GASTRONOMIA E CULINÁRIA
Antonio E. M. Rodrigues e Enrique Raul Guerrero
A associação entre gastronomia e culinária poderia parecer forçada e sua inserção numa enciclopédia latino-americana poderia ser entendida como equivocada. Ela contribui, porém, para desnaturalizar a ideia, ainda comum, de que nossa cultura de comer e de beber, e nossas maneiras à mesa sejam cópias ou imitações das culturas dos colonizadores e caracterizadas como “simples” exatamente por terem assumido a condição de excluídas. Outro equívoco é o que empresta à nossa cultura gastronômica e culinária um sentido particular de dependência, evocando a dimensão mestiça de nossa formação, definindo-a como particular por ser dependente. Em ambos os casos, há uma perda substancial de perspectiva que acaba por negar a condição criativa de nossa cultura.
Nossa gastronomia e nossa culinária expressam, ao contrário e de modo claro, as tensões e os movimentos decorrentes das pressões metropolitanas e das resistências internas. As resistências originais à cultura dos colonizadores multiplicaram-se por todo o continente e influíram, em momentos diferentes, nas culturas dominantes, marcando principalmente seu imaginário, o que deu origem a leituras colonizadas como as acima descritas, que atribuem ao exotismo, por exemplo, o caráter afrodisíaco de nossas comidas “quentes”, descaracterizando seu sentido produtivo e associando os traços de nossa identidade a um universo promíscuo e pobre.
As tradições de mesa da América Latina indicam um gosto e um fazer que singularizaram seus vários habitantes e determinaram, desde o início, sua capacidade de interagir com a natureza, demonstrando não haver nada de natural nesses procedimentos, que devem ser vistos como vitórias culturais sobre o meio, às vezes, inóspito e triste. O uso do qualificador natural é equivocado porque nossas culturas de mesa realizam uma operação complexa de transformação, promovendo soluções que encantam os europeus justamente porque eles não imaginam um fazer culinário e gastronômico isolado das experiências cotidianas, incluída aí a política. A “mistura”, assim, pode ser vista como um processo que reconhece a força dos vários lados que se entreveem, e não pode ser, por isso, considerada dependente ou periférica, mesmo quando o resultado aproxima um modo de fazer do de outra cultura.
Sugerimos que se coteje a feijoada brasileira com a paella espanhola, que realizam o mesmo procedimento de aproveitamento de tudo o que deixou de ser utilizado em outras refeições. Ambos os pratos são indicativos de uma cultura de mesa de resistência, adequada às necessidades e baseada num cálculo de manutenção da vida e numa negação do desperdício. Do mesmo modo, as práticas de salgamento, existentes em diversas partes do mundo, também representam formas de armazenamento de alimento. Outro aspecto importante presente tanto nas culturas europeias quanto nas latino-americanas é o cálculo do futuro relacionado à eliminação da dieta de gêneros importantes para a reprodução, como comer galetos ou vitelas de menos de um ano.
Movidos por esses costumes e hábitos, tanto uma cultura quanto a outra previam estoques de comidas e bebidas para as estações climáticas mais rigorosas, engendrando hábitos alimentares bem diferentes dos de hoje, em que a culinária e a gastronomia foram transformadas em experiências de gosto estético – incorporando padrões requintados.
O mais grave é diferenciar o“simples comer” do “comer bem”, o que implica assumir a ideia de que, nas nossas origens, comia-se apenas para matar a fome. Esse tipo de postura ignora que havia prazer no comer, mas que esse ato também fazia parte da religiosidade dos povos, expressando uma saudação à natureza, para mantê-la produtiva, ou aos deuses, para que mantivessem a abundância.
Essa atitude religiosa não contém qualquer oposição ao profano, mas uma combinação que faz com que, por exemplo, alguém num bar, em qualquer lugar do Brasil hoje, antes de virar a primeira dose de cachaça , ofereça o primeiro trago ao “santo”, com o objetivo de sacralizar o que vai beber; da mesma forma, segundo os hábitos europeus, beijava-se a sobra de pão antes de jogá-lo fora, como uma forma de reconhecimento de um ato indevido para com o Deus católico, religião que define o comer e o beber como ações centrais em seus sacrifícios e que inclui entre os sete pecados capitais a gula e a luxúria.
Mas os costumes alimentares também podem ser paródias aos limites impostos por racionalidades estranhas e designar abundância e utopia como nas representações da Cocanha e da Utopia, ou em Rabelais, nos grandes e faustos banquetes que comemoravam a chegada a um mundo de iguais.
As relações entre costumes alimentares e a vida cultural são evidências de que não há separação entre alimentação e cotidiano. Ambos são experiências vividas, como relata, em seu A origem das maneiras de mesa, Claude Lévi-Strauss.
