Por Anyelle Karine de Andrade & Ednéia José Martins Zaniani

Entre as temáticas e fenômenos que demarcam o trabalho das(os) psicólogas(os) nas políticas públicas temos o da(s) violência(s). Não raro somos levados a perguntar: a(o) psicóloga(o) é um profissional que pode/deve atuar no manejo e atendimento apenas dos efeitos da(s) violência(s)? Poderia a(o) psicóloga(o) extrapolar as práticas curativas/remediativas/terapêuticas e contribuir com a compreensão crítica, o enfrentamento e a prevenção da(s) violência(s)? Para responder estes questionamentos acreditamos ser fundamental o acesso à produções científicas que ampliem o olhar para o fenômeno e fundamentem uma práxis psicossocial.   

Nessa empreitada, colocamos em destaque as contribuições de Ignácio Martín-Baró (1942-1989), um padre jesuíta nascido na Espanha, que se formou em Filosofia (1963) na Colômbia, em Teologia (1970) na Bélgica e em Psicologia (1975) em El Salvador, onde se naturalizou. Martín-Baró foi executado pelo exército salvadorenho em 1989 e embora tenha tomado aquela realidade como exemplo de um contexto coletivamente deteriorado pela guerra – cujas relações são essencialmente violentas -, suas reflexões podem nos auxiliar na construção de um saber crítico sobre a(s) violência(s), sobretudo as que se materializam em países de capitalismo tardio e desigualdades extremas como o Brasil. 

Martín-Baró (1983/1990) nos adverte que a violência não pode ser tomada como um fenômeno universal e estático, mas deve ser compreendida em sua dinâmica e multideterminação. Embora a violência se expresse de forma plural, ela é, antes de mais nada, um fenômeno histórico, arraigado profundamente em nossa estrutura social. Refutando o comportamento fatalista, Martín-Baró recorrerá à lógica dialética para discutir o ‘problema da violência’ e em uma perspectiva contra-hegemônica ensinará que é preciso romper com as ideologias que individualizam e atribuem suas causas apenas às ‘características psicológicas’ e ‘vontades pessoais’. 

Acreditamos que a leitura de Martín-Baró pode trazer inúmeras contribuições para a Psicologia não apenas porque aponta as características sociais da violência, mas, sobretudo porque implica coletivamente o saber e o fazer psicológico ante as necessidades e possibilidades  de  sua  superação. Em acréscimo, Chauí (2017) partindo também de uma leitura crítica, pode nos ajudar a identificar caminhos e vislumbrar no horizonte uma sociedade que precisa se reconhecer não fadada ao destino do medo e da violência.

 Lembramos que a Psicologia há tempos vem sendo chamada à (re)pensar e responder a serviço de quem tem colocado seu conhecimento e qual compromisso social tem assumido. Acreditamos que o modo como compreendemos e lidamos com a(s) violência(s) materializadas cotidianamente – na criança violentada sexualmente, na mulher agredida por

seu companheiro, no idoso negligenciado por seus familiares, entre outros – certamente sinaliza qual tem sido nossa resposta. Do mesmo modo, limitar nosso trabalho ao desenvolvimento de técnicas e abordagens tradicionais voltadas aos efeitos/rebatimentos da(s) violência(s), pode nos contar sobre o lugar que seguimos a protagonizar. Sobre o lugar que ocupamos, Basaglia (1968/1985) ensinou que sob o pretexto de cuidar/proteger, muitas vezes acabamos por reproduzir relações de poder e violência. Reproduzimos uma psicologia que violenta, que muito pouco tem sua competência discutida e seus conhecimentos e métodos postos sob suspeita (Mello & Patto, 2008).

Refletindo sobre o papel da Psicologia no enfrentamento da(s) violência(s) a partir das contribuições de Martín-Baró, Costa e Barroco (2021) reiteram que são as condições sociais de exploração que produzem e mantêm – direta ou indiretamente – todas as formas de violência e sofrimento. Assim, as autoras nos alertam que enfrentar tais condições exige “um árduo e contínuo trabalho teórico e prático, e, por isso e pelo que dele resulta, a Psicologia carrega consigo o caráter ético e político de uma ciência e de uma profissão comprometida com a formação humana integral” (p. 84). 

