Roseane Torres de Madeiro
Resumo: Esta tese se situa na interface entre a psicanálise e os âmbitos socioassistencial e jurídico, mais precisamente, no contexto de uma instituição de acolhimento para crianças vítimas de diversas violações de seus direitos, entre elas, a violência sexual. Em casos como esse, por se tratarem de crianças, há uma dificuldade de localizar em suas falas aquilo que tenha valor de verdade como um acontecimento. Como a verdade é tida no campo jurídico? E o que é a verdade para a psicanálise? Se tomarmos como referência o fazer de um psicanalista, que em seu trabalho conta com a suposição do inconsciente, encontraremos nesse campo uma problemática sobre o modo como a psicanálise pensa a questão da verdade, situada no campo do inconsciente, do desejo e da linguagem, e o modo como ela é posta para o campo jurídico, como factual e adequada aos objetos observáveis e comprovados: dois campos que atuam próximos, mas tomam a verdade a partir de critérios diferentes. Temos então, a verdade como acontecimento, e a verdade do sujeito, sendo o cruzamento entre estas duas formas de tratar a verdade aquilo que será interrogado nesta tese. Não podemos afirmar que uma verdade é mais verdadeira que a outra, mas precisamos reconhecer que estamos falando de noções diferentes e que isso afeta o trabalho do psicanalista e a condução jurídica de um processo. Esse impasse foi localizado na experiência de trabalho institucional, a partir da escuta de um caso que envolvia a suspeita de violação sexual. Os casos envolvendo crimes sexuais contra crianças são delicados pois, envolvem a sua condição de falantes e de sujeitos sexuais. Nesse contexto, está em jogo também algumas demandas de um campo a outro, como por exemplo a expectativa do campo jurídico de que as áreas psicológicas poderão – através do uso de técnicas e instrumentos – desvendar a verdade dos acontecimentos. Lembremos que a fala de uma criança em um processo jurídico é tomada como prova testemunhal e que nem tudo o que é dito enquanto um testemunho se aproxima da verdade dos fatos. Dessa forma, o objetivo desta pesquisa foi investigar a noção de verdade dentro do campo da psicanálise, visando discutir a seguinte questão: se a verdade é a do desejo inconsciente, como o analista pode realizar seu trabalho institucional? Que relevância a verdade do inconsciente poderia ter dentro de um processo jurídico envolvendo crianças em situação de acolhimento institucional? A que serve a suposição do campo do inconsciente para a condução do trabalho do psicanalista em um contexto socioassistencial e jurídico? Para desenvolver tais questões, o método utilizado nesta pesquisa foi o da psicanálise, onde foram utilizados como recursos metodológicos alguns recortes de um caso clínico, bem como fragmentos de práticas profissionais que são rotineiras na instituição, de onde foram extraídas algumas questões e articulações teóricas concernentes ao tema e objetivo da pesquisa. Como resultado foi possível apontar para o fato de que em casos de oitiva de crianças que envolvem crimes sexuais, o contexto jurídico precisa dar um lugar para a verdade do sujeito, localizada no campo do inconsciente, próxima à sexualidade e à linguagem; e que o psicanalista, por sua vez, pode através de práticas discursivas, promover uma mediação entre ambos os campos, tomando como causa o sujeito do inconsciente que habita a criança.
Palavras-chave: psicanálise; assistência social; direito; instituição de acolhimento.
Referência: Madeiro, Roseane Torres de (2019). O trabalho do psicanalista em uma instituição de acolhimento infantil e a noção de verdade para a psicanálise. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Pará, Belém.
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