A importância cultural da alimentação evidencia duas coisas mais: as tensões entre colônias e metrópoles na fase colonial e, nos costumes modernos, entre os padrões alimentares e a cultura dos fast-foods. Desde a formação colonial, também nos campos da culinária e da gastronomia, os choques entre colonizadores e colonizados derivavam para uma guerra de símbolos, que alteravam valores nos dois lados, representando a luta excludente entre as duas sociedades pelo direito à vida, pela esperança no futuro e pela erradicação da fome. Nas sociedades contemporâneas, o enfrentamento deslocou-se para o campo dos hábitos e costumes seculares, em que a experiência do fazer culinário e gastronômico como deferência ou virtude contrapõe-se à cultura do fast-food, repudiando a hipótese de que a hospitalidade seja um ato de dependência ou medo.
Por fim, não nos esqueçamos de que, travando uma guerra de posições, as culturas de mesa caracterizam não apenas resistências, mas também projetos de mudança. A cultura alimentar cumpre a função de denominar o local e definir territórios, como se delimitasse fronteiras reais e simbólicas.
Assim como as demais, essa história também não é simples ou linear. A culinária latino-americana é regida por dois eixos diretamente resultantes do modo como se formou a América Latina. O primeiro é a cisão desejada pela aristocracia criolla e firmemente implantada na esteira do triunfo das lutas pela independência: a elite controlando o campesinato, que passou a exercer os serviços rurais e urbanos. O segundo é a dúvida que marca a identidade latino-americana. Identidade difícil de definir para o próprio latino-americano e principalmente para quem não é. Essas características se refletiram nos aspectos da cultura latino-americana aqui tratados: a existência e a manutenção de duas gastronomias, entendendo-se esse termo como o conjunto de normas aceitas para produzir, apresentar e consumir a comida, que por sua vez é o resultado de uma culinária particular em cada lugar.
Identidade nacional
A gastronomia, confundida com refinamento, é considerada assunto fútil, próprio para colunas sociais e, por isso, não é um tema de estudos sérios. Quando qualificada como latino-americana, então, ela é encarada com a condescendência reservada às demais manifestações culturais típicas do continente. Essa atitude – em grande medida partilhada pelos próprios latino-americanos, deslumbrados pela cultura das potências dominantes – é compreensível, mas não tem fundamento.
Os países latino-americanos saíram da condição colonial declarada e passaram para um estado de dependência a partir do primeiro terço do século XIX. O desenvolvimento da cultura de cada um deles passou a ter um caráter independente na ausência de um poder homogeneizador de uma metrópole, mas, com a independência, as tarefas políticas passaram a ser determinadas pela necessidade de formação de Estados-nações. Esses movimentos afirmaram o poder de uma elite criolla, que deu ao território um mapa no qual é possível, até hoje, vislumbrar a separação entre rural e urbano ou, como comumente se diz, entre o campo e a cidade. Para o assunto de que tratamos, essa dicotomia manifestou grande vitalidade, pois manteve as tradições de mesa que, de outro modo, poderiam ter-se perdido.
Caipirinha, bebida típica brasileira, feita com cachaça e limão (Matteo Fini/Creative Commons)
Construção da gastronomia e do gosto
Socialmente, a América Latina definiu-se no século XIX, quando da afirmação da Revolução Industrial, impulsionada pelo cosmopolitismo das elites. Estas, na época, procuraram atingir um estilo de vida comparável ao de suas similares na Europa e na América do Norte, inclusive no que se refere à gastronomia. As novas atitudes das elites, contudo, demoraram para atingir as áreas rurais, sobretudo a da agricultura de subsistência, e o universo camponês se manteve como um mundo à parte.
Dessa forma, o forno a lenha aprimorado pelo conde Rumford e depois o forno a carvão, tornando-se a gás e depois a eletricidade, a panela de pressão, assim como os meios de conservação por meio do frio e por esterilização e os benefícios dos novos meios de transporte introduzidos a partir do século XIX ficaram fora do alcance da maioria da população. A exclusão, paradoxalmente, manteria uma longa tradição, bem marcada por raízes pré-colombianas, que teve de se desenvolver sem tais recursos. Conservadora como toda tradição, a culinária rural envolve um tesouro de contribuições, antigas e mais recentes, como as regras dos dias gordos e magros da religião católica, presentes desde a fase colonial.
A culinária rural, apesar de tudo, absorveu as influências tanto dos vizinhos nacionais ricos como dos estrangeiros residentes no país. Essa mistura acabou por definir uma gastronomia singular, mesmo em regiões onde as populações indígenas eram dominantes. As exceções – Guatemala, Bolívia e Peru – mostram como as trocas culturais estimularam modificações provenientes da escassez de produtos originais. Assim, a tradição culinária da América Latina incorporou o novo sem deixar de manter o antigo. Essas práticas culinárias, assentadas em bases firmes, permitiram a estruturação de uma gastronomia bem delineada que configura um universo cultural particular, proporcionando conforto e prazer.