Comprometidos ética e politicamente com uma formação humana integral, compreendemos o quão é desafiante atuar junto às populações vulnerabilizadas. Também é desafiante superar posicionamentos fatalistas, que nos desresponsabilizam de buscar formas de promoção de uma vida mais digna e justa. Krug et al. (2002) ressaltam a constância da violência na história da humanidade e como esta compõe nossa experiência coletiva. Contudo, assinalam que isso não significa que o mundo tenha aceitado a violência como uma condição inevitável da existência humana, pelo contrário, lembram que ao longo do tempo iniciativas sociais, jurídicas, filosóficas, etc., têm empreendido esforços para impedir ou ao menos reduzir a(s) violência(s), contribuindo assim, para avanços civilizatórios significativos.

Nessa direção, nossa defesa é a de que aqueles que atuam na política de Assistência Social e ou em suas interfaces – seja na prática cotidiana dos serviços implementando a política, seja no campo acadêmico produzindo conhecimentos – precisam olhar para a(s) violência(s) não como evento(s) ou ato(s) isolado(s), cujas explicações são simplistas e as respostas imediatistas. Nossa defesa é a de uma práxis que estranhe a naturalização da(s) violência(s), inserindo-a na realidade concreta, uma práxis que reconheça que mesmo assumindo formas específicas (físicas, sexuais, psicológicas, institucionais, de gênero, entre outras) e repercutindo singularmente na vida de determinadas pessoas e famílias, a prevenção e o enfrentamento dependem de profundas mudanças nas relações interpessoais e nas condições concretas de existência (Milani; Silva & Almeida, 2021). 

Como psicólogos não podemos perder de vista que estamos inseridos em contextos desiguais, configurando uma realidade cotidiana com camadas de exploração, opressão e exclusão que muitas vezes coexistem e acirram as situações de risco e as violações de direitos. É assim que a violência contra mulheres, idosos, crianças/adolescentes, por exemplo, acaba reforçada pelas desigualdades de classe, gênero e raça/etnia, pleiteando uma atuação cada vez mais integral e compartilhada por toda uma rede de proteção (Brasil, 2014). Atento à isso, o Conselho Federal de Psicologia (CFP), especialmente por meio do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP), tem produzido materiais que intentam orientar e qualificar a prática profissional, reafirmando o compromisso ético-político da Psicologia (CFP, 2020; 2024). 

Sem a intenção de esgotar a vasta literatura sobre a temática, indicaremos e comentaremos a seguir um pouco mais sobre as referências mencionadas até aqui. Ao nosso ver, elas oferecem um repertório inicial para o exercício responsável do trabalho social junto àqueles que testemunham, vivenciam e ou não se conformam com a(s) violência(s), nem com seus impactos sobre o desenvolvimento e a saúde mental das pessoas.   

Desejamos a todas(os) uma boa leitura!

 

Martín-Baró, I. Violencia y agresion social (1990) In: Martín-Baró, I. Accion e ideologia: Psicología Social desde Centroamérica. San Salvador: UCA, p. 359–419. (Trabalho original publicado em 1983). Disponível aqui

Neste capítulo Martín-Baró (1983/1990), que parte da sua experiência em El Salvador, alerta que o ponto de partida para analisarmos o fenômeno da violência deve ser reconhecê-lo em sua complexidade. Defendendo uma análise histórica e psicossocial das suas manifestações, lembra que ainda que a violência se manifeste de diferentes formas, está sempre relacionada à estrutura social. Logo, não devemos procurar as raízes da violência dentro das pessoas, mas nas circunstâncias em que estas vivem, ou seja, compreendendo-a a partir do contexto social que a produz.

Outro ponto em destaque é que o autor nesse capítulo diferencia violência e agressão, apontando que o conceito de violência “é mais amplo que o de agressão” e que “todo ato ao que se aplique uma dose de força excessiva pode ser considerado como violento”, enquanto a agressão seria uma forma de violência “que aplica a força contra alguém de maneira intencional, ou seja, aquela ação mediante a qual se pretende causar um dano a outra pessoa (p. 365-366).

Martín-Baró (1983/1997) apresenta ainda no referido capítulo, diferentes enfoques teóricos sobre a violência, alçando críticas a alguns modelos. Amplia o debate ao trazer o enfoque ‘histórico’, observando que na sociedade capitalista a violência “[…] está incorporada na ordem social, que é mantida pelas instituições sociais e que é justificada e ainda legalizada na ordem normativa do regime imperante” (p. 375). É esta ordem social que define como violentos os atos que a ela se opõem, ao passo que promove e justifica as violências que atendem aos interesses das classes dominantes. Apropriar-se dessas reflexões não deve nos levar ao fatalismo paralisante, mas confirmar a necessidade de um projeto ético-político para nossa ciência e profissão. 

