Estudo revela efeitos psicossociais das “novas classes médias”

Individualismo, competitividade e redução da teia de solidariedades são algumas das bandeiras adquiridas pelo segmento

Por Isabella Schreen – AUN (Agência Universitária de Notícias), 28/6/2016

Pertencem à classe média aqueles com renda familiar per capita entre R$ 291,00 e R$ 1.019,00

Em tempos de novos quadros econômicos e de uma reconfiguração social da população brasileira, os pesquisadores Luís Fernando de Oliveira Saraiva, Joyce Cristina de Oliveira Rezende, João Victor de Souza Reis, Márcio Dionizio Inácio, Lia Vainer Schucman e Belinda Mandelbaum  se propuseram a estudar, a partir da psicologia, um novo conceito: a nova classe média, ou classe C. Esta se refere ao setor social que ascendeu de classes mais baixas, e adquiriu condições melhores de vida em meados do governo Lula. O seu surgimento é um dos indicadores da diminuição da desigualdade social e de renda no Brasil, apesar de sua instabilidade.

A “nova classe média” representa uma mudança perceptível aos olhos de toda a população, afinal, conquistou espaços que antes pertenciam somente à classe média tradicional e aos segmentos mais altos da sociedade. Um dos exemplos mais claros é a condição que se adquiriu de usufruir do que deveria ser básico, como melhorias na alimentação, posse de eletrodomésticos, acesso a escolas particulares, a possibilidade de ir ao shopping ou viajar de avião. O que antes era privilégio dos mais afortunados, passou a ser objeto de desejo da nova classe. Todos estes aspectos foram estudados no artigo “‘A nova classe média’: repercussões psicossociais em famílias brasileiras”,redigido pelos pesquisadores, e o foco foi dado a como o acesso a um novo estilo de vida impacta a psique dos indivíduos.

Notou-se que este novo estilo é marcado pela tentativa de planejamento do futuro, seja ele próximo ou mais longínquo, cercado pelo consumo e pela meritocracia. O modo de pensar se aproxima de rótulos da classe média tradicional, seja em questão de valores ou até mesmo politicamente. De acordo com o estudo, existe uma clara aproximação da classe de setores religiosos, aliados a posicionamentos políticos mais à direita, que se somam e geram um discurso cada vez mais conservador. A posição visa proteger e defender uma visão que tem como foco o consumo de bens materiais, aos quais os indivíduos não tinham acesso anteriormente, e que geram uma sensação equivocada de inclusão e status.

O artigo pontuou que tais posicionamentos se aliam ao individualismo, competitividade, redução da teia de solidariedade e a diferenciação e discriminação entre pessoas da mesma origem. Estes valores adquiridos ao ascender economicamente apontariam para estratégias de como manter sua posição na sociedade, visto que ela é instável. Esta seria a diferença chave entre a nova classe média e a tradicional pois, enquanto a primeira sofre para se estabelecer em seu patamar, correndo riscos quando a economia está instável e sujeita ao desemprego, a segunda permanece inabalável em seu posto. O estudo aponta: “Longe de poder ser chamado de ‘classe média’, esse segmento social, para o autor (Pochmann, 2012), deveria ser entendido como trabalhadores pobres por se tratar fundamentalmente de ocupados com salário de base”. Ou seja, a classe C ainda encontra aflições das classes mais baixas, mas tem as demandas das mais altas. A professora Belinda Mandelbaum, responsável pela orientação e supervisão da redação do artigo, coloca: “Embora a nova classe média tenha tido acesso a esses novos bens de consumo, como celulares, viagens e eletrodomésticos, isso não as tornou verdadeiramente classe média”.

Apesar de o padrão da nova classe média ter se aproximado do espaço da tradicional, a receptividade, muitas vezes, não é boa. “São classes sociais que não estavam acostumadas a conviver em certos espaços, como o shopping, aeroporto. Então foi uma convivência difícil, vejamos pelo movimento do rolezinho, que evidencia uma certa ojeriza da classe tradicional em relação à classe C”, afirmou a professora. Os encontros nos espaços públicos e privados evidenciaram o racismo e classismo latentes presentes na sociedade brasileira, que até então eram abafados pelo pacto social de que “cada um sabe o seu lugar”. A repercussão são os murmurinhos pelos corredores do cotidiano, como apontaram exemplos dados no artigo: “Aeroportos agora parecem rodoviárias, ou como os filhos da classe C ‘até’ estudam em colégios que seriam da classe média tradicional”.

O estudo em questão pontuou suas conclusões a partir de pesquisas e serviu como encerramento de uma série de estudos a respeito do tema. Estes aconteceram no decorrer do seminário “Novas classes médias”: famílias em mudança?”, que aconteceu em agosto de 2013, durou cerca de um ano e foi organizado pelos pesquisadores do Laboratório de Estudos da Família, Relações de Gênero e Sexualidade (LEFAM) do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho, no IPUSP. As áreas de estudo incluíram as Ciências Políticas, Economia, Antropologia, Cultura, Religião e a Psicologia Social.

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