A independência na cozinha
Artigos e livros que tratam de pratos típicos da culinária latino-americana comumente mencionam o uso excessivo de ingredientes como a pimenta, base da lenda em torno da receita da Galinha a Montezuma, preparada com mais de quarenta tipos de pimenta, que ficou famosa como a Vingança de Montezuma. A bibliografia também informa as influências de outras cozinhas e as suas formas de incorporação ao modo de preparar as comidas, sem disfarçar a ignorância e a forte carga de preconceito contra a culinária latino-americana, descrevendo apenas sua forma, sem se aventurar nos seus mistérios.
As principais influências sofridas pela culinária do continente são: a ibérica, correspondente aos colonizadores originais; a indígena, dos povos que já se encontravam nos países; e a africana, trazida pelos escravos. Além dessas, são reconhecidas as influências dos imigrantes europeus, sobretudo as das cozinhas italiana, alemã e francesa, com presença geralmente regionalizada. As influências culturais, entretanto, precisam ser tratadas num patamar distinto do das influências econômicas e do mercado mundial, que chegaram com o processo de modernização e o esforço de transformar as cidades da América Latina em grandes metrópoles europeias ou com o entrelaçamento de hábitos e culturas populares.
O processo de europeização da culinária latino-americana provocou modificações radicais no modo alimentar, introduzindo novidades como o sorvete de pistache. A culinária estrangeira, porém, teve de se adaptar à base material existente e, assim, foi forçada a usar a farinha de milho no lugar da requintada farinha de trigo. As adaptações passaram também pelos modos de preparo dos ingredientes absorvidos da tradição local, com manifestações evidentes na forma final do prato.
Mas o entrelaçamento dos hábitos e costumes populares também acentuou a tradição das comidas de resistência, que ficaram, no fundo, conhecidas como as misturas originais de cada uma das regiões.
Tanto no processo de europeização como no de entrelaçamento de hábitos populares, as influências trouxeram consigo outras tradições. A culinária ibérica exportou para a América Latina as contribuições germânicas e árabes. Esta última está presente nos nomes de alguns preparados e nos doces, tão doces quanto os mais característicos doces árabes.
Entre as contribuições de raízes germânicas trazidas pelos ibéricos – lembradas durantes as guerras de independência quando os criollos chamavam os espanhóis e seus correligionários de godos –, está o uso da carne, especialmente a bovina. A alimentação da Europa antes das invasões germânicas baseava-se numa considerável variedade de cereais. O consumo de carne era raro e vinculado aos ritos religiosos. O alimento dos povos latino-americanos autóctones tinha e tem uma base vegetariana: cereais, frutas e legumes.
A partir da germanização da Europa, o consumo das carnes de boi e de porco tornou-se cotidiano. Depois dela, a carência de carne passou a simbolizar a falta de alimentos. Na época colonial, a carne (de boi, porco, cabra e ovelha ou de aves, principalmente a galinha, dependendo do rebanho regional) passou a ser um alimento comum na América Latina. A dieta de carne era suplementada pela caça, mas a Igreja regulava o consumo de todos os tipos de carne e, severamente, proibia-o em certos dias, os chamados dias magros do ano.
As interdições religiosas na América Latina, tal como nas metrópoles europeias, estabeleceram um antagonismo simbiótico das carnes e dos peixes, sem afetar os legumes nem os cereais. O tratamento básico dado à carne é o ensopado em todas as suas formas, de cazuela, de chupe ou de sancochado. Alguns desses métodos são aplicados também ao peixe, especialmente o chupe. Em todos os casos, pode-se cortar a carne em pedaços para cozê-la junto ou separada dos legumes. No caso do preparo feito separadamente, primeiro se cozinham os pedaços de carne, que depois são retirados da panela (de barro, ferro ou alumínio) e, depois, os legumes são cozidos no mesmo caldo. Os sabores, assim, se misturam ou se agregam. A presença de líquido no prato varia desde muito ralo e quase transparente até espesso e opaco como um creme, que também pode resultar do acréscimo de algum engrossante, como farinha de trigo ou de mandioca (o pirão brasileiro). Cada variação é uma circunstância oportuna para a cozinheira ou o cozinheiro, que a escolhe de acordo com a região onde trabalha e o tipo de carne que emprega. Um prato famoso preparado desse modo é o venezuelano chupe de gallina.
Esses pratos são quase sempre acompanhados de pão caseiro ou pão de padaria. Também podem ser acompanhados de grãos de milho cozidos, preferindo-se para esse fim a variedade de milho que tem grãos grandes como avelãs, de consumo corrente nos países andinos. Ao terminar o prato, o comensal pode enxugar os molhos restantes na migalha do pão ou no grão de milho esponjoso e amolecido pelo cozimento, agregando assim um novo sabor.
Ao longo da segunda metade do século XX, as classes mais abastadas da América Latina abandonaram duas marcas da culinária tradicional: a sopa e o pão. Por dois motivos: a estética corporal e a concorrência do fast-food. Este ganhou espaço devido ao rápido atendimento, além da mania cosmopolita de viver a dimensão luxuriante da vida norte-americana e europeia. Juntamente com os fast-foods, disseminaram-se tanto os ingredientes quanto os modos de preparo vindos dos países de origem. Nem a sopa nem o pão, contudo, estão em extinção, porque a culinária de resistência mantém essas tradições.
