Por Antonio Euzébios Filho

Participação social é um tema amplamente discutido nas sociedades democráticas e exaustivamente tratado na literatura acadêmica – desde a ciência política à psicologia social.

Há várias formas de abordar este tema: desde uma perspectiva histórica, trazendo à baila a questão das sociedades de classe, desde uma perspectiva macropolítica, contextualizando esta temática na estrutura da sociedade e do Estado capitalista. 

Ainda é possível abordar este amplo tema da “participação social” como mecanismo institucional do Estado na elaboração e no controle social de políticas públicas, como é o caso do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que deve estruturar suas políticas respeitando as discussões e deliberações dos conselhos municipal, estadual e nacional de Assistência Social. 

O tema da participação social também deve ser contextualizado na realidade brasileira, preocupando-se, portanto, com a diversidade de participação e representação de grupos politicamente minoritários, para que se democratize a cobertura dos serviços públicos essenciais. Neste caso, o tema em tela coloca-se como uma pauta fundamental para discussão sobre Direitos Humanos. 

Participação social é um tema que pode supor também subversão da ordem, rebeldia, insurgência política. E, ainda, pode ser abordado desde uma perspectiva psicossocial: participação e construção de identidades, sentimentos de pertença, participação e memória histórica, entre outros;

Enfim, estas são algumas formas de “enquadrar” nosso tema, de modo que a literatura indicada está organizada da seguinte forma: (1) Participação social na sociedade contemporânea: falando sobre Estado e Democracia; (2) Crise da democracia e novas formas de organização, representação e participação; (3) Controle social, políticas públicas e conselhos de participação popular; (4) Participação social: um enfoque psicossocial.

 

(1) Participação social na sociedade contemporânea: sobre Estado e Democracia

É importante começar pela polissemia do termo “participação social”. É um tema muito amplo, por isso que é necessário escolher um caminho – e começa por uma análise do que se pode entender por Estado e Democracia.

O clássico de Engels (2002) traz um apanhado histórico, de base antropológica, sobre o surgimento e o caráter político do Estado. Uma visão crítica sobre a formação e consolidação do Estado moderno, no contexto da revolução francesa, pode ser lido em Hobsbawm (2012). Na mesma esteira, Marx (2010) dá nome à democracia atual: democracia burguesa. E o texto de Gramsci (1991), outro clássico da ciência política, nomeia o Estado moderno igualmente como burguês, ainda que considere relevante reconhecer as contradições e as disputas de interesses econômicos e ideológicos no interior do próprio Estado. 

A perspectiva aqui apresentada dá para nós uma noção de que o Estado e a Democracia são fenômenos históricos e não estão acima dos conflitos sociais e políticos, ao contrário, são manifestação deles – de forma resumida é o que Netto (2001) chama de “questão social”. Isto nos permite também compreender os limites da formação social capitalista em promover uma democracia mais efetiva (direta, participativa) e combater as desigualdades sociais. Aliás, os limites da democracia representativa e para uma noção geral de democracia participativa pode ser observada no texto de Coutinho (1980).

Outro aspecto importante: não se pode conceber uma democracia como minimamente saudável sem que se reconheça e se efetive a participação social dos povos/tradições/cultura/modos de vida na demarcação da garantia de seus próprios direitos, na resolução de conflitos ou na proposição de políticas sociais – estamos falando do Princípio da Autodeterminação dos povos.

Infelizmente, muitas vezes esta não é a realidade. Assistimos no Brasil, por exemplo, uma série de ataques violentos aos povos tradicionais, que tem suas terras e comunidades removidas ou aniquiladas sem sequer ser ouvidos, muito menos tendo suas opiniões levadas em conta. Este é um exemplo dos limites do Estado e da Democracia em solucionar conflitos promovidos pela sociabilidade capitalista. Aqui é necessário refletir sobre a questão do impedimento da participação política dirigida a pessoas ou grupos sociais politicamente minoritários ou a violação direta de Direitos Humanos. 

 

Leituras sugeridas:

Coutinho, C. N. (1980). A democracia como valor universal: notas sobre a questão democrática no Brasil. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas.

Engels, F. A. (2002). Origem da família, da propriedade privada e do Estado. São Paulo: Centauro.

Gramsci, A. (1991). Maquiavel, a política e o estado moderno. 8.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

Hobsbawm, E. J. (2012). A era das revoluções. São Paulo: Paz e Terra.

Marx, K. (2010). Glosas críticas marginais ao artigo “O rei da Prússia e a reforma social”. Por um prussiano. São Paulo: Expressão Popular.

