Estudo do IPUSP relaciona trajetória de Primo Levi à sua obra

Na última edição da Revista Psicologia USP, que apresenta um dossiê especial com o tema Testemunho e Cura, a pesquisadora do IP-USP Maria Nadeje Barbosa apresenta um artigo sobre a vida e obra do escritor italiano Primo Levi, com base nas relações entre traumatismo e sublimação, como estudadas formalmente no modelo psicanalítico proposto por Freud.

Primo Levi nasceu na cidade de Turim em 1919, em uma família judia, crescendo numa época em que Mussolini, o fascismo e o antissemitismo ganhavam cada vez mais força. Era um aluno adiantado na escola, porém sofria forte discriminação pelos colegas por seu judeu. Em 1933, teve que entrar no movimento Avanguardisti, a divisão fascista para a juventude italiana, contra sua vontade. Pouco tempo depois, conseguiu ser aprovado em um liceu especializado em livros clássicos, e lá decidiu se tornar químico.

Em 1937, foi forçado pelo Ministério da Guerra a entrar na milícia fascista, onde teve de continuar mesmo após começar a estudar Química na Universidade de Turim. Após mais de um ano, o governo italiano passou as Leis Raciais, que tiraram diversos direitos básicos dos judeus no país, e em 1940 Mussolini se aliou a Hitler. Os dois acontecimentos culminaram na perseguição intensa das famílias judias, e três anos depois, após se formar com dificuldade em Turim e passar por diversos trabalhos clandestinos, Levi foi capturado pela mesma milícia que uma vez fez parte.

No campo de concentração de Auschwitz, o químico viveu a experiência traumática que mais tarde o transformaria em escritor e que serve como contexto essencial a entender sua obra. “A produção intelectual e literária de Levi não teria ocorrido ou não teria ocorrido com a mesma intensidade, como ele bem mesmo teve a oportunidade de confessar, se não fosse o fato histórico da Shoah [denominação do Holocausto em hebreu]”, afirma Maria.

Graças a seu conhecimento de química, ele foi mandado para trabalhar em um laboratório do campo, o que favoreceu sua sobrevivência, já que não era forçado a trabalhar no clima gelado do lado de fora dos prédios. Em um local onde a expectativa de vida era de 3 meses, Levi conseguiu passar um total de 11 meses, até que os soviéticos libertaram os prisioneiros de Auschwitz.

Ele foi um dos poucos sobreviventes da invasão, já que os alemães mataram quase todos os prisioneiros antes do Exército Vermelho chegar, na conhecida “marcha da morte”. O escritor só foi deixado pra trás da marcha porque ficara gravemente doente pouco antes e estava internado no hospital do campo.

Levi pós-guerra

Após alguns meses sob custódia dos soviéticos, Levi voltou a Turim, bastante afetado pela experiência da Segunda Guerra. Enquanto se recuperava e procurava por um trabalho, Levi conheceu numa festa de ano novo Lucia Morgati, por quem se apaixonou. Logo após, conseguiu trabalho numa fábrica da DuPont em Turim, onde dormia quase todos os dias e começou a escrever os rascunhos de Se Isso é Um Homem?, uma obra testemunhal sobre sua vivência em Auschwitz.

Em dez meses, o material estava pronto. Lucia ajudou a editar o livro, e após algumas respostas negativas, conseguiu achar uma editora para publicá-lo. Em 1947, o escritor se casou e começou a trabalhar numa empresa de tinta chamada SIVA, pouco depois da obra ser lançada. Durante uma década a obra foi virtualmente desconhecida, atingindo pouquíssimo público. Apenas em 1958 a editora Einaidi republicou o livro em uma tiragem maior, fazendo-o ganhar mais reconhecimento e ser traduzida até para o alemão, um dos objetivos de Levi.

“Esse próprio contexto literário sinuoso do qual Levi era parte integrante serviu de estímulo para suas ulteriores publicações”, declara a pesquisadora. ”Para sua obra como um todo, na medida em que o traumatismo fundamental vivenciado nos campos de extermínio foi ininterruptamente atravessando as veredas do tempo e assumindo novas e diversas configurações”.

Ao longo do resto de sua vida, escreveu outros sucessos que foram expandindo seu reconhecimento no circuito literário, como Tabela Periódica, uma coleção de contos semi-biográficos que se relacionam com cada elemento químico e A Trégua, que conta a história de seu retorno de Auschwitz para Turim e foi adaptado para um filme homônimo. Quase toda a obra se relaciona com experiências traumáticas pessoais do autor, o que torna o conjunto importante para o estudo da psicologia. “O humano depois de Auchwitz, do qual a psicanálise tem muito a aportar, mas, também, muito mais a extrair”.

O artigo completo pode ser lido no Portal de Revistas da USP.

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