 

Costa,  M. L. S., & Barroco, S. M. S. (2021). Violência e a práxis da psicologia: Contribuições de Ignácio Martín-Baró. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, 13(3), 66–86. Disponível aqui

Em complemento à referência indicada anteriormente, sugerimos esse artigo que discute a relação entre Psicologia e a violência, destacando a importância da obra baroniana na compreensão das especificidades latino-americanas. As autoras destacam que Martín-Baró propõe uma Psicologia que não apenas analise a violência, mas que também se posicione ativamente no enfrentamento de suas causas que são estruturais. 

Indicamos esse material porque ele apresenta a compreensão de Martín-Baró sobre a violência, entendendo-a como um fenômeno dinâmico, marcado pela multiplicidade de manifestações, pelo caráter histórico e pela espiral de violência, onde a agressão tende a se retroalimentar e se intensificar. Nessa perspectiva, sinalizam que no contexto brasileiro, a violência é compreendida como um processo histórico ligado ao colonialismo, à escravidão e às desigualdades sociais persistentes.

As autoras ressaltam que Martín-Baró nos ensina que a violência não pode ser vista apenas como um comportamento individual descontextualizado, mas sim como resultado de condições sociais concretas, desafiando a Psicologia a ir além de um reducionismo sociológico ou psicológico, defendendo a indissociabilidade entre a formação do psiquismo e as condições materiais de existência. 

 

Krug, E. G., Dahlberg, L. L., Mercy, J. A., Zwi, A. B., & Lozano, R. (2002). World report on violence and health / Relatório mundial sobre violência e saúde. World Health Organization. Disponível aqui

Para pensar a(s) violência(s) em um contexto global, indicamos o Relatório Mundial sobre Violência e Saúde (2002) que é uma referência para profissionais e pesquisadores que se interessam pelo tema. O referido material apresenta conceitos da OMS e destaca um modelo que considera fatores individuais, relacionais, comunitários e sociais para compreender a dinâmica da(s) violência(s). A obra analisa ainda as múltiplas suas causas (sociais, econômicas, culturais e políticas) e detalha diferentes tipos de violência (interpessoal, de gênero e coletiva), abordando seus impactos físicos, psicológicos e sociais. Parte do princípio de que a violência é evitável, embasando essa afirmação em evidências e exemplos bem-sucedidos ao redor do mundo.

O relatório destaca a importância das políticas públicas e das pesquisas na prevenção da violência, além de enfatizar a responsabilidade compartilhada entre governos, gestores e sociedade civil. Por fim, aborda desafios e obstáculos na implementação de estratégias e políticas públicas, reforçando a necessidade de uma corresponsabilização.

 

Chauí, M. (2017). Sobre a violência. São Paulo: Editora Martins Fontes.

Para pensar a(s) violência(s) no Brasil o livro de Marilena Chauí reúne textos que analisam criticamente o fenômeno no mundo contemporâneo, dividindo-se em três partes: 1. A violência no Brasil; 2. A violência contemporânea; 3. Reflexões sobre a violência. Nessa obra, a autora desconstroi o “mito da não violência brasileira”, evidenciando como nossa sociedade é marcada por estruturas violentas, presentes na história e nas relações de poder. Chauí amplia a compreensão da violência para além das categorias tradicionais, abordando temas como tortura, violência de classe, racial e religiosa, além da influência do neoliberalismo, nos auxiliando a identificar como operam as engrenagens da violência sustentada pelo poder, pela economia e pela política. 

Apesar da sensação de desesperança que pode surgir diante dessa realidade, a autora propõe um caminho para a transformação social, enfatizando a democracia como um instrumento fundamental para combater o medo e a violência. Indicamos esta leitura porque ela nos permite pensar o enfrentamento da violência não apenas como um fenômeno individual e social, mas como um desafio ético que exige compromisso e ação coletiva.

