Projeto – Comportamento ciumento em cães com rivais humanos

 

Para humanos o ciúme é uma emoção bastante conhecida e arraigada em diferentes contextos, trivialmente tida como justificativa de violências em relacionamentos amorosos (Lacerda & Costa, 2013; Stearns, 2010) e observada em estudos de crianças pequenas quando perdem a atenção de suas mães (e.g., Costa, 2009; Hart et al., 2004). Layng (2017) distingue entre o ciúme, a emoção, e o comportamento ciumento. De acordo com o autor, a emoção se refere aos estados emocionais que não são visíveis (privados) e o comportamento emocional, às mudanças que são visíveis (públicos) e, portanto, produzem uma série de consequências que podem alterar sua reemissão futura.

A afirmativa da existência de ciúme em animais não humanos é controversa. Isto porque muitos autores dissertam que somente emoções que não parecem exigir habilidades cognitivas complexas como autoconsciência e interpretação de situações sociais, como seria o caso das emoções primárias (e.g., raiva, medo, felicidade e tristeza) podem ser compartilhadas entre os animais. Assim, emoções consideradas secundárias como ciúme, culpa, orgulho, entre outras, seriam restritas à humanos (Morris et al., 2008; Lewis, 2002). Apesar disso, pesquisas realizadas por meio de questionários, em que pessoas são solicitados a classificarem a ocorrência ou não de diferentes emoções em animais variados, mostram que o ciúme, diferentemente de outras emoções secundárias, é tão atrelado aos animais não humanos quanto as emoções primárias, especialmente quando são cães os indivíduos aos que é atribuída essa emoção (Martens et al., 2016; Mathes & Deuger, 1982; Morris et al., 2008; Su et al., 2018;).

Para o estudo do comportamento ciumento, humano ou animal, deve-se considerar uma tríade constituída pelo sujeito ciumento, o indivíduo a ser disputado, e o rival. O sujeito ciumento é o indivíduo que emite o comportamento a ser estudado, o rival é o estímulo que sinaliza a probabilidade de perda do indivíduo a ser disputado (e.g., parceiro amoroso) ou dos benefícios associados a esse indivíduo (e.g., atenção, amor).

Pesquisas com cães, parecem indicar que co-específicos podem ser rivais da atenção do tutor, porém os resultados não são consistentes. Harris e Prouvost (2014), delinearam um procedimento para estudar o comportamento ciumento em cães baseado em um procedimento experimental usado para estudar ciúmes em bebês. Os cães eram ignorados pelo tutor enquanto este interagia com três parceiros de teste diferentes em momentos distintos. Os parceiros de teste foram uma réplica artificial de um cão (parceiro de teste social), um objeto desconhecido e um objeto conhecido pelo cão (parceiros de teste não-sociais). Os resultados indicaram que os cães exibiram significativamente mais comportamentos tipicamente considerados como ciumentos quando seus tutores interagiam com a réplica artificial do que em relação a objetos não sociais. Por outro lado, Prato-Previde et al. (2018b) não acharam evidência de comportamento ciumento em cães usando um procedimento similar. Abdai et al. (2018) realizaram um procedimento semelhante com rivais sociais reais conhecidos e desconhecidos pelo cão, mostrando que os cães apresentaram um comportamento mais orientado ao tutor e fizeram mais tentativas de separar o tutor e os parceiros de teste sociais (cães) do que os não sociais (objetos). Também usando cães reais, Prato-Previde et al. (2018a) realizaram um experimento similar ao anterior, porém, apenas foi observado o aumento de atenção ao tutor por parte dos cães, mas interrupções da interação do tutor com o outro cão não se mostraram frequentes.

As pesquisas mencionadas apresentam algumas limitações que podem explicar os diferentes resultados. Primeiro, os sinais de estresse nos cães não foram analisados em todos os casos, uma variável importante por ser análoga com as expressões de desconforto em estudos com crianças. Segundo, as histórias de reforço e punição do comportamento ciumento dos cães não foram analisadas. Terceiro, não houve controle da história de comportamento ciumento dos cães, isto é, não havia informação se os animais já tinham mostrado episódios de ciúmes no passado. Quarto, todas as pesquisas usaram cães como rivais e nenhuma avaliou a interação cão-rival sem a presença do tutor para verificar se o comportamento do cão poderia ser apenas reativo apenas à presença do outro cão. Por último, nenhuma das pesquisas com cães reais analisou o comportamento do cão rival, que poderia ter emitido sinais comunicativos aos quais os cães responderam, independentemente da situação de rivalidade.

Neste projeto, propomos uma pesquisa que tem como objetivo estudar o comportamento ciumento em cães quando humanos são usados como rivais. Pretendemos, ainda, verificar se esse comportamento pode ser modificado com mudanças na função do rival que controla a resposta ciumenta. De acordo com Meyer (2000), a mudança do significado do rival pode mudar o comportamento ciumento em humanos. Assim, neste projeto estudaremos cães avaliados pelos seus tutores como ciumentos quando um rival humano aparece em situação de competição, antes e depois dele passar por um treino pavloviano que associa este rival a um reforçador apetitivo. Para tanto, os cães serão alocados aleatoriamente em dois grupos, Experimental e Controle e passarão por quatro fases experimentais. Na Fase I, o tutor e o rival não interagirão e o rival ignorará o cão; na Fase II o tutor interagirá com o tutor e o tutor ignorará o cão; Na fase III o rival fornecerá petiscos para o cão (Grupo Experimental) ou ignorará o cão (grupo Controle); Na fase IV será reproduzida a Fase II. Serão analisados e comparados os comportamentos categorizados como ciumentos e os sinais de estresse em todas as fases.

Acreditamos que os dados obtidos forneçam contribuições teóricas e aplicadas. Como aporte teórico, os dados permitirão avaliar as proposta de Meyer (2000) e Donaldson (2002) de que mudar ou fortalecer certas propriedades no estímulo antecedente pode alterar respostas ciumentas e, ainda, acrescentarão dados para a discussão sobre o comportamento ciumento em cães e sua generalização a humanos que funcionam como rivais. Na prática, a pesquisa fornecerá evidência empírica sobre a eficiência da manipulação de relações pavlovianas entre estímulos discriminativos e reforçadores para a mudança de comportamentos inadequados em cães, como os observados em situações em que a atenção do tutor é dirigida a rivais (e.g., Abdai et al., 2018; Prato-Previde et al., 2018a; Prato-Previde et al., 2018b).

 

Docente do Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP)

Mestranda no Programa de Pós Graduação em Psicologia Experimental (IPUSP).

Para saber mais:

Artigos? Outras publicações sobre o assunto?

conteúdo relacionado