Ana Pereira dos Santos
Resumo: Este trabalho tem como foco principal compreender como se constitui a trajetória profissional de um trabalhador social que atua na Política de Assistência Social brasileira e as formas de institucionalização que derivam do encontro entre os profissionais e a política de Assistência Social enquanto uma instituição. O título “O inimigo sempre volta” aponta para uma destas formas, nesse sentido, discutimos nesta tese como a frágil institucionalização da política pública captura e potencializa a sobreimplicação do trabalhador. Para chegar a tal objetivo, observaram-se e discutiram-se trajetórias de vida de técnicos que construíram uma parte do percurso profissional na secretaria de Assistência Social da cidade de Betim, campo de pesquisa deste estudo, relacionando-as com a sobreimplicação que aparece na relação do sujeito com seu ofício. Numa perspectiva etnográfica, além das entrevistas em narrativas de vida, a consulta de variadas fontes documentais, a observação participante e a análise da implicação da própria pesquisadora também contribuíram para a discussão sobre as formas de vinculação dos técnicos com o trabalho social e sobre como elas dialogam com o processo de institucionalização da política, levando em consideração especificidades da constituição histórica da pasta na cidade. A partir de uma análise transversal dos dados colhidos através de diversas fontes, foi possível perceber que a sensibilidade necessária para se tornar um trabalhador social implicado não acontece, necessariamente, no encontro com o campo. As trajetórias de vida revelam experiências religiosas, voluntárias, políticas e familiares, as quais proporcionaram diversas oportunidades para que se construísse uma disposição peculiar que se transformou em um processo de profissionalização dessa motivação. Quando analisamos uma narrativa de vida específica e a relacionamos com a construção histórica da Política de Assistência Social no Brasil, notamos a importância das experiências religiosas, principalmente daquelas organizadas pela Igreja Católica, que ocorreram no período da ditadura militar brasileira e na posterior abertura política, para formar pessoas que, posteriormente, assumiriam lugares nas políticas sociais. Tais experiências de vida resultam em uma sensibilidade que pode favorecer processos de institucionalização da Política de Assistência Social marcados pela captura dos afetos militantes, ao usar e aumentar a sobreimplicação a favor da militância ostensiva e da histórica precariedade dessa política pública. Dessa forma, analisamos que a prática profissional dos trabalhadores pesquisados se circunscreve em uma sobreimplicação que aponta um excesso de envolvimento com o trabalho. Opondo-se a qualquer forma de anestesiamento, os profissionais utilizam o fazer profissional não só a partir da lógica pragmática de constituir seu processo de profissionalização, de obter salário, bens e condição de arcar com as despesas, mas também como um trabalho cujo sentido engloba ideais afetivos que remetem a pertencimentos que extrapolam o campo institucional da política. Quando se afastam do campo de embate político-institucional para voltarem-se para as questões subjetivas que os convocaram a assumir o cargo público, correm o risco de ser envolvidos por um processo de institucionalização histórico da Política de Assistência Social no Brasil, que se constitui avançando e conquistando recursos, aparato técnico e jurídico, ao mesmo tempo em que retrocede à medida que não possui institucionalidade suficiente para se defender da personalização e do jogo de interesses individuais que dela fazem uso. Nesse pêndulo, interesses político-partidários atravessam e precarizam o trabalho, fazendo tanto a política pública estagnar, quanto também favorecer a sobreimplicação dos trabalhadores. Nesta cena, adoecimentos, anestesias e descontinuidades de ideias podem surgir, provocando condições despotencializantes para o exercício do trabalho. Por outro lado, a pesquisa mostra que a coesão grupal, sustentada por processos nômades e instituíntes, com temporalidade curta e produção de novidades técnicas, podem produzir experiências de alegria, de crescimento e de resistência política para os trabalhadores. Conclui-se sobre a importância de reflexões e de análises críticas sobre o fazer profissional no campo da Assistência Social, tema ainda pouco explorado nas pesquisas atuais.
Palavras-chave: análise institucional; política de assistência social; trabalhador social; implicação; trajetória de vida.
Referência: Santos, Ana Pereira dos (2019). “O inimigo sempre volta”: Reflexões sobre a construção da implicação dos trabalhadores com a Política de Assistência Social. Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte.
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