Algumas produções cinematográficas, como Vida de Inseto e Bee Movie, mostram uma organização complexa de sociedades de insetos. Apesar da ficção, essa ideia possui algumas semelhanças com a realidade, visto que muitos insetos, chamados de insetos sociais, apresentam aspectos que podem ser encarados como uma sociedade organizada de fato. Dessa forma, várias tentativas de paralelos entre a vida em sociedade desses insetos e dos humanos são feitas, já que possuem algumas similaridades que podem ser estudadas e analisadas — um fato curioso é que essa tentativa de se fazer paralelos entre as espécies já foi feita até mesmo na Bíblia, em um versículo que diz: “Observe a formiga, preguiçoso, reflita nos caminhos dela e seja sábio!” (Provérbios 6:6).
Michael Hrncir, professor do Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo, comenta que, apesar de existir a possibilidade dessa associação para a estruturação de ambientes urbanos, alguns cuidados devem ser tomados: “Eu acho difícil devido à organização diferenciada e às necessidades reprodutivas diferenciadas, porque no caso de uma colônia de insetos sociais, a colônia vai produzir uma nova colônia, então a unidade reprodutiva é a colônia e não o indivíduo. No caso da sociedade humana, a unidade reprodutiva é o indivíduo e não a sociedade”.
Movimentação das formigas
O docente explica que um dos exemplos possíveis é o da movimentação das formigas, já que, ao se analisar o movimento das formigas em um caminho com obstáculos, percebe-se que a sua reorganização deixa o fluxo ainda mais rápido. Nesse sentido, Nicolas Châline, professor do Instituto de Psicologia (IP) da USP e coordenador do Laboratório de Etologia, Ecologia e Evolução dos Insetos Sociais (LEEEIS), complementa sobre a organização em trilhas das formigas para a busca de comida que, com estímulos e indícios simples, organizam a rede de tráfego para evitar engarrafamentos — possível através de trilhas de feromônios e flexibilidade na organização.
“Esse exemplo é muito conhecido por cientistas, porque é um dos primeiros que foram usado para calcular algoritmos de trânsitos em redes, como rede de internet. Eles usavam esta estratégia das formigas, que depositam uma trilha, para tentar calcular a melhor rota para dados na internet, para não causar esse efeito de engarrafamento. E, matematicamente, isso é um problema muito difícil de resolver, mas usando esse algoritmo, parecido com o comportamento de formigas, você consegue achar o melhor caminho”, afirma.
Chamado de caixeiro-viajante, esse problema relatado pelo especialista visa a obter uma otimização de rotas, e seu algoritmo se aplica a todos os problemas relacionados ao trânsito, principalmente em ambientes fechados e limitados, podendo melhorar a eficiência do transporte. Além da otimizar as rotas, Châline conta que as formigas possuem outros métodos para lidar com engarrafamentos, como a criação de pistas paralelas, que permitem ultrapassar um lugar com muitos indivíduos, e a regulação de regras de prioridade, favorecendo formigas que estão voltando com comida em casos de engarrafamento.
Tanto formigas quanto abelhas possuem uma espécie de regulação da fonte de quem está indo e voltando para forragear, como esclarece o professor: “Se tem muita comida voltando, elas percebem que não precisam sair tanto. Porém, se elas esperam muito tempo para recolher a comida, percebem que têm que sair para forragear. Esse problema específico foi comparado às linhas com as caixas de supermercados, e tem vários exemplos que os cientistas perguntam para as formigas, fazendo experimentos, que são também problemas da sociedade humana”.
Outros exemplos
Além da gestão do lixo, em que as formigas o colocam o mais longe possível da colônia, a fim de impedir parasitas em seus fungos, com barreiras para evitar a contaminação, o docente também comenta outros exemplos. Um deles é a arquitetura dos cupins, em que a orientação em relação ao Sol e a organização dos buracos de suas construções são bem adaptadas ao ambiente em que se encontram, podendo gerar soluções na arquitetura de edifícios sustentáveis. Ronara Ferreira, professora do IP-USP, comenta que estratégias de ventilação dessas construções, que regulam a entrada e saída de ar quente e frio, e a saída de substâncias tóxicas, também trazem soluções para essa questão.
Ela ainda explica que muitas espécies de insetos sociais apresentam uma característica chamada de inteligência de enxame, na qual regras simples seguidas pelos indivíduos levam um comportamento de grupo muito mais complexo e adaptativo. “Para a nossa espécie, o planejamento e gerenciamento de questões urbanas podem utilizar dessa inteligência de enxame para gerenciar multidões, sistemas robóticos e até mesmo a coordenação e logística de veículos urbanos. Também pode ser aplicada em casos de desastres, para projetar planos de evacuação e estratégias de resposta a emergências mais eficientes, e para questões de busca e resgate, usando uma robótica inspirada nesse comportamento dos insetos sociais”, adiciona.
Outro exemplo que Châline dá é a divisão de tarefas, em partes menores do que a inteira, entre as cadeias de indivíduos — já que, muitas vezes, são grupos de formigas com características diferentes —, otimizando o trabalho da colônia. Isso fez com que cientistas observassem um outro aspecto desses insetos, relacionados a sua personalidade — de acordo com o profissional, pesquisas recentes indicam algumas teorias de que formigas que fazem trabalhos diferentes têm personalidades distintas.
“Tem também, por fim, essa ideia de consciência, parecida com emoção e que vai levar elas a ter comportamentos diferentes, no caso em que tenham uma experiência positiva ou negativa. Então nós temos, da colônia, que são os maiores exemplos que nós usamos para comparar com sociedade, até ao caso individual, que uma formiga é muito influenciada por sua experiência própria, e temos vários temas comuns. A complexidade de um indivíduo de formiga não pode ser comparada com a de um ser humano, mas nós vemos que muitas influências que vêm do ambiente, sobretudo a vida social, vão ter muita importância sobre o comportamento”, finaliza.
Por: Davi Caldas, Jornal da USP, 29/7/2024