Roberta Tavares de Melo Borrione

Resumo: A compreensão da infância como um período particular do desenvolvimento humano é recente e promoveu transformações nas instituições sociais e nas práticas socioeducativas. A infância desamparada foi institucionalizada para salvaguardar a sua sobrevivência e a do sistema socioeconômico. A institucionalização, com caráter de reclusão total, proporciona um desenvolvimento específico, ao promover formas de socializações bastante peculiares. O presente estudo busca apreender os significados socioculturais de crianças expostas e institucionalizadas do século XIX e da assistência social institucional proporcionada a essa infância; indicadores de desenvolvimento infantil em cenários institucionais do século XIX; instrumentos de socialização do século XIX, que poderiam ter influenciado o processo de subjetivação dessas crianças; e transformações sócio-históricas nestes significados e nestes instrumentos de socialização durante o século XIX. Para tal, foi realizada uma pesquisa documental, pressupondo que documentos históricos possuem intencionalidade e seus conteúdos denunciam a realidade social aprovada e/ou praticada. Foram utilizados os Estatutos do Asilo dos Expostos (anos de 1863 e 1914), os registros dos Livros de Atas da Mesa Administrativa (números 16 a 23 – período entre 1791 e 1902) e os Relatórios anuais ou bienais da Santa Casa de Misericórdia de Salvador (anos de 1870 a 1900). Foram realizadas análises quantitativa e qualitativa. A análise qualitativa seguiu a análise de conteúdo temática, cujos temas principais, divididos em categorias, foram trajetória institucional (formas de ingresso, políticas educacionais, sistema de controle institucional e destino pós-institucional) e cotidiano institucional (movimento institucional e estado sanitário institucional). A assistência à infância fora estruturada pela institucionalização tradicional. Compreendeu elevados indicadores adulto-criança, grande tamanho das turmas, divisão dos espaços institucionais conforme faixa etária e gênero. O estado sanitário institucional esteve perpassado por acomodações inadequadas e insuficientes, remontando à superpopulação e às reformas constantes para viabilizar o saneamento básico institucional. A nutrição era inadequada e insuficiente, demarcando contexto composto por altas taxas de morbimortalidade. A trajetória institucional iniciava pela admissão pela Roda e perpassava políticas educacionais e sistema de controle institucional fundamentados em processos de socialização diferenciados quanto ao gênero do/as interno/as e demarcados por práticas disciplinares, caritativas e filantrópicas, a fim da formação de indivíduos trabalhadores e capazes de viver harmoniosamente em família. Emergiram dois significados de infância exposta institucionalizada. O primeiro estava vinculado a um sentimento negativo frente ao abandono, como conseqüência da rejeição dos pais e à necessidade da criança em ter orientação para conduzir sua vida em conformidade social. Assistir à infância significava empreender uma guarda assistida e provisória. Um segundo significado derivou do final do século XIX e relacionou-se à criança-adulto. Assistir à infância significava manter guarda completa e definitiva. Era uma assistência voltada para o futuro da criança, para o ser útil a si e à pátria. Esses significados sociais permitem inferências acerca da configuração subjetiva da subjetividade social da assistência institucional à infância. Esta abarcou uma configuração subjetiva de um espaço social marcado pela institucionalização de caráter de reclusão total, paulatinamente agregando sentidos subjetivos procedentes da disciplina, do mundo do trabalho e da educação profissionalizante, baseados em transformações caritativas e filantrópicas.

Palavras-chave: Infância; Assistência Em Instituições; Subjetividade; Desenvolvimento Infantil; Psicologia Do Desenvolvimento. 

Referência: Borrione, Roberta Tavares de Melo (2004). Trajetórias institucionais e subjetividade: assistência social à infância exposta no século XIX. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia, Salvador.

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