‘Meu filho não quer voltar pra escola’

Medo do vírus, de contaminar os avós e a possibilidade de deixar os pais são alguns dos sintomas do estresse pós-traumático que atinge crianças. Após sete meses dentro de casa e de convivência intensa com a família, mudar a rotina das crianças, mais uma vez, não está fácil. Crianças têm enfrentado uma nova adaptação e algumas não querem voltar ao ambiente físico da escola. É o que a psicologia chama de estresse pós-traumático com diferentes níveis de comprometimento.

Uma pesquisa feito pelo Instituto de Psiquiatria de São Paulo revela que os problemas e quadros psiquiátricos que existiam antes da pandemia se agravaram durante a mesma. “A tensão aumentou, o medo é constante e o comportamento dos pais pode ter relação direta com os sentimentos dos filhos”, diz a psicóloga e chefe do Departamento de Psicologia da USP, dra. Martha Hubner.

Angelica Dibo conta que a Fernanda, 6 anos, não quer voltar. “Sente muita falta da escola, dos amigos, das atividades, mas diz ter medo. Só quer voltar após a vacina. Temos conversado com ele para entender do que exatamente tem medo e ele diz que como saberá se as outras famílias estão se cuidando?!”.

“Minha filha tem saudades da escola, dos professores e amigos, mas diz que não quer voltar antes do ‘vírus acabar’ porque tem medo”, conta Mirianne Kemper Guzmán, mãe da Maria Fernanda, 6 anos. “Outro dia, uma professora deu aula online de dentro da escola e ela chorou com medo da professora se contaminar porque estava sem a máscara. Sei que parte disso vem da gente tanto ensinar que tem que usar máscara, lavar as mãos, que não pode ir ao parquinho. Acabamos passando esse receio pra ela”.

Lidar com o incerto, o incontrolável, e vencer o medo são alguns dos desafios das famílias que se depararam com o filho dizendo não querer voltar à escola. Medo este que é um conjunto de vivências e interpretações feitas pela criança durante todo o período de pandemia. A maneira como as experiências são vividas dentro de casa e como internalizou as informações diversas ajudam a compor o quadro.

Segundo dra. Martha Hubner, “o medo é um sentimento adaptativo e saudável nesses tempos de pandemia”. “Todos temos, principalmente se fomos preparados adequadamente para nos protegermos em família”, conta. “É preciso ter empatia, acolher o medo da criança e fazer pequenas exposições antes de voltar à escola. É compreensível o mal-estar em sair depois de muitos meses dentro de casa e isso precisa ser validado”.

Pedro, filho da Larissa Kanay Figueira, 5 anos, está com medo de fazer amizades. “Por mais absurdo que isso possa parecer, ficar sem amigos e só ter contato com a família é o normal agora”. Larissa conta que desde que percebeu a mudança de comportamento tem tentado propiciar momentos de interação com outras crianças. “Mas está difícil. Ele diz que é medo e não me parece vergonha, mas medo do ‘novo’, já que ficou muito tempo sem interagir. Eu tento explicar que fazer amizades é legal, que precisa conhecer novas pessoas, que as coisas vão voltar ao normal aos poucos. Que no começo é normal sentir medo, mas que depois ele vai ver que foi bom”.

E parece que o ser humano virou potencial perigo a qualquer outro e as relações se tornaram terrenos minados. Mas não. Isso tudo é reflexo do medo que cada um carrega e as interpretações que foi fazendo ao longo da pandemia. “Todo medo tem fundamento”, alerta dra Martha.

O filho de Vanessa Lazarini Abreu, 7 anos, diz que tem medo do corona vírus e que não quer ficar longe da mãe. “Está super agarrado e dependente. Já vinha apresentando medos e ansiedade, mas com a pandemia foi uma soma e ficou muito intenso”. Vanessa decidiu iniciar terapia com o Bruno, uma vez que começou apresentar sintomas físicos como dores de cabeça, aumento da frequência do xixi e muita irritabilidade”, conta.

“O apego de crianças menores é um fenômeno conhecido na psicologia”, diz Martha. “Há crianças pequenas (bebês), que quando a mãe tem que sair por alguns dias, ‘ficam de mal’, sequer olham para a mãe. O desapego precisa acontecer a pequenos passos e o treino e preparo pode começar já dentro de casa, distribuindo alguns cuidados entre outros familiares e fazendo pequenas saídas. Curtas e rápidas, com aumentos gradativos para a criança ter condições de se adaptar a ausência da mãe”.

A filha da Ivana Rezende Tavares, que tem 10 anos, também diz que não querer voltar. “Minha filha argumenta que se começar a conviver com outras pessoas não poderá ver os avós e não poderá mesmo. Não consegui identificar se existem mais motivos, mas no momento prefere continuar em isolamento mesmo com todo desgaste. Tanto ela como os avós sabem que o retorno à escola vai impactar a convivência deles. Ela se sente razoavelmente confortável brincando on-line com as amigas, mas é muito apegada aos avós e sabe que são grupo de risco”.

O medo de contaminar os avós é algo concreto e real e, segundo a dra. Hubner, “um efeito desastroso e injusto da pandemia”. “As crianças que já têm um senso de responsabilidade aprendido (aos 10 anos isso é possível), têm total direito de se sentirem assim. Os males de uma possível transmissão aos avós será um desastre muito maior na vida dela. Se ela é apegada aos avós e convive com eles, talvez, a escola presencial terá que esperar. É preciso entender, acolher e ter empatia com o medo das crianças. Estamos falando do amor que elas sentem pelos avós e isso é um dado de realidade”.

E dado de realidade é outro mal que atinge crianças na pandemia. Numa idade onde o mundo é belo, fantasioso e lúdico, ter que lidar com fatos tão concretos parece tirar do prumo o conceito da própria infância. Uma criança pequena não querer voltar à escola, lugar onde ela encontra com amigos e tem um pátio pra fazer de seu, é, certamente, uma daquelas fissuras profundas que marcam o corpo, que marcam a vida. Precisa de muito amor, muita empatia e acolhimento para transformar medo em vida de novo.

 

Por Carolina Delboni