Netto, J. P. (2001). Cinco Notas a Propósito da “Questão Social”. Revista Temporalis, Brasília: ABEPSS.

 

(2) Crise da democracia e novas formas de organização, representação e participação

A crise de representatividade é, sem dúvida, uma das características da conjuntura atual. Como chegamos a viver uma realidade em que, como a atual, a democracia propaga descrença e desconfiança? A obra de Marcelino (2013), por exemplo, traz uma visão crítica, associada ao processo de restruturação produtiva do capital, acerca dos desafios que os sindicatos – e da participação sindical – vem sofrendo há algumas décadas, enquanto Ali (2012) trata de modos alternativos que a juventude, especialmente, vem buscando se organizar por fora de partidos, ainda que estes últimos tenham sobrevivido aos desgastes das últimas décadas e continuam a ser uma referência para determinados setores jovens e da população em geral. 

É claro que a desconfiança com a democracia, que vem propagando autoritarismo no Brasil e no mundo, deve ser compreendido estruturalmente, tendo em vista as tensões inerentes à “questão social”.

 

Leituras sugeridas:

Ali, T. (2012). O espírito da época. In D. Harvey, M. Davis, S. Zizek, T. Ali & Vladmir Safatle. Occupy. Movimentos de protesto que tomaram as ruas (pp 65-72). São Paulo: Boitempo/Carta Maior.

Marcelino, P. (2013). Trabalhadores terceirizados e luta sindical Trabalhadores terceirizados e luta sindical. Curitiba: Ed Appris.

 

(3) Participação social: controle social, políticas públicas e conselhos

Apesar da crise e dos limites da democracia burguesa, há no interior do Estado importantes espaços de participação instituídos ou consolidados a partir da constituição de 1988. Dentre eles, os já citados conselhos Municipal, Estadual e Nacional de Assistência Social. Os conselhos podem ter caráter consultivo e/ou deliberativo sendo em ambos os casos fundamentais para proposição de políticas, controle e acompanhamento de ações de caráter público. O texto de Ghon (2002) versa sobre o papel dos conselhos na gestão pública. Já Avelino (2012) faz uma análise sobre os processos decisórios, especialmente, no Conselho Nacional de Assistência Social, refletindo, assim, sobre limites e possibilidades da participação de diferentes atores nas decisões desta instância. Reflexão complementar sobre esta questão pode ser observada em Almeida e Tatagiba (2012).

 

Leituras sugeridas:

Avelino, D. P. (2012). Democracia em conselhos: análise do processo decisório em conselhos nacionais (Tese de Doutorado). Universidade de Brasília, Brasília-DF.

Almeida, C; Tatagiba, L. (2012). Os conselhos gestores sob o crivo da política: balanços e perspectivas. Serviço Social e Sociedade, (109), 68-92. https://doi.org/10.1590/S0101-66282012000100005

 

Gohn, M G. (2002). Papel dos Conselhos gestores na gestão pública. In Fundação Prefeito Faria Lima (Org.), Conselhos Municipais das Áreas Sociais (2a ed., pp. 7-16). São Paulo: CEPAM.

 

(4) Participação social: um enfoque psicossocial

A participação é algo que vai além do mero ocupar uma ‘cadeira’ formal de representatividade. Analisar as formas de participação social previstas ou não pelo Estado é compreender diferentes modos de representação e construção de legitimidade social e identidades, formação de lideranças, constituição de memórias, grupos de referência, formação da consciência política etc. Para um panorama geral destas questões, consultar Silva e Euzébios Filho (2021). Deixamos aqui também o clássico de Paulo Freire que trata do conceito de conscientização (Freire, 2001).

Leituras sugeridas:

Freire, P. (2001). Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Paz e Terra.

Silva, A., & Euzébios Filho, A. (2021). Marxismo, consciência e comportamento político. Linhas Críticas, 27, 1-19.

 

Sobre Antonio Euzébios Filho

Antonio Euzébios Filho é Professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Constituinte do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho, o professor  desenvolve estudos nas áreas de participação social, políticas públicas, desigualdade social, violência e trauma psicopolítico.

 

Como citar essa Bibliografia Comentada

Filho, Antonio Euzebios. Participação social: uma bibliografia comentada (Bibliografia Comentada). In Portal Psicologia na Assistência Social. Recuperado de https://sites.usp.br/psicologianaassistenciasocial/participacao-social-uma-bibliografia-comentada/

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