Red Pill, “machosfera” e “manosfera” são termos que chamaram a atenção nas últimas semanas em referência a grupos que discutem o papel dos homens na sociedade, mas acabam por reproduzir ideias machistas e, por vezes, misóginas (de ódio a mulheres). Neles, um pano de fundo é bastante comum: supervalorização do masculino e reação à conquista de direitos de minorias, como mulheres (principal alvo) e LGBTs. Somado a isso, há discursos conspiratórios de uma suposta misandria (ódio a homens) estatal, que prejudicaria homens brancos heterossexuais.
Na internet, esses grupos têm espaço em fóruns, redes de mensagens, perfis e podcasts, com ampla gama de influenciadores, os “coaches de masculinidade”, com milhares de seguidores. Entre os temas tratados, dicas de sedução, segurança, estilo de vida e profissionais. Grande parte delas inclui conceitos ultrapassados, com representações estereotipadas e sem reconhecer a diversidade das mulheres.
Um tema recorrente são relacionamentos (sempre entre homem e mulher). Em vez da ótica da parceria, muitos concebem a relação de modo em que a mulher raramente aparece como produtora de riqueza material. O homem serviria à mulher com dinheiro, que ganha fora de casa, e ela retribui sexual e afetivamente, e com serviços domésticos. Isso quando ela, segundo os red pills, não tiver sido “transformada” pelo feminismo. E a representação dessa mulher recorre a narrativas que se replicam nesses perfis: ingrata, que não se sente feliz na relação e pede para se separar ou trai; ou oportunista, que quer só extorquir e manipular o parceiro, para que ele seja servo dela. A sexualidade é outro ponto de tensão, com julgamento sobre o número de parceiros ou a escolha das roupas.
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As transformações criam frustrações e parte dos homens passa a ter comportamento infantilizado, diante do despreparo em lidar com a perda de privilégios. “É como, de repente, acordar no meio do deserto, com 30 anos, e não saber o que aconteceu”, compara Christian Dunker, professor de Psicologia Clínica da USP. “Muitos desses homens têm uma versão simplificada do que a vida espera deles”, continua ele, em referência à tarefa de sustentar a casa. Se cobrados por mais, há percepção de injustiça. “E esse sentimento pode evoluir para violência, para a demissão, para falta de responsabilidade afetiva.”
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Dunker, da USP, alerta que os sentimentos expostos pelo red pill revelam dificuldades enfrentadas pelos próprios homens, que se veem com culpa e vergonha. “Sofrem porque se sentem criminosos sociais, porque são obrigados a transformações que têm efeitos depressivos. E a violência, muitas vezes, é efeito colateral disso. É um sofrimento mal reconhecido, negado e invisível socialmente. Evolui, em tese, para formação de sintomas, para violência e disruptividade social.”
Por: Leon Ferrari, para o Estadão, 12/03/2023