Projeto – Sincronização de comportamentos na interação lúdica entre cão e seu tutor

Brincar é uma atividade frequente na interação entre cães e seus tutores, envolve atenção e coordenação mútuas, está associada a afeto positivo e liberação de ocitocina (Odendaal & Meintjes, 2003), podendo contribuir para bem-estar e para o fortalecimento do vínculo (Hecht & Horowitz, 2015), mas tem recebido relativamente pouca atenção por parte de pesquisadores. Em comparação com os seus ancestrais lobos (Canis lupus), cães (Canis familiaris) são muito lúdicos e valorizados por humanos em parte pela sua disposição para interagir ludicamente com eles (Lorenz, 1950). A brincadeira não se restringe a filhotes. Adultos continuam brincando. Este pode ser um efeito de neotenia comportamental resultante da domesticação (Bradshaw, Pullen, & Rooney, 2015; Driscoll et al., 2009).

Há evidências de que sinais lúdicos são importantes para iniciar a brincadeira intra-específica e para mantê-la (Bekoff, 1995) e que a brincadeira envolve uma combinação dinâmica entre cooperação e competição (Bauer & Smuts, 2007). De acordo com Horowitz (2009), o comportamento lúdico de cães revela uma teoria da mente rudimentar. Teoria da mente (ToM) é a capacidade para atribuir estados mentais a si mesmo e aos outros, para prever e interpretar o comportamento dos outros, servindo como base para a interação social. No contexto intra-específico, comportamentos de captar atenção são usados mais frequentemente durante pausas e momentos de desatenção. A Figura 1 mostra um exemplo de pausa em que o cão de pelo claro se afastou e foi seguido pelo cão de pelo escuro (a), que então se auto-apresentou (b) e se agachou, num convite lúdico (play-bow). Durante episódios de brincadeira social entre o tutor e o cão, podem ser programadas pausas com desatenção do tutor verificando-se estratégias usadas pelo cão para retomada da brincadeira. Com base em Horowitz (2009), somos levados a prever que graus maiores de desatenção deverão resultar em comportamentos mais fortes que graus menores de desatenção.

Também estudando brincadeira intra-específica em cães, Palagi, Nicotra e Cordoni (2015) encontraram mimetismo rápido, espelhamento da expressão facial de boca aberta relaxada, e da postura de agachamento lúdico, entre os parceiros (Fig. 1c). Interpretaram que este mimetismo rápido teve um papel em partilhar e aumentar a motivação lúdica, tendo como mecanismo subjacente o acoplamento automático de percepção-ação em áreas de neurônios espelho. Durante a observação de uma expressão facial específica, a ativação motora do observador resulta na experiência de igualação de estado emocional, um fenômeno que Palagi (2018) denominou Efeito Mesma Face – Mesma Emoção.

Características semelhantes podem ser observadas na brincadeira intra e inter-específica. Mas a brincadeira intra e inter-específica também podem ser diferentes. De acordo com Rooney, Bradshaw and Robinson (2000), as brincadeiras cão-cão e cão-humano são motivacionalmente distintas. A brincadeira intra-específica parece ser mais competitiva que a inter-específica. Comparando a brincadeira com objetos no contexto intra-específico e inter-específico verificaram que labradores retrievers tendiam mais a abandonar uma competição e a mostrar e dar o brinquedo para o parceiro de brincadeira quando este era humano.

A natureza da relação entre um cão e o seu tutor também deve ser levada em conta na interpretação do seu comportamento lúdico e das consequências previstas. Horváth, Dóka e Miklósi (2008) compararam concentrações de cortisol de cães antes e depois de uma interação lúdica de 3 min com um brinquedo de puxar (“cabo de guerra”) com seus tutores. Os animais eram pastores alemães que atuavam com cães de polícia ou como cães guardas de fronteira. A concentração de cortisol dos cães guardas de fronteira diminuiu significativamente após a interação lúdica, enquanto a concentração de cortisol dos cães de polícia aumentou. Análises comportamentais mostraram que o comportamento lúdico dos tutores foi diferente. Os guardas de fronteira brincaram de forma mais espontânea, amistosa e afetuosa, enquanto os policiais eram mais disciplinadores. Esta diferença comportamental pode estar subjacente à diferença da resposta fisiológica dos cães.

O presente projeto tem como objetivo compreender como se dá a sincronização da interação lúdica entre cão e tutor. Serão observadas e analisadas interações lúdicas entre cão e seu tutor (N=35), com foco na sincronia corporal apresentada. Serão feitas filmagens na residência do tutor. Não serão agregados objetos na interação. As filmagens serão de até 3 minutos. O tutor deverá iniciar a brincadeira como estão habituados e brincar livremente até o cão cessar se afastando ou acabar o tempo limite, mas evitando o uso de vocalizações. Analisaremos quadro a quadro o cão e a pessoa, verificando a sincronização da brincadeira através de dois padrões comportamentais: o agachamento (em inglês “play bow”) – o cão agacha a parte anterior do corpo e eleva da extremidade traseira – sinal comum exibido ao chamar o outro para uma brincadeira e que pode ser visto na Fig. 1c (Bekoff, 1977); e o pular – o cão salta sobre o parceiro a partir de uma posição semi-agachada (Palagi et al, 2015).

Docente do Departamento de Psicologia Experimental no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). 

Mestranda no Programa de Pós Graduação em Psicologia Experimental (IPUSP)

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