Manifestações populares abrem caminho para protagonismo juvenil

Os professores Everaldo de Oliveira Andrade e Antonio Euzébios Filho analisam momentos históricos protagonizados por jovens e explicam a tendência

 

 

Em 2021, as ruas da Colômbia foram tomadas por protestos. Na linha de frente, destacou-se a juventude, que trazia junto a ela demandas em relação ao futuro. De acordo com um órgão estatal de estatísticas, quase um terço dos colombianos (27,7%) entre 14 e 28 anos nem estuda nem trabalha. Os sintomas revelam uma tendência histórica de jovens ocupando um papel de destaque em manifestações e processos históricos.

O futuro dos jovens em xeque

Everaldo de Oliveira Andrade – Foto: FFLCH/USP

A lista de demandas dos jovens colombianos não é curta e se assemelha à de outros momentos da história recente de diversos países, passando por preocupações com relação ao desemprego, aos cuidados com o meio ambiente e com a corrupção. “Ao longo da história do Brasil e da América Latina, mas não só, quando a população jovem entra em cena nas mobilizações, isso revela uma grande ruptura talvez ocorrendo na sociedade, porque é um setor mais fragilizado do ponto de vista das suas condições de sobrevivência. Vamos pensar no Brasil de hoje e na enorme taxa de desemprego que existe entre a juventude”, afirma o professor Everaldo de Oliveira Andrade, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Não é à toa que, nesses contextos, surgem pesquisas como a da Fundação Getúlio Vargas, a qual indica que os jovens estão menos satisfeitos com a vida no presente. Desde 2014, quando os estudos apontaram um índice de 7,2 pontos de satisfação (em uma escala de 0 a 10), o número vem caindo. O índice atingiu o patamar de 6,4 em 2020.

“As pessoas estão percebendo que o sistema não dá as respostas que elas precisam. Os jovens estão empobrecendo, não podem se manifestar livremente em relação à sexualidade e à sua própria identidade, os pais estão trabalhando cada vez mais e ganhando cada vez menos. As redes de apoio social efetivo estão esgarçadas. Temos cada vez menos investimento na cultura, no lazer e na arte. Temos violência política e violência policial crescente, por que as pessoas estariam felizes?”, reflete o professor Antonio Euzébios Filho, do Instituto de Psicologia da USP.

Jovens nas ruas e na história

Diante desse cenário de crise, é comum que jovens tomem as rédeas de grandes manifestações. Mas nem sempre as demandas são somente dessa faixa etária. O professor Andrade explica que, pelo espírito impulsivo, os jovens muitas vezes acabam potencializando demandas de outros setores sociais. “Grandes camadas da classe trabalhadora estão insatisfeitas, mas não podem [se manifestar], porque estão trabalhando, estão ocupadas. Mas a classe trabalhadora, pelo menos em momentos de transformações profundas e até revolucionárias no século 20, estiveram presentes junto com a juventude”, comenta, lembrando de maio de 1968, em que um movimento político na França foi marcado por greves gerais e ocupações estudantis, tornando-se ícone de uma época onde a renovação dos valores veio acompanhada pela força de uma cultura jovem.

Antonio Euzébios Filho – Foto: Reprodução/YouTube

Nos dias atuais, o professor Euzébios, que leciona no Departamento de Psicologia Social, percebe que as camadas de jovens que ganham protagonismo não estão mais vinculadas a movimentos sociais como estavam em outros momentos da história.

“Nós vemos movimentos de rua, o Chile é um exemplo claro disso, sendo protagonizados por jovens com menos idade, radicalizados contra o sistema, muitas vezes claramente anticapitalistas, contra as instituições, mas de forma muito descoordenada, sem uma vinculação com o movimento social. As convocações de ato também têm uma característica específica no momento atual. Elas são feitas muitas vezes por redes sociais”, analisa, lembrando que o Chile recentemente convocou uma Assembleia Constituinte para rever a Constituição vigente, a qual data da época da ditadura chilena.

Ao longo da história, mesmo em períodos de cunho autoritário e extremado, jovens estiveram na ordem do dia. A ascensão e a legitimação do governo nazista na Alemanha, por exemplo, que ocorreu nas primeiras décadas do século 20, foram protagonizadas pela chamada Juventude Hitlerista.

No Brasil, em caminho oposto ao autoritarismo, a juventude ganhou destaque em processos que vão desde a Revolta Tenentista, dos anos 1920 contra o regime oligárquico, até o princípio dos atos de 2013, cuja mobilização inicial teve forte influência de movimentos estudantis.

Em suma, é possível notar que os rumos políticos e econômicos de alguns países, com destaque aos latinos, vêm impactando ainda mais a forma como os jovens percebem suas vidas no presente e no futuro. “Nós vivemos em uma ditadura econômica, muito mais clara com a destruição do bem-estar social para esses jovens hoje. As redes sociais acabam contribuindo para escancarar o autoritarismo e as violências contra as chamadas minorias”, afirma o professor Euzébios.