Parrillas no Uruguai (Pace Charging/Creative Commons)
O milho: consumo próprio e exportação
A mistura de culinárias étnicas também contribuiu para a exportação de ingredientes. Vejamos alguns deles em seu desenvolvimento no continente americano e sua recepção externa.
O milho (maiz, zea mays) é por muitos considerado a principal contribuição da América Latina à alimentação mundial. Sua importância no continente americano, entretanto, está além de qualquer disputa. Pressionadas pelas necessidades e pelas dificuldades de satisfazer a alimentação de seus membros, as sociedades escolhem determinados alimentos para formar a sua base nutricional “que asseguram a consumação calórica essencial, acalmam a fome, provendo uma saciedade que tranquiliza e é testemunho da solicitude divina” (Garine, 1990).
Representativo dessa categoria de alimentos em diversos continentes é o “pão cotidiano”, que polariza as atividades técnicas e serve de base ao cômputo do tempo e à estrutura da vida religiosa. Excetuando as alturas andinas e as extensões selvagens, o milho desempenha um papel semelhante nas Américas. Em poucos lugares, sua importância revela tanta vitalidade, até os nossos dias, como no México. O escritor guatemalteco Miguel Ángel Asturias chega a chamar os camponeses de hombres de maiz. Todos os atuais países latino-americanos cultivam o milho, mas em poucos lugares o produto ainda é preparado segundo os métodos tradicionais encontrados pelos descobridores ao chegar às Américas.
Exemplos interessantes são as versões da massa de milho coagulada por cozimento, como o borí-borí do Paraguai, como o humitas ou humintas de algumas regiões andinas e como as pamonhas e tamales (borí é uma palavra que vem do guarani, pamonha vem do tupi e tamales, do náuatle). A farinha de milho pode ser comprada em lojas de alimentos, mas às vezes encontram-se pessoas que moem o milho com pedras e depois usam a farinha para fazer pasta ou bolinhos temperados com sal, pimenta, erva-doce, leite de coco, açúcar e vários outros ingredientes.
Para os maias, a importância do milho na alimentação estava no culto ao deus Kan, um dos Bacabs, quatro deuses que sustentavam o céu. A cozinha tradicional da América Central, do México, de Porto Rico e da República Dominicana tem como alimento básico a tortilha. Trata-se de uma espécie de pão achatado feito com milho nixtamalizado, um tratamento pré-colombiano que consiste em cozer o milho em água fervente com cal antes de moê-lo. A cal posta na água, muitas vezes obtida das cinzas da lareira, ajuda a retirar o envelope dos grãos de milho e deixa um resíduo que se incorpora à farinha do milho. O enriquecimento da cal favorece a liberação e a assimilação da niacina, vitamina que evita a pelagra – doença ligada à alimentação exclusivamente à base de milho.
O consumo moderno do milho é muito variado para ser tratado aqui, sobretudo porque uma boa parte do produto tem destino industrial. Nas Américas, come-se o milho também diretamente na espiga (mazorca) ou cozido, acompanhado de manteiga e sal. Dessa forma, ele é consumido no ambiente familiar e, nas ruas, é oferecido em barracas ou carrocinhas.
O milho na espiga não é apreciado pelos europeus, embora lá o grão seja cultivado em grande escala e aproveitado industrialmente, na produção de óleo, alimentação do gado e produção do amido. Esses aproveitamentos generalizaram-se a todo o mundo.
Outro uso diário do milho é a pipoca. Apesar de ser associada ao consumo durante espetáculos, especialmente no cinema, e por isso parecer criação moderna, a pipoca, chamada em alguns países de cabrita porque pula na panela, é de origem pré-colombiana. Os ameríndios dispunham de dezenas de variedades de milho e não podiam deixar de notar que os grãos pulavam e estouravam quando expostos ao calor. Aliás, eles também perceberam, bem antes da chegada dos europeus, que, se o amido do milho fosse decomposto nos açúcares que o formam, estes poderiam fermentar. Na mastigação do grão de milho cru, a saliva tem exatamente esse efeito, de modo que um vasilhame cheio de milho cuspido depois de ser mastigado acaba tornando-se uma bebida alcoólica, a chicha.
Hoje a chicha é comum especialmente nas regiões andinas. Sua produção artesanal raramente é feita por mastigação. Mas até recentemente, em alguns lugares do Altiplano boliviano, era possível encontrar grupos que preparavam a bebida pelo método tradicional. Hoje, na América Latina, todos os sucos de frutas podem ser usados para fazer a chicha, em geral com um teor alcoólico bastante elevado. A chicha é uma bebida adocicada, refrescante, que embriaga sorrateiramente sem que o bebedor perceba. Embora seja um produto de consumo rural, é comum encontrá-la nas grandes cidades da América Latina, como produto industrial ou como vinho novo.
