Projeto – Promoção de bem-estar em Abrigos Municipais a cães e humanos e seus efeitos em termos de sucesso de adoção

 

Os cães crescem em número em uma escala logarítmica e hoje são até mais frequentes que crianças em casas brasileiras (IBGE, 2018). Esse crescimento influencia o aumento de cães em condições de vulnerabilidade. Hoje no Brasil há em torno de 4 milhões de cães e gatos em condição de vulnerabilidade, dos quais mais de 170 mil dependem do abrigo de ONGs constituídas pela empatia humana e espalhadas pelo país (Instituto Pet Brasil, 2019). Quase a metade (46%) dessas organizações civis estão na região sudeste do país (Instituto Pet Brasil, 2019). Esses números, além de tristes, sinalizam riscos à saúde pública brasileira, e afetam de forma negativa tanto o humano como o animal (Garcia et al., 2012). Ao vagarem soltos pelas ruas, esses animais representam problemas de ordem demográfica, ecológica e biológica: podem causar acidentes de trânsito, mordeduras, contaminação ambiental e transmissão de zoonoses, como raiva, leishmaniose dentre outras doenças. Ainda, a vida na rua normalmente mantém os animais em situação de bem-estar pobre e sujeitos à morte.

O sucesso de uma adoção não é medido apenas pelo número de cães adotados. Isso porque os cães são muitas vezes devolvidos para os abrigos, doados a terceiros ou são novamente abandonados. A literatura mostra que a adoção mal sucedida está associada ao comportamento inadequado dos cães. Em uma pesquisa de acompanhamento do “pós-adoção” constatou-se que 70% dos insucessos foram atribuídos ao comportamento do cão (relato dos adotantes) (Gates et al, 2018). Se pudermos preparar os cães antes da doação, desenvolvendo neles um repertório
“adequado” para convivência com humanos e outros animais, podemos esperar um aumento no sucesso de adoção. Os brasileiros têm empatia por cães, mas desconhecem os processos comportamentais básicos da espécie e, no entanto, é justamente o comportamento que importa, até mais do que a aparência do cão, para o sucesso da adoção (Wells & Hepper, 1992); o adotante, ao visitar o abrigo de animais, toma a decisão de adotar um cão antes mesmo de interagir com um deles e pode mudar de ideia de acordo com o comportamento do cão durante a interação fora do abrigo (Protopopova & Wynne, 2014). As pessoas se irritam com latidos em excesso ou estridentes, como se irritam com os choros de bebês; mas esses latidos indicam a necessidade de algo básico e sua estrutura irritante pode ser uma adaptação para chamar nossa atenção (Fox 1971; Coppinger & Feinstein 1991; Bradshaw & Nott 1995).

Na pesquisa de mestrado de Ana Lucia Baldan (PPG Psicobiologia/FFCLRP, USP), intitulada “Treinamento e enriquecimento ambiental em cães de abrigo são eficazes no aumento e durabilidade da adoção?”, estamos testando a hipótese de que a melhora na condição dos cães nos abrigos tem efeito no processo de adoção. Finalizamos os trabalhos no Abrigo Municipal de Pirassununga. Usamos uma amostra de 70 cães, dividida em grupo controle (C) e experimental (treinado, T). Ao grupo T oferecemos o treinamento com comandos básicos de obediência (10 sessões de 15 min) mais 10 momentos de enriquecimento ambiental (EA) fora da baia (15 min), repetidos em 3 dias consecutivos/semana. Após 30 dias (10 sessões de treino + EA), os cães C e T foram expostos em uma feira de adoção, com o apoio da prefeitura. Medimos o sucesso de adoção de C e T com base no número de cães adotados por feira e no total, e na avaliação de satisfação dos adotantes 30 dias após a feira (feita pela aplicação de um questionário semi-estruturado).

Em paralelo, vimos que em abrigos municipais os latidos são causa e consequência de estresse para os cães, e para os funcionários e os visitantes. Elaboramos um protocolo de redução de latidos e o aplicamos no Abrigo Municipal de Pirassununga, a cerca de 70 cães. O protocolo é um treino simples com o uso de petiscos e clicker. Estamos analisando esses dados em termos quantitativos, mas a redução de latidos na fase pós-treino é notável. Para dar continuidade, será necessário capacitar os funcionários do canil, responsáveis pelo manejo dos cães, e medir a eficácia deles no uso do protocolo. Adicionalmente, iniciaremos este ano o mesmo procedimento no Abrigo Municipal da cidade de Cravinhos, vizinha de Ribeirão Preto, SP.

Uma variação deste protocolo pode auxiliar na redução dos latidos e de outros comportamentos indesejáveis nos cães que vivem em lares humanos. Por exemplo, a mestranda fez um atendimento em uma casa com quatro cães, sob queixa de incômodo aos latidos e de briga entre os animais a cada vez que a campainha tocava. O protocolo usado teve a mesma abordagem do que foi feito em Pirassununga: a pesquisadora fez visitas à casa e promoveu situações em que a campainha tocava e ela chamava a atenção das cadelas para uma situação prazerosa, a entrega de petiscos e atenção aos cães. Após o treino transformou a campainha em algo prazeroso e desviou a atenção dos cães para a recepção de petiscos. Após o treino, e agora sem a pesquisadora, quando a campainha toca os cães procuram seus tutores e os petiscos ao invés de latir e brigar. Não há novidade nisso. Hoje em dia é possível contratar consultores de comportamento canino que podem resolver problemas como esse nos lares que tem recursos financeiros para isso. Importante notar a diferença entre os métodos empregados; o protocolo adotado pela pesquisadora não usa punição, apenas reforço. A nossa pergunta é se ele pode ser adotado por abrigos municipais. O custo é o dos petiscos, mas há empresas particulares que “adotam” os abrigos e fazem doações periódicas. Também é necessário o empenho de ao menos um funcionário para a manutenção do comportamento corrigido.

Temos o apoio da Premier para a replicação dos dois procedimentos (comparação entre grupo experimental e controle em relação ao sucesso de adoção, e protocolo de redução de latidos), agora no Abrigo Municipal de Cravinhos (já autorizado pela prefeitura e pela CEUA da FFCLRP/USP).

Docente na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP – USP).

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