dos olhos. Iremos acentuar a esclera por meio de fotoshop e verificar o efeito desta manipulação na leitura de expressões de cães por humanos.

Conheça os pesquisadores que fazem parte deste projeto!

Para saber mais:

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