Finalmente, o pastel de choclo – nome dado ao milho no idioma quíchua – completa o quadro da presença do milho no dia a dia latino-americano. Sua estrutura, preparação e constituição são semelhantes às do Hachis Parmentier, principal prato à base de batata da culinária francesa. Uma camada de milho moído recoberta de açúcar granulado, sobre uma base de carne moída temperada com cebola picada, erva-doce, uva-passa e rodelas de ovo cozido, substitui a de batata. Esse prato faz parte tanto do cardápio caseiro como do público nos restaurantes.
Tacos, comida típica do México (Miss Shari/Creative Commons)
Alimentos à base de produtos típicos
Da mesma maneira que o milho, seria possível passar em revista inúmeros produtos latino-americanos de origem pré-colombiana, adaptados ao longo do tempo, como a batata andina, o tomate, o abacate, o amendoim, a pimenta e o cacau.
Todos os produtos e pratos conhecidos desde antes da chegada dos europeus apresentam atualmente formas de preparo e de consumo modificadas pelo longo convívio com as influências externas de colonizadores, imigrantes e visitantes. Os tamales, por exemplo, originários do México, são comumente preparados com banha de porco e, muitas vezes, envoltos em folhas de bananeira. É evidente que isso resulta da influência dos europeus, posto que antes da chegada deles não havia nas Américas nem porcos nem bananeiras.
As elites urbanas e os cada vez mais numerosos membros da classe média educada não costumam consumir regularmente os preparados típicos da terra. As duas principais causas disso são as influências culturais externas e a escassez de tempo na vida urbana moderna. O aforismo de Brillat-Savarin aplica-se perfeitamente: “Diz-me o que comes e te direi quem és”. Esse “que comes” deveria, porém, incluir o “como comes”.
As várias dimensões da gastronomia explicam as demais distinções sociais – e até as desigualdades econômicas. Para assegurar-se uma aura de superioridade, as elites americanas aprendem a comer como – e o que – os europeus comem. É fácil, entretanto, observar que nos momentos de descontração e informalidade, todos os latino-americanos, independentemente de classe social e gênero, adotam os costumes e a gastronomia de seus lugares de origem ou de residência – como se retornassem ao regaço do pão cotidiano.
Cuias para chimarrão, em Montevideu, no Uruguai (Christian Ostrosky/Creative Commons)
Bebidas mestiças
A extrema variedade da cozinha latino-americana deve-se também à extensa gama de produtos e à convivência e miscigenação de inúmeras raças e tradições culturais. Graças à existência de uma culinária mestiça com quase meio milênio de prática e experiência, a variedade de produtos oferecidos pelo artesanato e pela indústria latino-americana é vastíssima, possibilitando o aparecimento de gastronomias que variam de leves a robustas, correspondendo às possibilidades de seus praticantes.
Entre as bebidas alcoólicas encontram-se algumas de destaque mundial. Atualmente, os vinhos argentinos e chilenos têm reputação internacional, em parte em razão da herança ibérica. As exportações dos vinhos uruguaios e brasileiros também são crescentes. A Colômbia, famosa por seu café, pode orgulhar-se também de marcas de vinho como Marqués de Puntalarga e Casa Grajales, que melhoram a cada safra. Pode-se dizer a mesma coisa de vinhos mexicanos, como o Monte Xanic, e os venezuelanos das Bodegas Pomar.
O prestígio da produção de vinhos na Bolívia e no Peru é ofuscado pelo da fabricação de aguardentes como o pisco, obtido a partir da destilação da uva. O pisco peruano é vendido no mundo inteiro, da mesma forma que a tequila mexicana. Já o pisco boliviano, o singani, só agora começa a ser conhecido fora do país. Trata-se de uma aguardente de excelente qualidade, com um aroma especial resultante dos métodos de cultivo da uva introduzidos pelos espanhóis no século XVI no vale de Cinti, no departamento de Chuquisaca, e no vale central de Tarija.
O singani é um exemplo do que poderia ser chamado de “América por descobrir”, como ocorre com a cachaça brasileira, que somente agora começa a chegar aos mercados internacionais.
Chicha, dois tipos de cerveja de milho, a de jora (amarela) e frutillada peruano, que acrescenta morango para menos acidez (rosada) (Anthony Tong Lee/Creative Commons)
Tubérculos, tomates e pimentas
A exportação de produtos da agricultura latino-americana, em alguns casos, não se fez acompanhar pelos modos locais de preparo dos alimentos. Isso acontece, por exemplo, com a batata de origem andina, que alcançou o resto do mundo e tornou-se o alimento nacional de alguns lugares. Mas a difusão da batata não foi seguida pela propagação dos usos que dela fazem os habitantes do Altiplano.
Não se encontra fora do Peru e da Bolívia quem saiba o que é o chuño e muito menos como prepará-lo. Trata-se de uma batata dessecada congelada na intempérie das alturas até ficar reduzida a um bolinha preta muito menor que a batata original. É uma excelente forma de conservar o alimento.