 

Milani, G. D., Silva, G. L. R. da, & Almeida, M. R. de. (2021). Impactos da violência de gênero na produção da subjetividade de mulheres: Contribuições da Psicologia Histórico-Cultural. In R. Bellenzani & B. P. Carvalho (Orgs.), Psicologia histórico-cultural na universidade: Pesquisas implicadas (pp. 125–162). Campo Grande, MS: Editora UFMS. Disponível aqui

A partir da Psicologia Histórico-Cultural, o capítulo volta-se em especial à violência de gênero, destacando-a como parte da violência estrutural, inerente à organização social capitalista. Os autores analisam como essa violência, mesmo quando sutil, é internalizada e molda a subjetividade feminina, reforçando relações de dominação patriarcal. Ao longo do texto os autores apresentam uma conceituação específica de violência de gênero, dados de prevalência no Brasil, legislações voltadas ao enfrentamento desta problemática e as bases materiais que sustentam essas práticas de violência. Por fim, o capítulo destaca a violência de gênero como uma ferramenta de subordinação e explora estratégias de enfrentamento coletivo, defendendo a construção de novas práticas sociais que rompam com os ciclos de violência e dominação que sustentam, em última instância, a desigualdade de gênero.

 

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. (2010/2014). Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde. Brasília: Ministério da Saúde. Disponível aqui

Adentrando referências mais voltadas ao cuidado daqueles que já foram expostos à(s) violência(s), este guia, que foi publicado inicialmente em 2010 e teve uma atualização em 2014, apresenta diretrizes para o acolhimento, atendimento, notificação e acompanhamento de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violência na rede de serviços públicos. Aborda diferentes tipos de violência (física, sexual, psicológica e negligência), além de enfatizar a importância da identificação precoce, proteção e promoção da cultura de paz e apresentar algumas estratégias de prevenção e intervenção.

Para vislumbrarmos o enfrentamento e a prevenção, o documento destaca a necessidade de uma abordagem integrada entre os serviços de saúde, assistência social, educação, segurança pública e justiça, fortalecendo a rede de proteção. Assim, a leitura configura um guia de consulta para profissionais das diferentes políticas públicas, servindo como ponto de partida para a construção de ações menos desarticuladas e ineficazes no enfrentamento da(s) violência(s) contra crianças e adolescentes.

 

Conselho Federal de Psicologia. (2020). Referências técnicas para atuação de psicólogas(os) na rede de proteção às crianças e adolescentes em situação de violência sexual (2ª ed.). Conselho Federal de Psicologia. Disponível aqui

Esse documento é uma revisão da antiga publicação “Serviço de Proteção Social a Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência, Abuso e Exploração Sexual e suas Famílias: referências para a atuação do psicólogo”, publicada pelo CFP em 2009. O material orienta a atuação profissional de psicólogas(os) no enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes e está estruturado em quatro eixos principais: 1. Dimensão Ético-Política Frente às Violências; 2. Psicologia e Proteção de Crianças e Adolescentes em Situação de Violência Sexual; 3. Atuação do Psicólogo nos Serviços da Rede de Proteção; 4. Espaços de Construção e Defesa das Políticas Públicas. Entendemos ser uma importante referência técnica, dado os destaques para as principais características da violência sexual infantojuvenil, para os marcos normativos nacionais e internacionais de proteção de crianças e adolescentes, pela ênfase no compromisso da Psicologia na defesa dos direitos humanos e na luta contra a violência sexual, bem como pelas reflexões sobre as contribuições da Psicologia na proteção e cuidado das crianças e adolescentes que vivenciaram situações de violência.

O documento aborda também o lugar da Psicologia em diferentes setores da rede de proteção (saúde, assistência social, educação, justiça e segurança pública), enfatizando a necessidade de capacitação continuada das(os) psicólogas(os) e de uma abordagem integrada na rede de proteção, com ênfase para uma atuação interdisciplinar e intersetorial. Vale destacar ainda que o material realiza uma leitura crítica de algumas legislações e posicionamentos referentes ao tema, como sobre a Lei 13.431/2017, que regulamenta o depoimento especial e a escuta especializada.

 

Conselho Federal de Psicologia. (2024). Referências técnicas para atuação de psicólogas(os) no atendimento às mulheres em situação de violência (2ª ed.). Conselho Federal de Psicologia. Disponível aqui

Seguindo a perspectiva da indicação anterior, este material busca igualmente orientar a atuação da Psicologia no acolhimento e atendimento a mulheres vítimas de violência na rede de proteção, com base em princípios éticos e políticos, com vistas a construção de parâmetros compartilhados e legitimados pela participação crítica e reflexiva nos serviços, ações e programas de atendimento, assistência e prevenção de violência às mulheres.

