Pesquisa busca analisar atuação da política nacional de saúde em comunidade quilombola

Estudo investiga o desenvolvimento da relação da política nacional de saúde integral da populão negra no cotidiano de uma comunidade quilombola

Por Mateus de Lucena Feitosa, AUN: Agência Universitária de Notícias, 24/04/2017

Foto: Prefeitura de Arapiraca. Reprodução: Comunidade Pau D’Arco

Com o intuito de compreender a forma como a política nacional de saúde integral da população negra tem desenvolvido sua atuação no cotidiano de comunidades quilombolas, o pesquisador, Saulo Lüders Fernandes, visitou a comunidade Pau D’Arco no estado de Alagoas para escrever sua tese, Itinerários terapêuticos e política pública de saúde em uma comunidade quilombola de Alagoas, Brasil, pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

Professor pela Universidade Federal de Alagoas, Fernandes teve ao longo de sua carreira acadêmica muito contato com comunidades tradicionais da região de Alagoas, onde teve o primeiro contato e criou afinidade com comunidades quilombolas do estado. Com auxílio de um de seus alunos habitante da Pau D’arco, o pesquisador conseguiu visitar o quilombo pela primeira vez e entender seu funcionamento. “Quando cheguei, percebi que era uma comunidade negra rural, com uma construção histórica de luta e resistência”, comenta ao falar sobre as visões equivocadas e muitas vezes preconceituosas de brasileiros em relação aos quilombos.

Com ajuda de seu aluno, que funcionou como mediador entre Fernandes e os moradores locais, o pesquisador teve a oportunidade de conversar com os habitantes de Pau D’arco para trabalhar com questões de memória, identidade e história oral. Foi por meio destas conversas que a questão da saúde na comunidade chamou a atenção do professor que desenvolveu sua tese em torno deste tema. “Conversando com idosos percebi a dificuldades enfrentadas por eles para ter acesso à saúde na região”, afirmou.

A pesquisa foi realizada por meio de entrevistas que tinham o objetivo de compreender a influência das táticas de cotidiano da comunidade que, apesar dos campos de opressão e convivência, constroem mecanismo para lidar com essa realidade pensando na área de saúde. “Queria entender a forma como unidades de saúde lidavam com o cotidiano dessas comunidades”, diz. Para o pesquisador, deve-se levar em consideração toda trajetória que o morador traça para se cuidar, incluindo seus costumes e cultura local.

Durante o processo de desenvolvimento da pesquisa, Fernandes relatou ter uma dificuldade inicial de se aproximar dos moradores, que demonstraram ter uma organização política, consciência de luta e resistência muito evidente. Ao conversar com líderes da comunidade, foi pedido que, para que pudesse realizar sua pesquisa, ela deveria trazer um retorno à comunidade. Entretanto, ao conversar com os habitantes de Pau D’Arco, o professor percebeu que o conceito de quilombo é visto de diferentes formas na comunidade. “Ao conversar com idosos percebi uma relutância em se identificar como quilombola devido sua relação com a escravidão, enquanto jovens e adultos, mais ligados com movimentos sociais negros, se identificam com essa identidade social”, relata.

Para o pesquisador, o conceito de quilombo é abrangente é se dá de diversas formas. “Quilombo é um conceito em atualização”, diz. Atualmente, Pau D’arco não possui o título da terra que ocupa e, devido ao avanço da cidade, corre o risco de sofrer os efeitos da urbanização e eventualmente desaparecer. Apesar da constituição de 88 garantir que todo território quilombola tenha seu título emitido pelo governo, apenas 217 comunidades das 2474 reconhecidas o possuem. Governos locais falham em considerar as mudanças que avanços sociais e tecnológicos exercem sobre as comunidades e, muitas vezes motivados por conflitos territoriais, lutam para que deixem de ser reconhecidas. De acordo com o pesquisador, a resistência e luta da comunidade que se identifica como quilombola deveria ser o suficiente para reconhecê-la.

Fernandes aponta que a pesquisa o ajudou concluir que o sentido da saúde é fundado nas relações cotidianas das comunidade, e não nas instituições formais de saúde. “É muito importante entender saúde fora do campo formal com benzedeiras e familiares da comunidade, por exemplo”, afirma.  Ele frisou, também, a importância da psicologia de desconstruir sua concepção de humano. “Para mim o humano negro ou negra da comunidade quilombola não é o mesmo humano que a psicologia discute, este é um branco, homem, heterossexual e europeizado”, comenta ao falar sobre o perigo da concepção universalista da psicologia, que falha ao não compreender uma realidade como a das comunidades quilombolas pautada por conflitos territoriais e o racismo muito presente no Brasil.

Publicado originalmente em: https://paineira.usp.br/aun/index.php/2017/04/24/pesquisa-busca-analisar-atuacao-da-politica-nacional-de-saude-em-comunidade-quilombola/

 

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