A oca, o olluco e a mashua são outros tubérculos de grande utilização nas cozinhas andinas, tanto na altitude como ao nível do mar, desde a Venezuela até o norte da Argentina. Fora dessa região, são totalmente desconhecidos. Um caso surpreendente e que começa a sofrer mudanças é o da quinua, recém-descoberta fora da Bolívia e do Peru, embora tenha sido um sustento fundamental para os ameríndios incaicos e pré-incaicos, fazendo parte, junto com o trigo, o arroz, o milho e a batata, do grupo de alimentos em que se apoiaram essas civilizações.
Como foi visto, elementos da culinária latino-americana deram origem a construções gastronômicas locais que ainda florescem. Individualmente e separados de sua culinária de origem, alguns desses elementos transcenderam as fronteiras nacionais e continentais. Além dos já apontados, é importante mencionar o tomate, que é tratado como legume apesar de ser fruta. Sua presença na culinária de praticamente todos os países europeus leva algumas pessoas a esquecer que o vegetal era completamente desconhecido nesse continente antes do século XVI.
Exemplo semelhante é o das pimentas caribenhas e mexicanas, de uma variedade impossível de enumerar. A páprica foi confundida com o ají (nome aruaque da pimenta capsicum própria das Américas), mais tarde conhecida como chile, e com a pimenta de origem oriental (piper nigrum) difundida pelos venezianos e portugueses entre os europeus. O próprio Cristóvão Colombo escreveu aos reis espanhóis informando que encontrara “pimienta en vainas, muy fuertes pero no con el sabor de levante”. Não teriam o sabor das pimentas levantinas porque nem sequer eram pimentas, mas o nome ficou. Objeto de intenso comércio desde então, ainda são um dos ingredientes e temperos mais importantes usados pela culinária latino-americana. Introduzido mais tarde na Hungria através da Turquia, seu cultivo encontrou condições favoráveis na região de Szeged, na proximidade de um convento franciscano. Com o nome de paprika, do latim piper, via línguas eslavas, ela entrou definitivamente na culinária húngara a partir do século XIX. Atualmente é comum considerar a páprica como ingrediente e tempero de origem húngara.
O abacate e a sapota, da qual se aproveita não só a fruta como também o visgo (que deu origem ao chiclete), são outras frutas de grande difusão, ao lado da fruta-do-conde, da goiaba e do mamão. A difusão do amendoim (cacahuete ou maní em países hispânicos) foi extraordinária em virtude do consumo tanto direto, cru, como torrado, ou para extrair seu óleo. Na Ásia, ele é usado diretamente como ingrediente e, sobretudo, para produzir óleo. Hoje, na maioria dos países, em particular nos Estados Unidos, onde a indústria de cultivo e beneficiamento é muito desenvolvida, o amendoim é um dos principais produtos agrícolas. Nos EUA o amendoim é ainda consumido torrado, como na maioria dos outros lugares, mas também como a guloseima nacional na forma de peanut butter.
Duas plantas básicas para a alimentação popular que alcançaram difusão planetária foram o feijão (frijoles ou porotos, dependendo do país de língua espanhola) e a mandioca, que foi introduzida na África pelos portugueses negociantes de escravos. Lá ela se espalhou devido ao seu poder nutritivo e facilidade de cultivo e estocagem, já que é uma raiz que pode ser deixada na terra até o momento de uso.
Tipos variados de batata no Mercado San Camila, em Arequipa, no Peru (Marcelo Druck/Creative Commons)
Das carnes importadas às churrascarias
Não há registros de consumo de carnes e leite animal, ou de seus derivados, na América pré-colombiana. Na América do Norte, os indígenas começaram a caçar búfalos somente a partir do século XVIII, depois que tiveram acesso aos cavalos. Nas Américas Central e do Sul, não havia animais de grande porte. Como o ser humano não ingere predadores carnívoros, o consumo limitava-se à carne de criação doméstica e caças de animais pequenos, como a viscacha, e alguns maiores como antas e perus, ou guajalotes, como esses animais são chamados no México, e do techichi, um cão pequeno sem pêlo, e, na região andina, da lhama, da alpaca e do porquinho-da-índia. Como o milho não panifica propriamente, o pão só foi introduzido no continente pelos colonizadores. O produto americano serve para fazer farinha e preparar folhas de massa cozida, mas não pode ser usado com levedo devido à carência de glúten. Isso impede que retenha os gases que levantam a massa do pão no caso do trigo. A mesma coisa ocorre com as outras farinhas que existiam nas Américas antes da colonização. Uma vez instalados na América Latina, portanto, os colonizadores implantaram também a sua culinária, passando a importar os produtos que estavam acostumados a comer e cultivando aqueles que se aclimataram à região.
A pecuária encontrou terreno propício em diversos países, especialmente na Argentina, no Uruguai e no Brasil. Com disponibilidade das carnes de boi, carneiro e porco, passou-se ao assado, cuja técnica evoluiu a partir de métodos indígenas como a barbacoa, que consiste em fazer o fogo no chão e acomodar a matéria-prima em volta ou no espaço cavado para fazer o fogo.