O documento se estrutura em quatro eixos principais:1. Dimensão Ético-Política, na qual são introduzidos alguns referenciais teóricos, epistemológicos e políticos essenciais, que expandem as perspectivas sobre as mulheres em suas multiplicidades e diversidades, com o objetivo de auxiliar na compreensão das violências de gênero em suas múltiplas manifestações e estratégias de enfrentamento, aspectos fundamentais para a atuação na prática psicológica. Também são apresentados os marcos legais nacionais e internacionais sobre a violência de gênero e os tipos de violências experienciadas pelas mulheres.  2. A Psicologia e o atendimento às mulheres em situação de violência, momento no qual são apresentados os dados sobre a violência, sem perder de vista essa discussão no contexto das mulheres trans e travestis e a relação da violência de gênero com a deficiência, as questões étnico raciais e as vulnerabilidades financeiras, as fragilidades dos vínculos familiares e comunitários. 3. A rede de atenção e proteção à mulher, que explica o funcionamento dos serviços da rede de proteção, como CRAS e CREAS e ressalta a importância da articulação intersetorial, que fortalece uma abordagem comprometida com a complexidade do enfrentamento da violência de gênero. 4. Condições de trabalho das profissionais mulheres que atendem mulheres nas políticas públicas, momento no qual o material aborda a precarização do trabalho das psicólogas(os) na rede de proteção e dos desafios enfrentados pelas trabalhadoras da área.

 

Mello, S. L. de; & Patto, M. H. S. (2008). Psicologia da violência ou violência da psicologia? Psicologia USP, 19(4), 591-594. Disponível aqui

Caminhando para a finalização das indicações temos o texto de Mello e Patto (2008) – que partem de uma situação trágica envolvendo dois irmãos (12 e 13 anos) que foram mortos brutalmente pelo pai e pela madrasta – para alçarem duras críticas à formação acadêmica da Psicologia e à precariedade de muitas práticas psicológicas diagnósticas. As autoras contextualizam que os adolescentes foram reintegrados à sua família quatro meses antes do crime, após um período de nove meses de institucionalização em um abrigo decorrente de denúncias de maus tratos. Mesmo diante do desejo manifesto dos adolescentes de não retornarem à família, a decisão judicial encontrou subsídios em pareceres de uma equipe de profissionais, entre eles o de uma psicóloga que em seu laudo teceu considerações sobre a ‘personalidade manipuladora’ daqueles meninos. Mello e Patto (2008) asseveram que, como outros documentos psicológicos, o laudo reproduzia graves estereótipos e preconceitos de classe, desconsiderando a complexidade e a gravidade da situação.

Indicamos essa leitura não apenas porque ela dispara reflexões acerca de nosso papel de ‘avaliadores’ e ‘pareceristas’, mas por acreditarmos que “Um psicólogo que não adquirir a capacidade de pensar o próprio pensamento da ciência que pratica – ou seja, de refletir sobre a dimensão epistemológica e ética do conhecimento que ela produz – certamente somará insciente, com o preconceito delirante, a opressão, o genocídio e a tortura” (Mello & Patto, 2008, p. 594).

 

Basaglia, F. (1985). As Instituições da Violência. In Basaglia, F. Instituição negada. Editora Graal. (Trabalho original publicado em 1968).

Para encerrar as referências sugeridas, escolhemos essa obra que de maneira geral é uma importante referência para o Movimento da Reforma Psiquiátrica. Nela Basaglia propõe uma transformação radical do modelo manicomial tradicional, evidenciando como as instituições psiquiátricas são marcadas pela exclusão, opressão e violência estrutural. Especificamente no capítulo As Instituições da Violência, Basaglia aprofunda a crítica a estas instituições, desvelando que as mesmas não apenas refletem a violência estrutural, mas também a perpetuam e a disfarçam sob o pretexto do ‘cuidado’. Expande a crítica a outras instituições, como a família, a escola e o trabalho, afirmando que todas compartilham algo comum: a divisão entre os que detêm o poder e os que são subordinados. Segundo o autor, a violência e a exclusão estariam na base de todas as relações sociais, e enquanto profissionais, podemos perpetuar a violência se buscamos apenas adaptar os indivíduos à opressão e não os ajudamos a questioná-la e enfrentá-la. Nessa direção, acreditamos que a leitura de Basaglia pode incitar reflexões importantes sobre o que objetivamos com nossas intervenções e se, sob o pretexto da proteção/cuidado, não somos nós, os maiores agentes da(s) violência(s).

 

 

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