Em muitos lugares, o costume de assar a carne em espetos verticais foi conservado. Entretanto, o mais comum são os assados em espetos horizontais. Nas regiões de tradição de criação de gado, a preparação do assado, a la parrilla, é objeto de regras e cuidados especiais, existindo confrarias de amadores dedicados à sua prática e manutenção.
Atualmente, mesmo nas menores cidades das Américas, as churrascarias (steak houses, parrilladas, barbacoas) oferecem carne, principalmente de boi, mas também de outros animais, assados ao gosto do cliente. No Brasil, nas últimas décadas do século XX, foi aprimorado o serviço de “churrascarias rodízio”, nas quais por um preço fixo o cliente pode comer todo tipo de carne, sem limite, até saciar-se. Esse tipo de serviço vem sendo adotado em outros países, até mesmo nos Estados Unidos.
Festa Nacional do Cordeiro, em Puerto Madryn, na Argentina, em 2009 (Christian Ostrosky/www.madryn.gov.ar)
Café ou chocolate depois da refeição?
Dois produtos interessantes pelo seu trajeto são o café e o chocolate. O café veio de fora para as Américas e, a partir daqui, fez a fortuna do Brasil e da Colômbia. Trata-se de uma planta que vem de alguma parte vizinha do mar Vermelho, na África ou na Ásia Menor, mas que encontrou na América e no Caribe um solo e um clima tão favoráveis que, a partir do novo lar, lançou-se à conquista, bem-sucedida, do resto do mundo. Isso foi muito antes de ser transplantado para outros locais, como a África subsaariana. Em geral, a aclimatação teve bom resultado. A adaptação, em alguns casos, foi tão completa que atualmente se atribui ao café oriundo da Jamaica a condição de melhor ou um dos melhores do mundo.
O Brasil produz excelentes cafés, porém no exterior sua produção é mais conhecida pelo volume. De consumo frequente em todas as ocasiões no próprio país, o café não é, entretanto, objeto de nenhuma atenção especial ou de consumo interno elevado; no Brasil consome-se menos café que em vários países do hemisfério Norte. A Colômbia, por sua vez, apresenta com sucesso, no mercado internacional, seu café como produto de qualidade superior. No país pode-se encontrar café sendo bebido em estilo quase ritual na forma de “tinto”, uma pequena xícara de café muito carregado.
Já o cacau (chocolate) teve outro trajeto. Cortez e seus homens o descobriram no México e o levaram à Espanha, onde foi adotado com o mesmo fervor que lhe manifestavam os colonizadores espanhóis no México, especialmente as mulheres da colônia. Caro e muito procurado, sua preparação à moda dos astecas foi adaptada ao gosto europeu. A modificação consistiu em não mais prepará-lo com pimenta, milho e outros produtos semelhantes, mais salgados, mas somente com produtos que também eram utilizados pelos astecas, como mel, baunilha, cravo e especiarias, incluindo pó de âmbar. Seu consumo representava um luxo acessível somente à aristocracia europeia. Foram criadas taças especiais para servi-lo depois de preparado, o que normalmente incluía bater o chocolate até ele ficar espesso – ideia fixada no ditado espanhol, muito usado também na América: “Las cuentas claras y el chocolate espeso”. O chocolate obtido pela infusão das sementes torradas do cacau depois de deixá-las fermentar e moê-las, havia sido, no México asteca, uma bebida refrescante. Passou às mãos europeias e mudou de tempero, de consistência e de temperatura. Ele foi conservado líquido, entretanto, e somente no século XIX, em plena Revolução Industrial, foram desenvolvidos processos para misturar o chocolate com o leite e produzi-lo em barras duras, tudo a um custo suficientemente baixo para que se tornasse uma guloseima popular. No início do século XX, todos esses objetivos foram alcançados, dando origem a uma indústria de âmbito mundial.
O peculiar dessa evolução é que a tecnologia, o know-how, da fabricação do chocolate realmente moderno (o chocolate em barras, adoçado, preparado com leite) foi desenvolvida e aperfeiçoada nos países do norte, que não têm cacau: Holanda, Bélgica, França, Suíça e Estados Unidos. Os países em que o cacau é nativo, como o México, a Venezuela – cujo cacau tem a reputação de ser o melhor de todos – e os países da América Central se restringiram a exportar a matéria-prima, o cacau, e a importar o chocolate. Ainda mais estranho é o caso do Brasil, em que o cacau cresce espontaneamente na selva amazônica.
Os colonizadores portugueses começaram a plantar cacau no século XVII, na Bahia, onde nenhuma característica apontava o terreno como apropriado para essa cultura. Nas primeiras décadas do século XX, porém, a produção baiana alcançou seu apogeu, mantendo a dianteira até os estragos provocados por uma peste nos cacaueiros no final da década de 1980. Durante esse tempo, várias fábricas de chocolate instalaram-se no Brasil, sendo a mais importante e mais duradoura a Garoto, no estado do Espírito Santo, que curiosamente não se abastecia com o cacau da vizinha Bahia. Essa fábrica ainda produz 3% da matéria-prima usada pelos chocolateiros internacionais, que preferem iniciar seu trabalho com semimanufaturados. A Garoto operava – e opera – com equipamentos e métodos europeus. Mais da metade do mercado global de produtos básicos, extremamente concentrados, é abastecida pela companhia belga Barry Callebaut.
O chocolate, tão importante na época pré-colombiana, é hoje encontrado nas Américas na sua forma popular de barras doces. O chocolate dito fino, ou de qualidade (em certos casos o único constituído realmente por chocolate, já que muitas das mercadorias populares usam gordura e aromas artificiais), é praticamente fabricado apenas na Europa, em países como Suíça, França e Bélgica, que lideraram o desenvolvimento das máquinas e dos métodos de produção. Mais uma vez a massificação separou totalmente o produto popular do autêntico, que se tornou um artigo de luxo. Na América restaram alguns sinais e lembranças do que já foi o uso do chocolate. Na Colômbia bebe-se o chocolate santafereño, que consiste numa xícara de chocolate quente acompanhada de uma porção de queijo e de pão. Tradicionalmente o queijo é colocado dentro do chocolate. Mas é no México que a cozinha com chocolate mais surpreende os estrangeiros, mantendo algo de seu esplendor como o mole poblano. A migração do cacau para a Europa nos primórdios das descobertas deixou também traços em algumas culinárias regionais espanholas e sicilianas.
Mulher secando pimentas, no México (Curt Carnemark/World Bank)
Para onde vai nossa culinária?
A diferença entre a comida rural e a urbana, na América Latina, passou por um processo de relaxamento conforme a evolução demográfica e o crescimento urbano. Ainda é possível encontrar em muitos lugares a comida tradicional preparada seguindo métodos antigos, mas o mais comum são os pratos com os mesmos nomes, porém com sabores diferentes dos de outrora. Usualmente, eles são preparados de forma semiartesanal ou completamente industrializada. Os produtos comercializados prontos para o consumo ou seus ingredientes podem ser encontrados facilmente nas cidades. Os consumidores não são apenas pessoas oriundas do interior, mas também nativas das cidades, seja por prazer, seja por curiosidade, numa espécie de turismo gastronômico sem sair de casa. Ou ainda como uma manifestação de credo político, ou de interesse e respeito pelas raízes nacionais.
Nos restaurantes e nas casas particulares, assim como nos recintos coletivos, de colégios, fábricas e escritórios, a alimentação depende do horário e dos custos. Nas principais cidades latino-americanas são encontrados pratos da cozinha nacional e internacional, sendo esta quase sempre uma adaptação local de algum prato conhecido. Nas residências, o “trivial variado” se baseia em pratos tradicionais modificados pelo cotidiano, por tratar-se de uma despesa indefinidamente repetida. O certo é que, depois da Segunda Guerra Mundial, a padronização e a estandardização da gastronomia vêm se acentuando, em virtude do desenvolvimento dos meios de comunicação e da propaganda, que se utilizam de celebridades como referências comuns, massificando não apenas padrões de beleza, mas também a moda nas comidas.
A ansiedade a respeito do que se leva à boca é tão corrente na América Latina como no hemisfério Norte. As atitudes tidas como pessoais generalizam-se, dando lugar a restaurantes e lojas especializados, que garantem fornecer alimentos mais saudáveis que os concorrentes. Os supermercados, igualmente, instalaram departamentos e seções de comida orgânica e produtos especiais. No meio de todas essas mudanças ditadas pelo ritmo frenético do comércio, às vezes, são lançadas modas baseadas na tradição. Apesar de tudo, embora em número decrescente, não é raro encontrar pessoas que mantêm vivas as práticas mais tradicionais. Assim, encontram-se com facilidade, nas ruas e escritórios, pessoas ingerindo mate de cuia, às vezes, as mesmas que também bebem iogurte light .
Além da convergência do rural para o urbano, os hábitos dos diversos países também estão se padronizando. Um aspecto marcante da vida alimentar latino-americana é a semelhança de costumes entre os países que a compõem. As diferenças alimentares entre os latino-americanos são decorrentes menos das nacionalidades do que das classes socioeconômicas.
Como uma nota culinária final, a convergência cultural e alimentar parece acompanhada pela surpreendente clareza da atitude dos latino-americanos a respeito do mar. Há uma diferença muito grande entre a atitude dos litorâneos do Atlântico, que se contentam em retirar do mar somente peixes, algumas algas e mariscos – completando suas refeições com cereais, frutas e verduras – e a dos habitantes da região do Pacífico, que retiram mariscos, crustáceos, peixes e algas em quantidade suficiente para prescindir, se necessário, de outras fontes de alimento. Atualmente, há um crescente comércio entre os países desses litorais, sustentado por uma transferência de hábitos alimentares. Pode ser que, com o tempo, o estrangeiro, em qualquer parte da América Latina, acabe se alimentando como se estivesse em seu próprio país, o que representará ganhos, mas também perdas consideráveis.
Bibliografia
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